segunda-feira, 28 de novembro de 2016

SESSÃO 57 - 29 DE NOVEMBRO DE 2016


O SEM-VERGONHA (1999)


Hollywood gosta de se autoparodiar e aceita de bom grado a autocrítica, se ela lhe trouxer dividendos. Desde há muito. Quem se não lembra dessa fabulosa comédia musical de Gene Kelly e Stanley Donen, “Serenata à Chuva” (Singin' in the Rain, 1952), ou mesmo desse drama denso e crispado que Billy Wilder assinou, “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard, 1950)?
Mas há muitos outros títulos a justificar amplamente uma citação, o que aqui se faz de forma muito rápida e sucinta, para avivar a memória de quem os recorda ou referi-los como boa escolha para quem os não conhece. Comecemos pelas comédias, algumas bem verrinosas, outras mais amenas e de olhar ternurento: “Tudo Boa Gente” (S.O.B, 1981), e “A Festa” (The Party, 1968), dois títulos de Blake Edwards, são dos retratos mais divertidos e desapiedados de Hollywood. “O Jogador” (The Player), de Robert Altman (1992), iguala-os. A considerar ainda “A Última Loucura” (Silent Movie), de Mel Brooks (1976), “O Maior Amante do Mundo” (The World’s Greatest Lover), de Gene Wilder (1977), “A Musa” (The Muse), de Albert Brooks (1999), “Três Amigos” (Three Amigos!), de John Landis, “As Três Noites de Susana” (Susan Slept Here), de Frank Tashlin (1954) ou, do mesmo Frank Tashlin, “Um Espada para Hollywood” (Hollywood or Bust, 1956), com Jerry Lewis que, por sua vez, nos deu um magnífico retrato de Hollywood em “Jerry 8 ¾” (The Patsy, 1964). Outros grandes actores cómicos nos ofereceram olhares sobre Hollywood, logo desde ainda na época do cinema mudo, como o fabuloso “Sherlock Holmes Jr.” (Sherlock Jr., 1924), de Buster Keaton. “Parada de Malucos” (Hellzapoppin), de H.C. Potter (1941), “A Quimera do Riso” (Sullivan’s Travels), de Preston Sturges (1942), “A Rosa Púrpura do Cairo” (The Purple Rose of Cairo, 1985) e “Recordações” (Stardust Memories, 1980), ambos de Woody Allen, “Quando Paris Delira” (Paris When It Sizzles), de Richard Quine (1964), “The Stunt Man - O Fugitivo” (The Stunt Man), de Richard Rush (1980) são outros exemplos, sendo que “Tempestade Tropical” (Tropic Thunder), de Ben Stiller (2008) e “O Artista” (The Artist), de Michel Hazavanicius (2011) são dois dos mais recentes.


Do lado do drama e do retrato por vezes negro da indústria do cinema haverá igualmente muito a citar, e quase sempre de boa qualidade, ou não fossem confissões de quem sabe do que está a falar. “Cativos do Mal” (The Bad and the Beautiful, 1952) e o seu prolongamento italiano “Duas Semanas Noutra Cidade” (Two Weeks in Another Town, 1962), ambos de Vincente Minnelli são bons exemplos para iniciar esta viagem. “O Grande Magnate” (The Last Tycoon), de Elia Kazan (1976), “Matar ou Não Matar” (In A Lonely Place), de Nicholas Ray (1950), “O Desprezo” (Le Mépris, 1963), de Jean-Luc Godard, “Os Insaciáveis” (The Carpetbaggers), de Edward Dmytryk (1964), “O Nosso Amor de Ontem” (The Way We Were), de Sydney Pollack (1973), “O Dia dos Gafanhotos” (The Day of the Locust), de John Schlesinger (1975), “Valentino”, de Ken Russell (1977), “Shampoo”, de Hal Ashby (1975), “Hollywood Boulevard”, de Allan Arkush, Joe Dante (1976), “Manobras na Casa Branca” (Wag the Dog), de Barry Levinson (1997), “LA Confidential”, de Curtis Hanson (1997), “Modern Romance”, de Albert Brooks (1981), “Ed Wood”, de Tim Burton (1994), “Deuses e Monstros”(Gods And Monsters), de Bill Condon (1998), “Mulholland Drive”, de David Lynch (2001), “Adaptação” (Adaptation) Spyke Jones (2002), “Barton Fink”, dos Irmãos Coen (1991), “Somewhere – Algures”, de Sofia Coppola (2010), “RKO 281”, de Benjamin Ross (1999), “Sete Psicopatas” (Seven Psychopaths), de Martin McDonagh (2012), “O Aviador” (The Aviator), de Martin Scorsese (2004), “State and Main”, de David Mamet (2000), “Mapas Para as Estrelas” (Maps To The Stars), de David Cronenberg (2014), entre muitos outros, abordam o universo da indústria cinematográfica norte-americana com resultados diversos, é certo, mas quase sempre interessantes. Há mesmo temas que oferecem visões distintas ao longo das décadas. “Assim Nasce Uma Estrela” (A Star is Born), de George Cukor, na sua versão de 1954, com Judy Garland e James Mason, é talvez o exemplo mais marcante, o mesmo Cukor dirigira “What Price Hollywood”, em 1932, com Constance Bennett e Lowell Sherman, abordando o mesmo caso da actriz envolvida com um produtor alcoólico. “Nasceu Uma Estrela” (A Star is Born), desta feita com realização de William Wellman, e interpretação de Fredric March e Janet Gaynor, data de 1937, sendo que a versão mais recente “Nasce Uma Estrela” (A Star is Born), de 1976, traz a assinatura de Frank Pierson, e a presença de Barbra Streisand e Kris Kristofferson.
Muito interessante é, pois, neste contexto, “Bowfinger”, que parte de um excelente argumento de Steve Martin com realização a condizer, de Frank Oz. Bowfinger (Steve Martin) é um pequeno produtor de Hollywood, sem grandes escrúpulos, que procura por todos os meios ao seu alcance, e não só, realizar o filme que o irá lançar na grande indústria. Acha que tem nas mãos o argumento da sua vida e precisa de um actor de prestígio para vender o produto. Kit Ramsey (Eddie Murphy) é o indicado, porém este nem sequer lê o script. Mas, como quem não tem cão caça com gato, Bowfinger resolve rodar o filme com o actor, sem este saber. O resultado será inesperado ...
Muito mais inesperado é o tom de violenta crítica que “O Sem-Vergonha” consegue manter ao longo de toda a obra, com uma sucessão de gags extremamente bem conseguidos e servidos por um elenco brilhante, que ajuda a fazer deste filme uma das melhores comédias de finais da década de 90.


O SEM-VERGONHA
Título original: Bowfinger
Realização: Frank Oz (EUA, 1999); Argumento: Steve Martin; Produção: Kathleen M. Courtney, Brian Grazer, Karen Kehela Sherwood, Bernard Williams; Música: David Newman; Fotografia (cor): Ueli Steiger; Montagem: Richard Pearson; Casting: Margery Simkin; Design de produção: Jackson De Govia; Direcção artística: Tom Reta; Decoração: K.C. Fox; Guarda-roupa: Joseph G. Aulisi; Maquilhagem: Gary Archer, Steve Artmont, Frank Griffin, Stacey Morris, Gloria Ponce, Rick Sharp, Alicia M. Tripi, Toy Van Lierop, Toni-Ann Walker; Direcção de Produção: Leslie J. Converse, Bernard Williams; Assistentes de realização: Michele Panelli-Venetis, Matt Rebenkoff, Evan Gilner, Basil Grillo; Departamento de arte: Marc Baird, Bryan Belair, Susan A. Burig, Matt Callahan, Les Gobruegge, Karl J. Martin, Melissa Mollo, Dawn Snyder, Rick Young; Som: Brendan Beebe, Ron Bochar, Martin Raymond Bolger, Lewis Goldstein, Dennis Jones; Efeitos especiais: Phil Cory, Richard Cory, Matthew W. Mungle; Efeitos visuais: Kelly G. Crawford, Syd Dutton, Bill Taylor; Companhias de produção:Universal Pictures, Imagine Entertainment; Intérpretes: Steve Martin (Robert K. Bowfinger), Eddie Murphy (Kit Ramsey / Jefferson 'Jiff' Ramsey), Heather Graham (Daisy), Christine Baranski (Carol), Jamie Kennedy (Dave), Adam Alexi-Malle (Afrim), Kohl Sudduth (Slater), Barry Newman (Hal, agente de Kitt), Terence Stamp (Terry Stricter), Robert Downey Jr. (Jerry Renfro), Alejandro Patiño (Sanchez), Alfred De Contreras (Martinez), Ramiro Fabian (Hector), Johnny Sanchez (Luis), Claude Brooks (Freddy), Kevin Scannell, John Prosky, Michael Dempsey, Walter Powell, Phill Lewis, Marisol Nichols, Nathan Anderson, Brogan Roche, John Cho, Lloyd Berman, Zaid Farid, Aaron Brumfield, etc. Duração: 97 minutos; Distribuição em Portugal.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

SESSÃO 56 - 22 DE NOVEMBRO DE 2016


UMA FAMÍLIA À BEIRA 
DE UM ATAQUE DE NERVOS (2006)

Um tipo como Richard Hoover (Greg Kinnear), por muita boa vontade que ele tenha e nós para com ele, é sempre um elemento particularmente desagradável. O formador de intrépidos vencedores, de triunfantes empreendedores, motivando toda a gente que encontra para o sucesso, só pode estar destinado ao fracasso. Ele começa por afiançar: “There are two kinds of people in this world, winners and losers”. O que ele desconhece ainda é que, por vezes, os que se julgam triunfantes acabam perdedores. A começar desde logo pela sua família, um curioso agregado com algo de disfuncional: a mulher, Sheryl Hoover (Toni Collette), que vai tentando equilibrar o caos e atenuar a loucura reinante, os dois filhos, Dwayne (Paul Dano), que admira Nietzsche, quer ser piloto, se recusa a falar e vive ensimesmado, e Olive Hoover (Abigail Breslin), uma miudinha de sete anos que sonha concorrer a “Little Miss Sunshine”, um concurso de beleza para crianças talentosas de poucos anos e famílias de pouco juízo. Mas há ainda um tio, Frank Ginsberg (Steve Carell), um grande especialista, “o maior”, em Proust, acabado de sair do hospital e de uma depressão que o levou a uma tentativa de suicido, e o avô, Edwin Hoover (Alan Arkin), expulso de um lar por falta de pudor, drogas, revistas pornográficas e linguagem desbragada, personagens obviamente um pouco exóticas que compõem o ramalhete deste “road movie” de concepção “indie”, lançado inicialmente no Festival Sundance de Cinema de 2006, com enorme sucesso.
Os seus direitos foram vendidos para a Fox Searchlight Pictures num dos contratos mais caros da história do festival, tendo de imediato feito uma excelente carreira nos EUA e em todo o mundo, arrecadando uma impressionante quantidade de prémios em todo o mundo (é incrível a listagem que o IMDB apresenta de prémios ganhos por esta comédia) entre as quatro nomeações para Oscars, vencendo em duas delas (Melhor Argumento original e Melhor Actor Secundário, Alan Arkin). Esteve ainda nomeado para Melhor Filme do Ano e Melhor Actriz Secundária, a estreante Abigail Breslin.
“Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos” foi dirigido por um casal de realizadores estreantes na longa-metragem de ficção, Jonathan Dayton e Valerie Faris, e escrito por Michael Arndt. Jonathan Dayton e Valerie Faris tinham atrás de si uma longa história em vídeos, curtas-metragens, documentarismo e episódios para televisão. Depois de “Little Miss Sunshine” conhece-se apenas uma outra comédia, igualmente bem recebida, “Ruby Sparks - Uma Mulher de Sonho” (1912) e anunciam-se dois projectos em fase de concretização, “I'm Proud of You” e “Battle of the Sexes”.


Rodado entre o Arizona e o sul da Califórnia, durante cerca de 30 dias, com um reduzido orçamente do cerca de oito milhões de dólares, o filme arrecadaria verbas astronómicas nos EUA e um pouco por todo o lado. Na semana de estreia, foi lançado nos EUA, em Junho de 2006, apenas em sete salas, e fez 370.782 dólares. O que obrigou a exploração do filme a alargar o numero de salas até atingir uma receita de 9,.626.,655, em Setembro do mesmo ano, em 1.602 ecrãs. Sem dúvida uma revelação e um fenómeno raramente verificado.
Mas a obra faz jus ao sucesso, dado tratar-se de uma comédia que parte de um argumento muito bem concebido, desenvolvido, equilibrando com argúcia a crítica social a certos aspectos da vida americana, com um tom de humor que alterna a insolência contracultura com a delicada ironia de uma família em palpos de aranha para se equilibrar. A realização é sóbria, mas explora bem as linhas de humor, sem perder o rigor da escrita e conseguindo um excelente nível de representação de um elenco magnífico, onde será injusto salientar um nome. A obra evolui á medida que a carrinha da família atravessa a América, do Arizona até à Califórnia, para que a pequena Olive Hoover possa apresentar-se a concurso nesse inimaginável “Little Miss Sunshine”, uma coisa monstruosa que nem devia ser permitida, que o filme destrói por completo, com a ajuda dessa interpretação exótica de Olive Hoover.
Mas os momentos de um delicioso humor sucedem-se nessa trepidante viagem que, por vezes, terá de ser “arrancada” com o esforço de todos a empurrarem a carripana que, aqui e ali, empena, e obriga os ocupantes a saltarem para o seu interior quando já em andamento. Andamento é o que não se perde neste filme com excelente ritmo, que vai buscar obviamente alguma influência a Frank Capra, sobretudo na pertinente crítica social a um certo “americain way of life” e á sua desmedida competitividade, mas também a Ernest Lubitsch, Preston Sturges, George Cukor, Howard Hawks e outros cineastas da melhor época do cinema norte-americano, que celebraram uma comédia de costumes elegante e sofisticada e ainda assim contundente..



UMA FAMÍLIA À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS
Título original: Little Miss Sunshine
Realização: Jonathan Dayton, Valerie Faris (EUA, 2006); Argumento: Michael Arndt; Produção: Albert Berger, Michael Beugg, Jeb Brody, David T. Friendly, Bart Lipton, Peter Saraf, Marc Turtletaub, Ron Yerxa; Música: Mychael Danna, DeVotchKa; Fotografia (cor): Tim Suhrstedt; Montagem: Pamela Martin; Casting: Justine Baddeley, Kim Davis-Wagner; Design de produção: Kalina Ivanov; Direcção artística: Alan E. Muraoka; Decoração: Melissa M. Levander; Guarda-roupa: Nancy Steiner; Maquilhagem: Susan Carol Schwary, Janis Clark, Dugg Kirkpatrick, Amy Lederman, Angel Radefeld, Torsten Witte; Direcção de Produção: Michael Bergyl, Bob Dohrmann, Michael Toji; Assistentes de realização: Thomas Patrick Smith, Heather Anderson, Kate Greenberg, Joe May, Gregory J. Smith, Thomas Robinson Harper, Bart Lipton; Departamento de arte: Tony Bonaventura, Theresa Greene, Michael Klingerman; Som: Andrew DeCristofaro, Craig Dollinger, Stephen P. Robinson; Efeitos especiais: Ian Eyre; Efeitos visuais: Adam Avitabile, Joshua D. Comen, Jenny Foster; Companhias de produção: Fox Searchlight Pictures, Big Beach Films, Bona Fide Productions, Deep River Productions, Third Gear Productions; Intérpretes: Abigail Breslin (Olive Hoover), Greg Kinnear (Richard Hoover), Paul Dano (Dwayne), Alan Arkin (avô Edwin Hoover), Toni Collette (Sheryl Hoover), Steve Carell (Frank Ginsberg), Marc Turtletaub (médico), Jill Talley (Cindy), Brenda Canela, Julio Oscar Mechoso, Chuck Loring, Justin Shilton, Gordon Thomson, Steven Christopher Parker, Bryan Cranston, John Walcutt, Paula Newsome, Dean Norris, Beth Grant, Wallace Langham, Lauren Shiohama, Mary Lynn .Rajskub, Jerry Giles, Geoff Meed, Matt Winston, Joan Scheckel, Casandra Ashe, Mel Rodriguez, Alexandria Alaman, etc. Duração: 101 minutos; Distribuição em Portugal: Twenty Century Fox Home Entertainment; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 12 de Outubro de 2006.


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

SESSÃO 55 - 15 DE NOVEMBRO DE 2016



UM AMOR INEVITÁVEL (1989)


Num grupo de amigos, alguém terá dito: “há 1500 comédias românticas e depois há “When Harry Met Sally...”, um pouco como quem diz “há 1500 filmes de guerra românticos e depois há “Casablanca”, o que não deixa de ser curioso, pois “Casablanca” é muito citado em “When Harry Met Sally...”. Claro que há algo de muito subjectivo nesta apreciação. O mesmo se poderia dizer de algumas outras comédias românticas, como por exemplo “há 1500 comédias românticas e depois há “Breakfast at Tiffany's”, mas a frase não deixa de referir um facto curioso em relação a esta obra de Rob Reiner, segundo argumento de Nora Ephron, aqui realizador e argumentista são dois elementos que terão de ser devidamente valorizados. Ao sublinhar deste modo a importância deste filme que fica na recordação de todos quanto o viram, e que justifica sucessivas revisões, proporcionando o mesmo prazer de sempre, o que se está a confirmar é o momento de eleição que este título representa no interior do género das comédias românticas. Que outra coisa é “When Harry Met Sally...” senão mais uma variação ou derivação do tema “boy meet girl”, apaixonam-se e afirmam viver “felizes para sempre?”. Bom, não é assim tão simples. Realmente Harry Burns (Billy Crystal) pede boleia a Sally Albright (Meg Ryan) para irem juntos para Nva Iorque, ma daí não resulta nenhum “coup de foudre”, nenhuma paixão repentina. Muito pelo contrário, pelo caminho ele alicia-a para passarem a noite num motel, e ela acho-o atrevido em demasia. Poderão ser amigos. Ele acha que não. “A amizade entre homens e mulheres não pode existir. A atração sexual impede-o”, esta é a sua teoria. Dir-se-ia que estamos na presença de um conjunto de lugares comuns ligados à vida do casal. Mas os lugares se são comuns é porque existem para muita gente. Que mal terá abordar os lugares comuns? Nenhum se na forem tratados de forma demasiado primária. “Um Amor Inevitável” tem essa característica invulgar: analisa as questões com sensibilidade, humor, delicadeza, sem, todavia, entrar na pieguice, no rodriguinho. O tom é o certo.
Alias o filme inicia-se e desenvolve-se com um verdadeiro achado narrativo. Alguns casais idosos, em tom documental, apresentam-se frente ao ecrã, informando da forma como se conheceram e o seu amor se manteve ao longo dos anos. São figuras que nada têm a ver com a história central, a não ser… quanto ao amor.


Portanto a relação entre Harry Burns e Sally Albright vai conhecendo avanços e recuos, encontros e desencontros, a vida vai-se desenvolvendo noutros aspectos, novos parceiros se conhecem e se desconhecem, o cabelo de Meg Ryan vai conhecendo diferentes etapas, mostrando como os anos a vão transformando, há quem case e se divorcie, e se lamente num estádio repleto, e acompanhe a onda mexicana se
m nenhum interesse especial, apenas como um reflexo condicionado, há quem insista que as mulheres fingem orgasmos com enorme facilidade e o exemplifique à mesa de um restaurante bem lotado de espectadores-auditores  (há mesmo uma senhora de certa idade, numa mesa ao lado, que pergunta ao empregado do restaurante: “O que é que aquela rapariga comeu? Quero o mesmo!”.
Há filmes que têm tudo para dar certo e não dão. Outros acertam na mouche à primeira. “Um Amor Inevitável” é um desses. Um casal simpático, Nova Iorque, um final em grande que vai do Natal ao Ano Novo, diálogos muito bons, inscritos num argumento inteligente e adulto, tratando de uma questão que diz respeito a toda a gente, o amor e as suas derivações, situações muito bem exploradas e desenvolvidas, cenários magníficos, excelentemente selecccionados, uma banda sonora a preceito (com temas magníficos como “Our Love Is Here To Stay”, “Don’t Get Around Much Anymore” e “But Not For Me”, todos interpretadas por Harry Connick Jr., e clássicos como “Let’s Call The Whole Thing Off” - Louis Armstrong e Ella Fitzgerald -, “Have Yourself A Merry Little Christmas” - Bing Crosby - ou “It Had To Be You” - Frank Sinatra), uma direcção de actores discreta e impecável de sobriedade e rigor, com um casal que parece que foi feito um para o outro (sem que o saibam de início, mas a maturidade se encarregará de o confirmar), e tudo o que se possa dizer mais.  
O amor é uma conquista, um combate. Uma conquista e um combate a dois. Inevitável.


UM AMOR INEVITÁVEL
Título original: When Harry Met Sally...

Realização: Rob Reiner (EUA, 1989); Argumento: Nora Ephron; Produção: Nora Ephron, Steve Nicolaides, Rob Reiner, Andrew Scheinman, Jeffrey Stott; Música: Harry Connick Jr., Marc Shaiman, Scott Stambler; Fotografia (cor): Barry Sonnenfeld; Montagem: Robert Leighton; Casting: Janet Hirshenson, Jane Jenkins; Design de produção: Jane Musky; Decoração: George R. Nelson, Sabrina Wright; Guarda-roupa: Gloria Gresham; Maquilhagem: Stephen Abrums, Joseph A. Campayno, Ken Chase, William A. Farley, Barbara Lorenz, Peter Montagna; Direcção de Produção: Mark A. Baker, Steve Nicolaides; Assistentes de realização: Aaron Barsky, Forrest L. Futrell, Lucille OuYang, Michael Waxman; Departamento de arte: Harold Thrasher, Frank Viviano; Som: George Baetz, Charles L. Campbell, Paul Timothy Carden, Larry Carow, Louis L. Edemann, Richard C. Franklin, John Fundus, Chuck Neely, Larry Singer; Companhias de produção: Castle Rock Entertainment, Nelson Entertainment; Intérpretes: Billy Crystal (Harry Burns), Meg Ryan (Sally Albright), Carrie Fisher (Marie), Bruno Kirby (Jess), Steven Ford (Joe), Lisa Jane Persky (Alice), Michelle Nicastro (Amanda), Gretchen Palmer, Robert Alan Beuth, David Burdick, Joe Viviani, Harley Jane Kozak, Joseph Hunt, Kevin Rooney, Franc Luz, Tracy Reiner, Kyle T. Heffner, Kimberley LaMarque, Stacey Katzin, Estelle Reiner, John Arceri, Peter Day, Kuno Sponholz, Connie Sawyer, Charles Dugan, Katherine Squire, Al Christy, Frances Chaney, Bernie Hern, Rose Wright, Aldo Rossi, Dona Hardy, Peter Pan, Jane Chung, Bob Ader, David Giardina, Nicholas Glaeser, Randy James, Johnny Raimondo, Marilyn Spanier, Billy Marshall Thompson, etc. Duração: 96 minutos; Distribuição em Portugal: LNK; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 30 de Março de 1990.

domingo, 6 de novembro de 2016

SESSÃO 54 - 8 DE NOVEMBRO DE 2016


A REPÚBLICA DOS CUCOS (1978)

A “National Lampoon” foi uma revista satírica, com desenhos, fotografias, cartoons, banda desenhada e textos, que se colocava numa área muito próxima da popular “Mad”. Foi criada por um grupo de universitários da “Harvard University”, em 1969, tendo saído o primeiro número em Abril de 1970. Os fundadores foram Doug Kenney, Henry Beard e Robert Hoffman. Terminou a sua publicação em Novembro de 1998, depois de publicar 249 edições. Foi uma espécie de versão contracultura, não diremos underground, da “Harvard Lampoon”. O seu sucesso tanto de crítica como de público foi de tal forma notório durante a década de 70 que o grupo expandiu a sua actividade para os mais diversos campos, tendo uma efectiva influência no campo de humor e da comédia na sociedade norte-americana. O que se reflectiu igualmente na sua acção junto dos poderes estabelecidos sociedade, do comportamento social e mesmo na esfera política. Rapidamente o “Nacional Lampoon” se estendeu à radio, ao teatro, ao disco, aos livros e, obviamente, ao cinema e à televisão. O grupo foi incorporando muitas contribuições diversas que criaram um clã e um estilo próprio. O melhor período da revista foi o inicial, entre 1970 e 1975. Depois, durante a década de 80, o tom desagregou-se e a revista foi vendida e a marca “National Lampoon” foi utilizada indiscriminadamente, perdendo completamente a qualidade e a importância que tinham feito dela uma referência.
No cinema foram vários os títulos: “National Lampoon's Animal House” (1978), “National Lampoon's Class Reunion” (1982), “National Lampoon's Movie Madness” (1983), “National Lampoon's Vacation” (1983), “National Lampoon's Joy of Sex” (1984), “National Lampoon's European Vacation” (1985) e “National Lampoon's Christmas Vacation” (1989). A partir deste título, os seguintes pertencem já à editora “J2 Communications” que nada tem a ver com o espírito inicial e, de certa forma, descaracterizaram por completo as intenções dos criadores (1).

Realmente a primeira época do “National Lamppon” foi brilhante na forma como criticava inteligentemente a sociedade norte-americana, usando processos por vezes politicamente incorrectos. Um dos seus fundadores explicou da seguinte forma, tempos mais tarde, a conduta do grupo: “Há uma porta com um dístico, “Não passar”, nós passávamos”. Houve seguramente, aqui e ali, excessos, mas, de um modo geral, o tom surrealizante, o absurdo das situações, o humor inventivo, e a irreverência das propostas acabaram por vingar e tornar o grupo uma lenda. Uma lenda que, infelizmente, se transformou numa marca registada que qualquer um podia comprar, a partir de certa altura, para utilizar mediante uma importância estabelecida.
Em meados dos anos 70, o grupo começa a desmembrar-se. Responsáveis e colaboradores como P.J. O'Rourke, Gerry Sussman, Ellis Weiner, Tony Hendra, Ted Mann, Peter Kleinman, Chris Cleuss, Stu Kreisman, John Weidman, Jeff Greenfield, Bruce McCall, Rick Meyerowitz, Michael O'Donoghue, Anne Beatts e outros como John Hughes, John Belushi, Gilda Radner, Harold Ramis, Chris Miller  começaram a dispersar as suas colaborações por outros programas de televisão, “Saturday Night Live”, “The David Letterman Show”, “SCTV”, “The Simpsons”, “Married... with Children”, “Night Court”, "Not Ready for Primetime Players" ou por  filmes não directamente ligados ao National Lampoon, como “Caddyshack” ou “Ghostbusters”.
“National Lampoon's Animal House”, de 1978, é, pois, a primeira incursão no cinema do grupo e o filme que marcou uma época. De tal forma que, em 2001, a United States Library of Congress considerou o filme "culturally significant", e o incluiu na prestigiada lista do “National Film Registry” (obras que pelo seu significado cultural importa resguardar para o futuro).


“A República dos Cucos” é, na verdade, um filme de adolescentes, em particular de jovens universitários. Estamos nos anos 60, precisamente 1962, na Universidade Faber, numa dita fraternidade Delta (em Portugal, e em Coimbra, seria seguramente uma “República), onde vamos assistir a algumas peripécias durante um ano académico. Os caloiros andam “duplamente vigiados” (algo muito parecido com as muito portuguesas praxes, talvez menos humilhantes e, sobretudo, menos violentas), e o momento de êxtase colectivo é a “Festa da Toga”, onde os excessos ultrapassam as marcas.
O que tem este filme que muitos outros títulos ditos de adolescentes não ostentam? Porque será este um filme “culturalmente significante” e “Porky’s” ou “American Pie” não o são? A verdade é que o humor pode parecer assemelhar-se, mas é radicalmente diferente. “National Lampoon's Animal House” é um filme contra um determinado estado de coisas muitas das quais até se julgaria fazerem parte harmoniosa do contexto do filme. Mas o machismo exacerbado, um certo resquício de racismo, as orgias, com sexo e drogas à mistura, alguma misoginia, o enfrentar da autoridade, a ruptura com algumas tradições, tudo isto pode ser visto por um lado como gags, mas por outro como crítica certeira a um comportamento inquinado. Todo o humor tem um sentido, aponta a uma crítica e não explora apenas os instintos mais baixos e primitivos das plateias, como acontece em muitos outros exemplos.
Depois, há um magnifico grupo de actores, muitos dos quais se tonaram vedetas de primeiro plano (casos óbvios de Tom Hulce, John Belushi, Kevin Bacon, Karen Allen, entre outros). Também o realizador, John Landis, se tornou posteriormente um nome de referência no campo da comédia, com obras como “O Dueto da Corda” (1980), “Um Lobisomem Americano em Londres” (1981), “Os Ricos e os Pobres” (1983), “Pela Noite Dentro” (1985), “Espiões Como Nós” (1985), “Três Amigos” (1986) ou “Um Príncipe em Nova Iorque” (1988).



(1)   Eis a listagem dos restantes títulos com a chancela “National Lampoon”: National Lampoon's Loaded Weapon 1 (1993), National Lampoon's Senior Trip (1995), Vegas Vacation (1997), National Lampoon's Golf Punks (1998), National Lampoon's Van Wilder (2002), Repli-Kate (2002), Blackball (2003), National Lampoon Presents: Jake's Booty Call (2003), National Lampoon, Inc., National Lampoon's Gold Diggers (2003), National Lampoon Presents Dorm Daze (2003), National Lampoon's Barely Legal (2003), Going the Distance (2004), The Almost Guys (2004), National Lampoon's Adam & Eve (2005), National Lampoon Presents: Cattle Call (2006), Electric Apricot: Quest for Festeroo (2006), National Lampoon's Pucked (2006), National Lampoon's Van Wilder: The Rise of Taj (2006), The Beach Party at the Threshold of Hell (2006), National Lampoon's Stoned Age (2007), National Lampoon's Totally Baked: A Potumentary (2007), National Lampoon's Bag Boy (2007), National Lampoon Presents: One, Two, Many (2008), National Lampoon Presents: RoboDoc (2009), Transylmania (2009), National Lampoon Presents: Endless Bummer (2009),Cheerleaders Must Die! (2010), National Lampoon's Dirty Movie (2010), Ratko: The Dictator's Son (2010), Frat Chance (2011), The Legend of Awesomest Maximus (2011), National Lampoon's Snatched (2011), National Lampoon Presents Surf Party (2013), e Drunk Stoned Brilliant Dead: The Story of the National Lampoon (2015),tudo isto pondo de parte um considerável número de telefimes e séries de tv que foram sendo produzidos ao longo dos tempos. Recordando os produtores: National Lampoon magazine (1970–1998) J2 Communications (1991–2002) e National Lampoon, Incorporated (2002–até ao presente).


A REPÚBLICA DOS CUCOS
Título original: Animal House

Realização: John Landis (EUA, 1978); Argumento: Harold Ramis, Douglas Kenney, Chris Miller; Produção: Ivan Reitman, Matty Simmons; Música: Elmer Bernstein; Fotografia (cor): Charles Correll; Montagem : George Folsey Jr.; Casting: Michael Chinich, Don Phillips; Direcção artística: John J. Lloyd; Decoração: Hal Gausman; Guarda-roupa: Deborah Nadoolman; Maquilhagem: Lynne Brooks, Marilyn Patricia Phillips, Gerald Soucie, Joy Zapata; Direcção de Produção: Peter Macgregor-Scott; Assistentes de realização: Clifford C. Coleman, Gary McLarty, Ed Milkovich; Departamento de arte: Michael Milgrom; Som: William B. Kaplan; Efeitos especiais: Henry Millar; Companhias de produção: Universal Pictures, Oregon Film Factory, Stage III Productions; Intérpretes: Tom Hulce (Larry Kroger), Stephen Furst (Kent Dorfman), Mark Metcalf (Doug Neidermeyer), Mary Louise Weller (Mandy Pepperidge), Martha Smith (Babs Jansen), James Daughton (Greg Marmalard), Kevin Bacon (Chip Diller), John Belushi (John Blutarsky), Karen Allen (Katy), Donald Sutherland (Dave Jennings), James Widdoes (Robert Hoover), Tim Matheson (Eric Stratton), Peter Riegert (Donald Schoenstein), Bruce McGill (Daniel Simpson Day), Cesare Danova (Mayor Carmine DePasto), Joshua Daniel, Douglas Kenney, Chris Miller, Bruce Bonnheim, John Vernon, Sunny Johnson, Verna Bloom, Sarah Holcomb, Stacy Grooman, Stephen Bishop, Otis Day, Eliza Roberts, Lisa Baur, Aseneth Jurgenson, Katherine Denning, Raymone Robinson, Robert Elliott, Reginald Farmer, Jebidiah R. Dumas, Priscilla Lauris, Rick Eby, John Freeman, Sean McCartin, Helen Vick, Rick Greenough, etc. Duração: 109 minutos; Distribuição em Portugal: Universal; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 24 de Outubro de 1980.