sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

SESSÃO 3 - 16 DE FEVEREIRO DE 2016



A FESTA (1968)


Há muitas formas de construir as comédias, mas, de um modo geral, a estrutura é muito semelhante. O mundo, a sociedade, organiza-se de uma certa maneira, parece que a normalidade é a harmonia, até que, normalmente pela inclusão de um intruso, tudo se desorganiza. Dessa desorganização brota invariavelmente uma crítica ao que anteriormente parecia tão organizado e afinal não estava. Era só fachada. Vejam-se três filmes de Blake Edwards, como exemplo. Em “A Grande Corrida à Volta do Mundo” tudo seria perfeito se não aparecesse a figura do Professor Fate que desencadeia a loucura com as suas (falhadas) malfeitorias; em “A Pantera Cor-de-Rosa” e continuações, o mundo giraria correctamente, não fora surgir o inspector Clouseau para instaurar o caos; em “A Festa”, será o desastrado Hrundi V. Bakshi a fazer implodir a “party” organizada pelo produtor de Hollywood, ao mesmo tempo que põe a descoberto algumas mediocridades reinantes.
A comédia é por isso um dos mais contundentes meios de analisar e criticar os usos e costumes (normalmente os maus usos e maus costumes) da sociedade (ou das sociedades, que há para todos os gostos). O que Blake Edwards aproveita bem, sobretudo para chamuscar o universo de Hollywood, neste “A Festa”, de forma um pouco marginal, em “S.O.B.”, por exemplo, de maneira bem contundente.
Hrundi V. Bakshi (Peter Sellers) é um anónimo figurante de cinema que vamos encontrar a tocar cornetim tem a India como cenário, mas efectivamente é filmada em terrenos de Los Angeles. Se é figurante, não perde, porém, uma oportunidade para se fazer notar. Apesar de receber rajadas de tiros, levanta-se sempre e continua a tocar, até arruinar por completo as filmagens ao fazer explodir antes de tempo um forte. Expulso do cenário e reportado o caso ao produtor do filme, este anota o nome do proscrito numa folha de papel que por acaso é a lista de convidados para uma festa em casa do produtor. É assim que o desastrado, mas bem-intencionado, Hrundi V. Bakshi se descobre no interior de uma majestosa mansão repleta de convidados do mundo do espectáculo. Claro que se tudo aponta para dar para o torto, tudo dá mesmo para o torto, mas em grande. 


Deve dizer-se que a mansão lembra em muito o universo de Jacques Tati, sobretudo nesse fabuloso “O Meu Tio”. A estrutura arquitectónica da sumptuosa casa do magnata de Hollywood é realmente de gosto muito discutível, com diversos adereços “modernos” e gadgets para todos os pretextos. Obviamente que o desajeitado Hrundi V. Bakshi irá passar por todos os momentos de apuros extremos, numa sucessão de gags irresistíveis, brilhantemente vividos por um Peter Sellers em excelente forma, muito bem acompanhado por Steve Franken que interpreta a figura de um empregado de mesa muito dado à bebida e que vai aproveitando em proveito próprio cada taça, copo ou flute recusados por um convidado. Mas todos os gags são desenvolvidos com a precisão de um relojoeiro. Na verdade, este é um caos organizado ao milímetro. Tudo falha, tudo se precipita, mas tudo parece planificado para que falhe e se desmorone. Hrundi V. Bakshi saltita de pedra em pedra com o riacho a correr por baixo, mas o gag não é o que se espera, mas outro. O humor é subtil e quase sempre inesperado, apesar de tudo ser esperado.
Os temas preferidos de Blake Edwards estão todos presentes, desde Hollywood como cenário e tema dominante de crítica, até ao slapstick do cinema mudo e ao esquema do desenho animado. A época são os anos 60 e o flower power, o que fica bem documentado na entrada extravagante dos jovens hippies que trazem consigo um pequeno elefante psicadélico. De resto, o liberal mundo de Hollywood está bem representado pela vedeta masculina, que exibe a sua virilidade, o produtor, o realizador, as estrelas em ascensão e o figurante intrometido (sem culpa própria, diga-se).
Uma belíssima comédia, das melhores que o cinema norte-americano nos deu nas décadas finais do século XX.

A FESTA
Título original: The Party
Realização: Blake Edwards (EUA, 1968); Argumento: Blake Edwards, Tom Waldman, Frank Waldman; Produção: Blake Edwards, Ken Wales, Walter Mirisch; Música: Henry Mancini; Fotografia (cor): Lucien Ballard; Montagem: Ralph E. Winters; Design de produção: Fernando Carrere; Decoração: Reg Allen, Jack Stevens; Guarda-roupa: Jack Bear; Maquilhagem: Alice Monte, Allan Snyder, Lynn F. Reynolds, Pat Whiffing; Direcção de Produção: Patrick J. Palmer, Allen K. Wood; Assistentes de realização: Montgomery Banta, Malcolm R. Harding, Mickey McCardle; Departamento de arte: Arthur Friedrich, William Maldonado; Som: Robert Martin, Clem Portman, Ben Smith; Efeitos especiais: Norman Breedlove; Companhias de produção: The Mirisch Corporation, A Blake Edwards production; Intérpretes: Peter Sellers (Hrundi V. Bakshi), Claudine Longet (Michele Monet), Natalia Borisova (Ballerina), Jean Carson (Nanny), Marge Champion (Rosalind Dunphy), Al Checco (Bernard Stein), Corinne Cole (Janice Kane), Dick Crockett (Wells), Danielle De Metz (Stella D'Angelo), Herbert Ellis (realizador), Paul (Ronnie Smith), Steve Franken (Levinson), Kathe Green (Molly Clutterbuck), Frances Davis, Allen Jung, Sharron Kimberly, James Lanphier, Buddy Lester, Stephen Liss, Gavin MacLeod, Jerry Martin, Fay McKenzie, J. Edward McKinley, Denny Miller, Elianne Nadeau, Tom Quine, Timothy Scott, Ken Wales, Carol Wayne, Donald R. Frost, Helen Kleeb, George Winters, Linda Gaye Scott, John McKee, Vin Scully, etc. Duração: 96 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): MGM; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 5 de Abril de 1969.

PETER SELLERS (1925-1980)
Nascido em Southsea, Hampshire, Inglaterra, a 8 de Setembro de 1925, Peter Sellers (cujo nome de baptismo era Richard Henry Sellers) foi actor, realizador, cantor, entertainer, escritor. Morreu, de ataque de coração, a 24 de Julho de 1980, em Londres, Inglaterra. Filho de um casal de actores que actuavam numa companhia dirigida pela avó, estudou no St. Aloysius College e estreou-se em 1945, em espectáculos teatrais, como imitador. Serve na R.A.F. e, no fim da II Guerra Mundial, consegue evidenciar-se na rádio e na TV (“The Goon Show”, BBC, 1949-1956, ao lado de Spike Milligan, Michael Bentine e Harry Secombe), iniciando-se no cinema em 1951, ainda que anteriormente tivesse intervindo em algumas curtas-metragens e documentários, o que prossegue posteriormente, nomeadamente em “Humor Abstrato” (The Running, Jumping, Standing Still Film), uma das melhores curtas-metragens de humor dessa década, assinada por Richard Lester (Inglaterra, 1959). A partir de 1955, confirma-se como um dos mais inteligentes, criativos e finos intérpretes ingleses, num tipo de humor iniciado por Alec Guinness, com quem trabalhou no primeiro grande sucesso da sua carreira, “O Quinteto era de Cordas”. Prosseguiu uma actividade regular na ITV e lançou alguns discos como cançonetista. Foi prémio de interpretação no Festival de San Sebastian de 1962 por “A Valsa do Galanteador”. É na década de 60 que se impõe como um actor notável e de grande sucesso de crítica e de público, em filmes como “What's New, Pussycat” (1965), ao lado de um promissor Woody Allen que se estreava, na série “A Pantera Cor-de-Rosa”, ou em obras de Stanley Kubrick, como “Lolita” ou “Dr. Estranho Amor”. A sua única experiência como realizador assumida integralmente é “Topaze”, mas teve uma outra tentativa, “The Fiendish Plot of Dr. Fu Manchu”, iniciada por si, mas não terminada por, entretanto, ter falecido. A sua grande aposta nos derradeiros anos de vida foi “Being There”. Peter Sellers leu o livro em 1972, achou que seria um papel à sua medida e lutou por ele durante sete anos. Em 1979, nomeado para o Oscar de melhor actor, perderia a estatueta para Dustin Hoffman, em “Kramer vs. Kramer”. Um falhanço que deixaria o actor profundamente angustiado. No ano seguinte, morreria, vítima de um ataque cardíaco. Na revista Empire, numa consulta aos leitores, Peter Sellers ficou em 84º lugar entre os 100 maiores actores de todos os tempos.

Filmografia

Principais filmes como actor: 1951: Penny Points to Paradise, de Tony Young; 1952: Down Among the Z Men, de Maclean Rogers;; 1955: The Ladykillers (O Quinteto era de Cordas), de Alexander Mackendrick; Case of the Mukkinese Battle Horn, de Joseph Sterling; 1957: The Smallest Show on Earth (Luzes sem Ribalta), de Basil Dearden; The Naked Truth (A Verdade Nua), de Mario Zampi; l; 1959 The Mouse That Roared (O Rato que Ruge), de Jack Arnold; I'm All Right, Jack (Simpático Idiota), de John Boulting; The Running, Jumping, Standing Still Film (Humor Abstrato), de Richard Lester (curta-metragem); 1960: The Battle of the Sexes (Uma Mulher Tranquila), de Charles Crichton; Two Way Stretch (Arma de Dois Gumes), de Robert Day; 1961: The Millionairess (A Milionária), de Anthony Asquith; Mr Topaze (Topaze), de Peter Sellers; The Road to Hong Kong (A Caminho de Hong-Kong), de Norman Panamá; 1962: Only Two Can Play (A Segunda Mulher), de Sidney Gilliat; Lolita (Lolita), de Stanley Kubrick; Waltz of the Toreadors (A Valsa do Galanteador), de John Guillermin; 1963: Heavens Above (Na Terra Como No Céu), de John Boulting, Roy Boulting; The Wrong Arm of the Law (O Braço Esquerdo da Lei), de Cliff Owen; The Pink Panther (A Pantera Cor-de-Rosa), de Blake Edwards; Dr. Strangelove (Dr. Estranho Amor), de Stanley Kubrick; The World of Henry Orient (O Mundo de Henry Orient), de George Roy Hill; 1964: A Shot in the Dark (Um Tiro às Escuras), de Blake Edwards; 1965: What's New Pussycat (O Que Há de Novo, Gatinha?), de Clive Donner; The Wrong Box (A Fabulosa Troca de Caixões), de Bryan Forbes; 1966: After The Fox ou Caccia Alla Volpe (A Raposa Dourada), de Vittorio de Sica; 1967: Casino Royale (Casino Royal), de John Huston, Ken Hughes, Val Guest, Robert Parrish, Joe McGrath, Richard Talmadge; The Bobo (O Bobo), de Robert Parrish; Woman Times Seven (Sete Vezes Mulher), de Vittorio de Sica; 1968: The Party (A Festa), de Blake Edwards; I Love You Alice B. Toklas (A Borboleta Vermelha), de Hy Averback; Candy (Candy), de Christian Marquand; 1969: The Magic Christian (Um Beatle no Paraíso), de Joseph Mc Grath; 1970: Hoffman (Hoffman), de Alvin Rakoff; There's A Girl In My Soup (Está uma Rapariga na Minha Sopa), de Roy Boulting; 1972: Alice's Adventures in Wonderland (As Aventuras de Alice), de William Sterling; 1973: The Blockhouse (O Fortim), de Clive Rees; Soft Beds, Hard Battles (Batalhas Duras em Camas Moles), de Roy Boulting1974: The Great Mcgonagall, de Joseph McGrath; The Return of the Pink Panther (A Volta da Pantera Cor-de-Rosa), de Blake Edwards; 1976: Murder By Death, de Robert Moore; The Pink Panther Strikes Again (A Pantera Cor-de-Rosa Volta a Atacar), de Blake Edwards; 1978: Revenge of the Pink Panther (A Vingança da Pantera Cor-de-Rosa), de Blake Edwards; 1979: The Prisoner of Zenda (O Prisioneiro de Zenda), de Richard Quine; 1980: Being There (Bem-Vindo, Mr. Chance), de Hal Ashby; The Fiendish Plot of Dr. Fu Manchu, de Piers Haggard.

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