A
FESTA (1968)
Há muitas formas de construir as
comédias, mas, de um modo geral, a estrutura é muito semelhante. O mundo, a
sociedade, organiza-se de uma certa maneira, parece que a normalidade é a
harmonia, até que, normalmente pela inclusão de um intruso, tudo se desorganiza.
Dessa desorganização brota invariavelmente uma crítica ao que anteriormente
parecia tão organizado e afinal não estava. Era só fachada. Vejam-se três
filmes de Blake Edwards, como exemplo. Em “A Grande Corrida à Volta do Mundo”
tudo seria perfeito se não aparecesse a figura do Professor Fate que
desencadeia a loucura com as suas (falhadas) malfeitorias; em “A Pantera
Cor-de-Rosa” e continuações, o mundo giraria correctamente, não fora surgir o
inspector Clouseau para instaurar o caos; em “A Festa”, será o desastrado
Hrundi V. Bakshi a fazer implodir a “party” organizada pelo produtor de
Hollywood, ao mesmo tempo que põe a descoberto algumas mediocridades reinantes.
A comédia é por isso um dos mais contundentes
meios de analisar e criticar os usos e costumes (normalmente os maus usos e
maus costumes) da sociedade (ou das sociedades, que há para todos os gostos). O
que Blake Edwards aproveita bem, sobretudo para chamuscar o universo de
Hollywood, neste “A Festa”, de forma um pouco marginal, em “S.O.B.”, por
exemplo, de maneira bem contundente.
Hrundi V. Bakshi (Peter Sellers) é um
anónimo figurante de cinema que vamos encontrar a tocar cornetim tem a India
como cenário, mas efectivamente é filmada em terrenos de Los Angeles. Se é
figurante, não perde, porém, uma oportunidade para se fazer notar. Apesar de
receber rajadas de tiros, levanta-se sempre e continua a tocar, até arruinar
por completo as filmagens ao fazer explodir antes de tempo um forte. Expulso do
cenário e reportado o caso ao produtor do filme, este anota o nome do proscrito
numa folha de papel que por acaso é a lista de convidados para uma festa em
casa do produtor. É assim que o desastrado, mas bem-intencionado, Hrundi V.
Bakshi se descobre no interior de uma majestosa mansão repleta de convidados do
mundo do espectáculo. Claro que se tudo aponta para dar para o torto, tudo dá
mesmo para o torto, mas em grande.
Deve dizer-se que a mansão lembra em muito o
universo de Jacques Tati, sobretudo nesse fabuloso “O Meu Tio”. A estrutura
arquitectónica da sumptuosa casa do magnata de Hollywood é realmente de gosto
muito discutível, com diversos adereços “modernos” e gadgets para todos os
pretextos. Obviamente que o desajeitado Hrundi V. Bakshi irá passar por todos
os momentos de apuros extremos, numa sucessão de gags irresistíveis,
brilhantemente vividos por um Peter Sellers em excelente forma, muito bem
acompanhado por Steve Franken que interpreta a figura de um empregado de mesa
muito dado à bebida e que vai aproveitando em proveito próprio cada taça, copo
ou flute recusados por um convidado. Mas todos os gags são desenvolvidos com a
precisão de um relojoeiro. Na verdade, este é um caos organizado ao milímetro.
Tudo falha, tudo se precipita, mas tudo parece planificado para que falhe e se
desmorone. Hrundi V. Bakshi saltita de pedra em pedra com o riacho a correr por
baixo, mas o gag não é o que se espera, mas outro. O humor é subtil e quase
sempre inesperado, apesar de tudo ser esperado.
Os temas preferidos de Blake Edwards estão todos presentes, desde Hollywood como cenário e tema dominante de crítica, até ao slapstick do cinema mudo e ao esquema do desenho animado. A época são os anos 60 e o flower power, o que fica bem documentado na entrada extravagante dos jovens hippies que trazem consigo um pequeno elefante psicadélico. De resto, o liberal mundo de Hollywood está bem representado pela vedeta masculina, que exibe a sua virilidade, o produtor, o realizador, as estrelas em ascensão e o figurante intrometido (sem culpa própria, diga-se).
Uma belíssima comédia, das melhores que o cinema norte-americano nos deu nas décadas finais do século XX.
A
FESTA
Título
original: The Party
Realização: Blake Edwards
(EUA, 1968); Argumento: Blake Edwards, Tom Waldman, Frank Waldman; Produção:
Blake Edwards, Ken Wales, Walter Mirisch; Música: Henry Mancini; Fotografia
(cor): Lucien Ballard; Montagem: Ralph E. Winters; Design de produção: Fernando
Carrere; Decoração: Reg Allen, Jack Stevens; Guarda-roupa: Jack Bear;
Maquilhagem: Alice Monte, Allan Snyder, Lynn F. Reynolds, Pat Whiffing;
Direcção de Produção: Patrick J. Palmer, Allen K. Wood; Assistentes de
realização: Montgomery Banta, Malcolm R. Harding, Mickey McCardle; Departamento
de arte: Arthur Friedrich, William Maldonado; Som: Robert Martin, Clem Portman,
Ben Smith; Efeitos especiais: Norman Breedlove; Companhias de produção: The
Mirisch Corporation, A Blake Edwards production; Intérpretes: Peter Sellers (Hrundi V. Bakshi), Claudine Longet
(Michele Monet), Natalia Borisova (Ballerina), Jean Carson (Nanny), Marge
Champion (Rosalind Dunphy), Al Checco (Bernard Stein), Corinne Cole (Janice
Kane), Dick Crockett (Wells), Danielle De Metz (Stella D'Angelo), Herbert Ellis
(realizador), Paul (Ronnie Smith), Steve Franken (Levinson), Kathe Green (Molly
Clutterbuck), Frances Davis, Allen Jung, Sharron Kimberly, James Lanphier,
Buddy Lester, Stephen Liss, Gavin MacLeod, Jerry Martin, Fay McKenzie, J.
Edward McKinley, Denny Miller, Elianne Nadeau, Tom Quine, Timothy Scott, Ken
Wales, Carol Wayne, Donald R. Frost, Helen Kleeb, George Winters, Linda Gaye
Scott, John McKee, Vin Scully, etc. Duração:
96 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): MGM; Classificação etária: M/ 12
anos; Data de estreia em Portugal: 5 de Abril de 1969.
PETER
SELLERS (1925-1980)
Nascido em Southsea, Hampshire,
Inglaterra, a 8 de Setembro de 1925, Peter Sellers (cujo nome de baptismo era
Richard Henry Sellers) foi actor, realizador, cantor, entertainer, escritor.
Morreu, de ataque de coração, a 24 de Julho de 1980, em Londres, Inglaterra.
Filho de um casal de actores que actuavam numa companhia dirigida pela avó,
estudou no St. Aloysius College e estreou-se em 1945, em espectáculos teatrais,
como imitador. Serve na R.A.F. e, no fim da II Guerra Mundial, consegue
evidenciar-se na rádio e na TV (“The Goon Show”, BBC, 1949-1956, ao lado de
Spike Milligan, Michael Bentine e Harry Secombe), iniciando-se no cinema em
1951, ainda que anteriormente tivesse intervindo em algumas curtas-metragens e
documentários, o que prossegue posteriormente, nomeadamente em “Humor Abstrato”
(The Running, Jumping, Standing Still Film), uma das melhores curtas-metragens
de humor dessa década, assinada por Richard Lester (Inglaterra, 1959). A partir
de 1955, confirma-se como um dos mais inteligentes, criativos e finos
intérpretes ingleses, num tipo de humor iniciado por Alec Guinness, com quem
trabalhou no primeiro grande sucesso da sua carreira, “O Quinteto era de
Cordas”. Prosseguiu uma actividade regular na ITV e lançou alguns discos como
cançonetista. Foi prémio de interpretação no Festival de San Sebastian de 1962
por “A Valsa do Galanteador”. É na década de 60 que se impõe como um actor
notável e de grande sucesso de crítica e de público, em filmes como “What's
New, Pussycat” (1965), ao lado de um promissor Woody Allen que se estreava, na
série “A Pantera Cor-de-Rosa”, ou em obras de Stanley Kubrick, como “Lolita” ou
“Dr. Estranho Amor”. A sua única experiência como realizador assumida
integralmente é “Topaze”, mas teve uma outra tentativa, “The Fiendish Plot of
Dr. Fu Manchu”, iniciada por si, mas não terminada por, entretanto, ter
falecido. A sua grande aposta nos derradeiros anos de vida foi “Being There”.
Peter Sellers leu o livro em 1972, achou que seria um papel à sua medida e
lutou por ele durante sete anos. Em 1979, nomeado para o Oscar de melhor actor,
perderia a estatueta para Dustin Hoffman, em “Kramer vs. Kramer”. Um falhanço
que deixaria o actor profundamente angustiado. No ano seguinte, morreria,
vítima de um ataque cardíaco. Na revista Empire, numa consulta aos leitores,
Peter Sellers ficou em 84º lugar entre os 100 maiores actores de todos os
tempos.
Filmografia
Principais
filmes como actor:
1951: Penny Points to Paradise, de Tony Young; 1952: Down Among the Z Men, de
Maclean Rogers;; 1955: The Ladykillers (O Quinteto era de Cordas), de Alexander
Mackendrick; Case of the Mukkinese Battle Horn, de Joseph Sterling; 1957: The
Smallest Show on Earth (Luzes sem Ribalta), de Basil Dearden; The Naked Truth
(A Verdade Nua), de Mario Zampi; l; 1959 The Mouse That Roared (O Rato que
Ruge), de Jack Arnold; I'm All Right, Jack (Simpático Idiota), de John
Boulting; The Running, Jumping, Standing Still Film (Humor Abstrato), de
Richard Lester (curta-metragem); 1960: The Battle of the Sexes (Uma Mulher
Tranquila), de Charles Crichton; Two Way Stretch (Arma de Dois Gumes), de
Robert Day; 1961: The Millionairess (A Milionária), de Anthony Asquith; Mr
Topaze (Topaze), de Peter Sellers; The Road to Hong Kong (A Caminho de
Hong-Kong), de Norman Panamá; 1962: Only Two Can Play (A Segunda Mulher), de
Sidney Gilliat; Lolita (Lolita), de Stanley Kubrick; Waltz of the Toreadors (A
Valsa do Galanteador), de John Guillermin; 1963: Heavens Above (Na Terra Como
No Céu), de John Boulting, Roy Boulting; The Wrong Arm of the Law (O Braço
Esquerdo da Lei), de Cliff Owen; The Pink Panther (A Pantera Cor-de-Rosa), de
Blake Edwards; Dr. Strangelove (Dr. Estranho Amor), de Stanley Kubrick; The
World of Henry Orient (O Mundo de Henry Orient), de George Roy Hill; 1964: A
Shot in the Dark (Um Tiro às Escuras), de Blake Edwards; 1965: What's New
Pussycat (O Que Há de Novo, Gatinha?), de Clive Donner; The Wrong Box (A
Fabulosa Troca de Caixões), de Bryan Forbes; 1966: After The Fox ou Caccia Alla
Volpe (A Raposa Dourada), de Vittorio de Sica; 1967: Casino Royale (Casino
Royal), de John Huston, Ken Hughes, Val Guest, Robert Parrish, Joe McGrath,
Richard Talmadge; The Bobo (O Bobo), de Robert Parrish; Woman Times Seven (Sete
Vezes Mulher), de Vittorio de Sica; 1968: The Party (A Festa), de Blake
Edwards; I Love You Alice B. Toklas (A Borboleta Vermelha), de Hy Averback;
Candy (Candy), de Christian Marquand; 1969: The Magic Christian (Um Beatle no
Paraíso), de Joseph Mc Grath; 1970: Hoffman (Hoffman), de Alvin Rakoff; There's
A Girl In My Soup (Está uma Rapariga na Minha Sopa), de Roy Boulting; 1972:
Alice's Adventures in Wonderland (As Aventuras de Alice), de William Sterling;
1973: The Blockhouse (O Fortim), de Clive Rees; Soft Beds, Hard Battles
(Batalhas Duras em Camas Moles), de Roy Boulting1974: The Great Mcgonagall, de
Joseph McGrath; The Return of the Pink Panther (A Volta da Pantera
Cor-de-Rosa), de Blake Edwards; 1976: Murder By Death, de Robert Moore; The
Pink Panther Strikes Again (A Pantera Cor-de-Rosa Volta a Atacar), de Blake
Edwards; 1978: Revenge of the Pink Panther (A Vingança da Pantera Cor-de-Rosa),
de Blake Edwards; 1979: The Prisoner of Zenda (O Prisioneiro de Zenda), de
Richard Quine; 1980: Being There (Bem-Vindo, Mr. Chance), de Hal Ashby; The
Fiendish Plot of Dr. Fu Manchu, de Piers Haggard.
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