UMA
FAMÍLIA À BEIRA
DE UM ATAQUE DE NERVOS (2006)
Um tipo como Richard Hoover (Greg
Kinnear), por muita boa vontade que ele tenha e nós para com ele, é sempre um
elemento particularmente desagradável. O formador de intrépidos vencedores, de
triunfantes empreendedores, motivando toda a gente que encontra para o sucesso,
só pode estar destinado ao fracasso. Ele
começa por afiançar: “There are two kinds of people in this world, winners and
losers”. O
que ele desconhece ainda é que, por vezes, os que se julgam triunfantes acabam
perdedores. A começar desde logo pela sua família, um curioso agregado com algo
de disfuncional: a mulher, Sheryl Hoover (Toni Collette), que vai tentando
equilibrar o caos e atenuar a loucura reinante, os dois filhos, Dwayne (Paul
Dano), que admira Nietzsche, quer ser piloto, se recusa a falar e vive
ensimesmado, e Olive Hoover (Abigail Breslin), uma miudinha de sete anos que
sonha concorrer a “Little Miss Sunshine”, um concurso de beleza para crianças talentosas
de poucos anos e famílias de pouco juízo. Mas há ainda um tio, Frank Ginsberg
(Steve Carell), um grande especialista, “o maior”, em Proust, acabado de sair
do hospital e de uma depressão que o levou a uma tentativa de suicido, e o avô,
Edwin Hoover (Alan Arkin), expulso de um lar por falta de pudor, drogas,
revistas pornográficas e linguagem desbragada, personagens obviamente um pouco
exóticas que compõem o ramalhete deste “road movie” de concepção “indie”,
lançado inicialmente no Festival Sundance de Cinema de 2006, com enorme
sucesso.
Os seus direitos foram vendidos para a
Fox Searchlight Pictures num dos contratos mais caros da história do festival,
tendo de imediato feito uma excelente carreira nos EUA e em todo o mundo,
arrecadando uma impressionante quantidade de prémios em todo o mundo (é
incrível a listagem que o IMDB apresenta de prémios ganhos por esta comédia)
entre as quatro nomeações para Oscars, vencendo em duas delas (Melhor Argumento
original e Melhor Actor Secundário, Alan Arkin). Esteve ainda nomeado para
Melhor Filme do Ano e Melhor Actriz Secundária, a estreante Abigail Breslin.
“Uma Família à Beira de um Ataque de
Nervos” foi dirigido por um casal de realizadores estreantes na longa-metragem
de ficção, Jonathan Dayton e Valerie Faris, e escrito por Michael Arndt.
Jonathan Dayton e Valerie Faris tinham atrás de si uma longa história em
vídeos, curtas-metragens, documentarismo e episódios para televisão. Depois de “Little
Miss Sunshine” conhece-se apenas uma outra comédia, igualmente bem recebida,
“Ruby Sparks - Uma Mulher de Sonho” (1912) e anunciam-se dois projectos em fase
de concretização, “I'm Proud of You” e “Battle of the Sexes”.
Rodado entre o Arizona e o sul da
Califórnia, durante cerca de 30 dias, com um reduzido orçamente do cerca de
oito milhões de dólares, o filme arrecadaria verbas astronómicas nos EUA e um
pouco por todo o lado. Na semana de estreia, foi lançado nos EUA, em Junho de
2006, apenas em sete salas, e fez 370.782 dólares. O que obrigou a exploração
do filme a alargar o numero de salas até atingir uma receita de 9,.626.,655, em
Setembro do mesmo ano, em 1.602 ecrãs. Sem dúvida uma revelação e um fenómeno
raramente verificado.
Mas a obra faz jus ao sucesso, dado
tratar-se de uma comédia que parte de um argumento muito bem concebido,
desenvolvido, equilibrando com argúcia a crítica social a certos aspectos da
vida americana, com um tom de humor que alterna a insolência contracultura com
a delicada ironia de uma família em palpos de aranha para se equilibrar. A
realização é sóbria, mas explora bem as linhas de humor, sem perder o rigor da
escrita e conseguindo um excelente nível de representação de um elenco magnífico,
onde será injusto salientar um nome. A obra evolui á medida que a carrinha da
família atravessa a América, do Arizona até à Califórnia, para que a pequena Olive
Hoover possa apresentar-se a concurso nesse inimaginável “Little Miss Sunshine”,
uma coisa monstruosa que nem devia ser permitida, que o filme destrói por
completo, com a ajuda dessa interpretação exótica de Olive Hoover.
Mas os momentos de um delicioso humor
sucedem-se nessa trepidante viagem que, por vezes, terá de ser “arrancada” com
o esforço de todos a empurrarem a carripana que, aqui e ali, empena, e obriga
os ocupantes a saltarem para o seu interior quando já em andamento. Andamento é
o que não se perde neste filme com excelente ritmo, que vai buscar obviamente
alguma influência a Frank Capra, sobretudo na pertinente crítica social a um
certo “americain way of life” e á sua desmedida competitividade, mas também a
Ernest Lubitsch, Preston Sturges, George Cukor, Howard Hawks e outros cineastas
da melhor época do cinema norte-americano, que celebraram uma comédia de
costumes elegante e sofisticada e ainda assim contundente..
UMA
FAMÍLIA À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS
Título
original: Little Miss Sunshine
Realização: Jonathan Dayton,
Valerie Faris (EUA, 2006); Argumento: Michael Arndt; Produção: Albert Berger,
Michael Beugg, Jeb Brody, David T. Friendly, Bart Lipton, Peter Saraf, Marc
Turtletaub, Ron Yerxa; Música: Mychael Danna, DeVotchKa; Fotografia (cor): Tim
Suhrstedt; Montagem: Pamela Martin; Casting: Justine Baddeley, Kim
Davis-Wagner; Design de produção: Kalina Ivanov; Direcção artística: Alan E.
Muraoka; Decoração: Melissa M. Levander; Guarda-roupa: Nancy Steiner;
Maquilhagem: Susan Carol Schwary, Janis Clark, Dugg Kirkpatrick, Amy Lederman,
Angel Radefeld, Torsten Witte; Direcção de Produção: Michael Bergyl, Bob
Dohrmann, Michael Toji; Assistentes de realização: Thomas Patrick Smith,
Heather Anderson, Kate Greenberg, Joe May, Gregory J. Smith, Thomas Robinson
Harper, Bart Lipton; Departamento de arte: Tony Bonaventura, Theresa Greene,
Michael Klingerman; Som: Andrew DeCristofaro, Craig Dollinger, Stephen P.
Robinson; Efeitos especiais: Ian Eyre; Efeitos visuais: Adam Avitabile, Joshua
D. Comen, Jenny Foster; Companhias de produção: Fox Searchlight Pictures, Big
Beach Films, Bona Fide Productions, Deep River Productions, Third Gear
Productions; Intérpretes: Abigail
Breslin (Olive Hoover), Greg Kinnear (Richard Hoover), Paul Dano (Dwayne), Alan
Arkin (avô Edwin Hoover), Toni Collette (Sheryl Hoover), Steve Carell (Frank
Ginsberg), Marc Turtletaub (médico), Jill Talley (Cindy), Brenda Canela, Julio
Oscar Mechoso, Chuck Loring, Justin Shilton, Gordon Thomson, Steven Christopher
Parker, Bryan Cranston, John Walcutt, Paula Newsome, Dean Norris, Beth Grant,
Wallace Langham, Lauren Shiohama, Mary Lynn .Rajskub, Jerry Giles, Geoff Meed,
Matt Winston, Joan Scheckel, Casandra Ashe, Mel Rodriguez, Alexandria Alaman,
etc. Duração: 101 minutos;
Distribuição em Portugal: Twenty Century Fox Home Entertainment; Classificação
etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 12 de Outubro de 2006.
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