GANGSTERS
FALHADOS (1958)
Alexandre Marius Jacob, conhecido apenas
por Marius Jacob (1879 –1954) foi um célebre francês, ladrão de inspiração
anarquista, que parece ter estado na origem da criação de Maurice Leblanc para
a sua personagem Arsène Lupin. Marius Jacob é uma lenda no campo da
criminalidade francesa. Ardiloso, inteligente, roubando aos ricos para dar aos
pobres, estribando-se em conceitos políticos para as suas façanhas, mantinha um
humor e irreverência inegáveis. Conta-se que um dia assaltou uma casa e
descobriu que esta era pertença do escritor Pierre Loti. Marius Jacob voltou a
colocar tudo nos seus lugares e deixou uma nota: “Assaltei por engano a sua
casa. Um escritor que vive da sua escrita merece um salário.” Assinava Attila.
E deixava um PS: “junto 10 francos para substituir o vidro partido”. Foi muito
comentado um assalto seu a uma ourivesaria, utilizando a técnica do
chapéu-de-chuva. Julga-se que terá sido esta personagem a estar na base de um
filme de Jules Dassin, de 1955, “Du rififi chez les hommes”, um clássico dos
“filmes de roubo”, que por sua vez terá servido de pretexto para, entre muitas
outras obras, a excelente paródia que Mario Monicelli realizou em 1958,
“Gangsters Falhados” (I Soliti Ignoti).
O filme reúne um conjunto de magníficos
actores que se juntam enquanto personagens que alimentam a esperança de
praticar um grande roubo num banco, ou numa loja de penhores onde existe um
apetecível cofre-forte carregado de jóias. São arraia-miúda do submundo do
crime. Tudo começa pelo roubo frustrado de um carro. Apanhado pela polícia, o
malogrado assaltante quer servir-se de um embuste para sair da prisão e dar o
grande golpe. Para isso precisa de uma “ovelha”, designação dada a quem estiver
pelos ajustes de, contra uma boa indemnização, se apresentar às autoridades
como autor do assalto, libertando o verdadeiro culpado. A procura do tipo certo
para este “negócio” é desde logo um dos grandes momentos do filme. Num bairro
suburbano de Roma, perguntam a um grupo de miúdos se conhecem o Mário. “Aqui há
centenas de Mários!” responde um dos inquiridos. “Mas este é ladrão”,
acrescenta quem procura. “Continua a haver centenas”, conclui o jovem que
continua a jogar à bola.
Depois de várias peripécias, organiza-se
um gang de pequenos escroques. Peppe (Vittorio Gassman) é um pugilista manhoso,
que aceita o papel de “ovelha” para sacar a Cosimo (Memmo Carotenuto) as
informações sobre o golpe que está a preparar. Tiberio (Marcello Mastroianni) é um fotógrafo sem
máquina, que empenhou, que tem a mulher presa por contrabando de cigarros
(parece a dupla de “Ontem, Hoje e Amanhã”, que surgirá pouco anos depois) e
vive com um bebé ao colo. Mario Angeletti (Renato Salvatori) não tem eira nem
beira e catrapisca a irmã do siciliano Ferribotte (Tiberio Murgia), que vela pela castidade de
Carmelina (Claudia Cardinale) com denodado rigor. Entre outros mais, surge
ainda Dante Cruciani (Totò), especialista em arrombar cofres. Um verdadeiro
artista de prestígio assegurado que “nunca se encontra no local do crime quando
este acontece”.
Para se entrar no andar do banco, é
necessário antes uma penosa peregrinação por telhados e terraços e aturados
estudos à distância. Depois, urge perfurar uma parede e tudo se julga sob
controlo, mas pode sempre surgir o imprevisto. É o caso, que não se revela para
não se perder o inesperado.
"Gangsters Falhados" é uma das
mais conseguidas obras de Mario Monicelli e uma das mais características
comédias italianas dos anos 50. Com uma sólida base de análise social, partindo
de um inteligente e hábil argumento, cozinhado a várias mãos (Agenore Incrocci,
Furio Scarpelli, Suso Cecchi D'Amico e do próprio Mario Monicelli, ao que
consta partindo de um conto de Italo Calvino, "Furto in una
pasticceria", o que não aparece creditado no genérico), “I Soliti Ignoti”
é um retrato de uma sociedade saída da guerra e de uma traumatizante passagem
pelos conturbados tempos do fascismo italiano. A Itália percorria já o que para
alguns era o período dourado do “milagre económico” que deixava, todavia, na
miséria largas fatias da população que se entregava à prática da pequena
delinquência e a uma economia paralela, procurando assim sobreviver à exclusão
social. Os ambientes humanos e os cenários urbanos do filme mostram isso mesmo
e a tonalidade humorística não exclui a crítica (muito pelo contrário,
acentua-a). A estrutura narrativa está solidamente implantada, Monicelli tem o
dom de desenvolver sabiamente os apontamentos satíricos e o desenho das
personagens, algumas inesquecíveis, representadas por um elenco onde sobressaem
os nomes de Vittorio Gassman, Renato Salvatori, Marcello Mastroianni, Claudia
Cardinale, Memmo Carotenuto, Carla Gravina, Tiberio Murgia, Carlo Pisacane,
além de Totó, um dos maiores e dos mais originais actores de sempre no campo da
comédia.
GANGSTERS
FALHADOS
Título
original: I soliti ignoti
Realização: Mario Monicelli
(Itália, 1958); Argumento: Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Suso Cecchi
D'Amico, Mario Monicelli, drgundo conto de Italo Calvino ("Furto in una
pasticceria"); Produção: Franco Cristaldi; Música: Piero Umiliani;
Fotografia (p/b): Gianni Di Venanzo; Montagem: Adriana Novelli; Design de
produção: Piero Gherardi; Decoração: Vito Anzalone; Guarda-roupa: Piero
Gherardi; Maquilhagem: Romolo de Martino; Direcção de Produção: Gino Millozza,
Nicolò Pomilia; Assistente de realização: Mario Maffei; Departamento de arte:
Italo Tomassi; Som: Oscar Di Santo, Luigi Puri; Companhias de
produção:Cinecittà (Stabilimenti Cinematografici, Lux Film, Vides
Cinematografica; Intérpretes:
Vittorio Gassman (Peppe il pantera), Renato Salvatori (Mario Angeletti), Memmo
Carotenuto (Cosimo), Rossana Rory (Norma), Carla Gravina (Nicoletta), Marcello
Mastroianni (Tiberio), Totò (Dante Cruciani), Tiberio Murgia (Michele, dito o
Ferribotte), Claudia Cardinale (Carmelina), Gina Rovere (Teresa), Gina Amendola
(Mario), Elvira Tonelli (Assunta), Elena Fabrizi (Signora Ada), Pasquale
Misiano (Massimo), Renato Terra (Eladio), Aldo Trifiletti (Fernando), Nino
Marchetti (Luigi), Mario De Simon, Edith Bruck, Franco Carli, Mario Feliciani,
Ida Masetti, Mimmo Poli, Lisa Romey, Amerigo Santarelli, Gustavo Serena,
Roberto Spiombi, etc. Duração: 106
minutos; Distribuição em Portugal: Cristald Filmes; Classificação etária: M/ 12
anos; Data de estreia em Portugal: 13 de Novembro de 1959.
A COMÉDIA À ITALIANA
Terá sido Mario Monicelli, um dos nomes
mais representativos da comédia à italiana, quem a definiu nestes termos:
“trata em termos cómicos, divertidos, irónicos, humorísticos argumentos que são
muitas vezes dramáticos. É isso que distingue a comédia à italiana de todas as
outras comédias”. Surgida no prolongamento do neorrealismo, os seus títulos
mais significativos aparecem entre meados dos anos 50 e finais da década de 70
do século passado. Muito revelador é o facto de esta comédia surgir algum tempo
depois de terminada a II Guerra Mundial, depois da Itália começar a ultrapassar
o desastre económico, político e social que a guerra provocara no seu tecido,
numa altura em que o plano Marshall começava a dar alguns resultados, em que o
boom económico explodia, em que a burguesia nacional de reorganiza, bem assim
como as forças mais conservadoras. Tudo isso acarretou consequências diversas,
umas positivas, outras negativas. Entre estas manifestou-se uma corrupção galopante,
o surgimento de uma burguesia endinheirada de novos-ricos, uma desigualdade
social mais radicalizada, uma progressiva descredibilização dos valores e uma
ofensiva valorização do dinheiro dominando tudo e todos. As instituições
políticas, religiosas, jurídicas (e tantas outras) são asperamente criticadas.
Simultaneamente, ao lado do dinheiro que tudo compra, surge um hedonismo
patológico, onde o sexo ocupa destacado lugar.
Tendo como base estes temas, a comédia
italiana exprime-se em dois tempos e dois níveis. Uma, mais amável e menos
empenhada, é vista como um “neorrealismo rosa”. Outra, intelectualmente mais
incisiva e culturalmente interventiva, revela um importante conjunto de
cineastas como Dino Risi, Pietro Germi, Mario Monicelli, Luigi Comencini,
Vittorio De Sica, Ettore Scola, Steno, Pasquale Festa Campanile, Antonio
Pietrangeli, Lina Wertmüller, Luigi Zampa, Luigi Magni, Nanni Loy, Camillo
Mastrocinque, Luciano Salce, Sergio Corbucci e alguns argumentistas de muito
bom nível, basta citar Steno, Age e Scarpelli, Rodolfo Sonego, Sergio Amidei,
Piero De Bernardi, Leo Benvenuti, Ettore Scola ou Suso Cecchi D'Amico.
Cronologicamente, poderemos referir
algumas obras essenciais, deixando muitas outras de fora, dado que o período
foi extremamente fértil: “Guardie e ladri”, 1951, de Mario Monicelli e Steno;
“I soliti ignoti”, 1958, de Mario Monicelli; “La grande guerra”, 1959, de Mario
Monicelli; “Il vedovo”, 1959, de Dino Risi; “Tutti a casa”, 1960, de Luigi
Comencini; “Il mattatore”, 1960, de Dino Risi; “Divorzio all'italiana”, 1961,
de Pietro Germi; “Una vita difficile”, 1961, de Dino Risi; “L'onorata società”,
1961, de Riccardo Pazzaglia; “A cavallo della tigre”, 1961, de Luigi Comencini;
“I due marescialli”, 1961, de Sergio Corbucci; “Il sorpasso”, 1962, de Dino
Risi; “Ieri, oggi, domani”, 1963, de Vittorio De Sica; “Il boom”, 1963, de
Vittorio De Sica; “I compagni”, 1963, de Mario Monicelli; “Una storia moderna:
l'ape regina”, 1963, de Marco Ferreri; “I mostri”, 1963, de Dino Risi; “Sedotta
e abbandonata”, 1964, de Pietro Germi; “La donna scimmia”, 1964, de Marco
Ferreri; “Matrimonio all'italiana”, 1964, de Vittorio De Sica; “Signore &
signori”, 1965, de Pietro Germi; “L'armata Brancaleone”, 1966, de Mario
Monicelli; “La ragazza con la pistola”, 1968, de Mario Monicelli; “Il medico
della mutua”, 1968, de Luigi Zampa; “Riusciranno i nostri eroi a ritrovare
l'amico misteriosamente scomparso in Africa?”, 1968, de Ettore Scola; “Il
commissario Pepe”, 1969, de Ettore Scola; “Nell'anno del Signore”, 1969, de
Luigi Magni; “Dramma della gelosia - Tutti i particolari in cronaca”, 1970, de
Ettore Scola; “Brancaleone alle crociate”, 1970, de Mario Monicelli; “In nome
del popolo italiano”, 1971, de Dino Risi; “Mimì metallurgico ferito
nell'onore”, 1972, de Lina Wertmüller; “Detenuto in attesa de giudizio”, 1972,
de Nanni Loy; “Alfredo Alfredo”, 1972, de Pietro Germi; “Lo scopone
scientifico”, 1972 de Luigi Comencini; “Vogliamo i colonnelli”, 1973, de Mario
Monicelli; “Pane e cioccolata”, 1973, de Franco Brusati; “Film d'amore e
d'anarchia”, 1973, de Lina Wertmüller; “Travolti da un insolito destino
nell'azzurro mare d'agosto”, 1974 de Lina Wertmüller; “C'eravamo tanto amati”,
1974, de Ettore Scola; “Profumo de donna”, 1974, de Dino Risi; “Romanzo
popolare”, 1974, de Mario Monicelli; “Finché c'è guerra c'è speranza”, 1974, de
Alberto Sordi; “La poliziotta”, 1974, de Steno; “Amici miei”, 1975, de Mario
Monicelli; “La mazurka del barone, della santa e del fico fiorone”, 1975, de
Pupi Avati; “Pasqualino Settebellezze”, 1975, de Lina Wertmüller; “Signore e
signori, buonanotte”, 1976, de Luigi Comencini, Nanni Loy, Luigi Magni, Mario
Monicelli, Ettore Scola; “Brutti, sporchi e cattivi”, 1976, de Ettore Scola;
“Una giornata particolare”, 1977, de Ettore Scola; “La stanza del vescovo”,
1977, de Dino Risi; “I nuovi mostri”, 1977, de Mario Monicelli, Dino Risi,
Ettore Scola; “Il gatto”, 1977, de Luigi Comencini; “In nome del Papa Re”,
1977, de Luigi Magni; “La terrazza”, 1980, de Ettore Scola; “Amici miei atto
II”, 1982, de Mario Monicelli.
Falando dos actores, a Itália tem um rei
de prestígio inabalável, no campo do cinema, que vem dos anos 30 e prolonga a
sua glória até finais da década de 60: Totó. O seu percurso faz-se um pouco à
margem de todas as correntes, é um caminho individual que, todavia, se cruza
obviamente com a comédia italiana. Mas, no período restrito a que corresponde à
idade de ouro da comédia italiana, muitos grandes actores se notabilizaram, uns
mais precisamente no campo do humor, outros incorporando essa faceta em
filmografias muito mais abrangentes, indo do drama à comédia. São eles, no
primeiro caso, Alberto Sordi, Ugo Tognazzi, Vittorio Gassman, Marcello
Mastroianni, Nino Manfredi, Sylvia Koscina, Laura Antonelli, Agostina Belli,
Renato Salvatori, Mario Carotenuto, Memmo Carotenuto, Tina Pica, Marisa
Merlini, Leopoldo Trieste, Franco Franchi e Ciccio Ingrassia, ao lado de, no
segundo caso, Sophia Loren, Gina Lollobrigida, Claudia Cardinale, Silvana
Mangano, Monica Vitti, Vittorio De Sica, Gino Cervi, Gian Maria Volontè, Enrico
Maria Salerno, Salvo Randone, Walter Chiari, Franca Valeri, Stefania Sandrelli,
Gastone Moschin, Carla Gravina, Adolfo Celi, Giancarlo Giannini, Michele
Placido, Stefano Satta Flores, Mariangela Melato, e tantos outros. De resto, mesmo
depois dos anos 60, surgiram novos actores, muitos deles de recursos mais
limitados, que mantiveram a comédia entre os sucessos populares do cinema
italiano. Alguns exemplos: Paolo Villaggio, Gigi Proietti, Lino Banfi, Renzo
Montagnani, Gianfranco D'Angelo, Edwige Fenech, Gloria Guida, Alvaro Vitali,
Bombolo ou Enzo Cannavale, sobretudo no campo da comédia erótica. Mas uma nova
geração de cineastas renovou o campo da comédia nos últimos tempos, com
excelentes resultados, casos de Nanni Moretti, Roberto Benigni, Carlo Verdone,
Massimo Troisi, Francesco Nuti, Maurizio Nichetti, Alessandro Benvenuti,
Gabriele Salvatores, Paolo Virzì, Francesca Archibugi, Daniele Luchetti e
Silvio Soldini, ou ainda Leonardo Pieraccioni, Vincenzo Salemme e Giovanni
Veronesi. Em Portugal pouco cinema italiano recente se vê.
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