domingo, 1 de maio de 2016

SESSÃO 13 - 26 DE ABRIL DE 2016


POLÍCIAS E LADRÕES (1951)

“Guardie e Ladri” data de 1951 e surge assinado por Mario Monicelli e Steno, uma dupla de realizadores muito representativa da chamada comédia italiana, sobretudo no seu lado mais popular, o que fica bem demonstrado nesta obra interpretada de forma magistral por Totò e Aldo Fabrizi. Será de sublinhar que nesta época, inícios da década de 50, o neorrealismo tinha ainda uma forte presença em Itália e que, apesar do seu registo em tons de comédia, esta é obviamente uma obra que se apresenta como legítima herdeira desse movimento estético que teve no cinema um importante desenvolvimento.
Esta é a história de dois pobres diabos, dois tipos populares, representando cada um lados opostos da lei. Ferdinando Esposito (Totò) é um vigarista de pequeno calibre que sobrevive, ele e a família, de expedientes diversos, mas quase todos à margem da lei. Vamos encontrá-lo, juntamente com o seu cúmplice, Amilcare (Aldo Giuffrè), nas ruínas do Coliseu de Roma, “descobrindo” uma moeda antiga e enganando um turista americano, um tal Mr. Locuzzo, que é igualmente o presidente de uma comissão de caridade americana, o que irá dar origem a um desaconselhável reencontro quando Esposito se candidata, juntamente com um conjunto de “filhos” de ocasião, à ajuda americana. Mr. Locuzzo reconhece o aldrabão, denuncia-o às autoridades, e inicia-se então uma inusitada perseguição, com o anafado agente da polícia Lorenzo Bottoni (Aldo Fabrizi) a correr atrás do burlão. A caçada parece nunca mais acabar, mas o fôlego dos corredores sim, o que permite um momento de pausa e reflexão conjunta.
Finalmente, Bottoni acaba por dar voz de prisão ao delinquente, mas este escapa, o polícia é castigado e suspenso das suas funções, arriscando-se a perder o emprego. À paisana, sem farda nem arma, Bottoni jura encontrar o fugidio Esposito. Vai a casa deste, conhece a família, sem se dar a conhecer, e a partir daí a empatia entre todos é evidente. Afinal, polícia e ladrão são resultado de um mesmo povo, de uma mesma sociedade, de mesmas questões sociais.


Apesar de colocados de lados opostos de uma realidade social, Esposito e Bottoni são dois exemplos muito semelhantes saídos de uma certa sociedade. Ambos sobrevivem miseravelmente, um servindo a ordem estabelecida, o outro procurando subvertê-la no dia-a-dia. Nenhum deles tem consciência política, ambos funcionam pelo pragmatismo das situações. Ambos irão perceber que existe muito mais a uni-los do que aquilo que os separa. Uma solidariedade possível vai estabelecer-se entre os dois (e as famílias de ambos), sem que, todavia, a estrutura da sociedade seja posta em causa. Esposito e Bottoni são já amigos, mas um irá prender o outro e enviá-lo para a cadeia e quando Esposito pressente o drama e a dúvida no rosto do polícia será ele o primeiro a decidir entregar-se. Ambos aceitam a ordem estabelecida. “Guardie e Ladri” mostra a realidade, não procura apontar caminhos. 
Este título da filmografia conjunta de Steno e Monicelli esteve a concurso da quinta edição do Festival de Cannes, onde ganhou o prémio para Melhor Argumento, sendo ainda distinguido Totò pela sua interpretação. Em 1952, Totò, pela sua actuação nesta obra, recebeu igualmente o Prémio de Melhor Actor, atribuído pelo Sindicato dos Críticos de Cinema Italianos. Um actor que até aí não era visto com grande interesse pelos intelectuais italianos ganhava as suas credenciais.
Curiosamente este filme era para ser dirigido por Luigi Zampa, que declinou o projecto por o julgar demasiado arriscado em termos de censura (nessa versão Peppino De Filippo seria o polícia e Anna Magnani a sua mulher). Zampa já tinha tido alguns problemas com filmes anteriores, e não queria voltar a envolver-se com os censores. Tinha razão, dado que a versão final de “Polícias e Ladrões” iria desencadear reacções violentas por parte das autoridades que não viam com bons olhos esta familiaridade de um polícia e um ladrão. Quase durante um ano, o filme lutou com a censura até obter ordem de soltura. Foi um sucesso imediato junto do público italiano. O que confere justiça à realização discreta mas eficaz, ao excelente argumento e à magnífica interpretação dos dois protagonistas, que erguem personagens de uma densidade humana indesmentível.
Finalmente, conte-se uma curiosidade ligada à rodagem: durante a perseguição de Fabrizi a Totò, pelas ruas da cidade, quando o polícia grita “Ladrão! Prendam-no!”, dois agentes da autoridade autêntico, tomaram o grito por verdadeiro e resolveram pegar nas armas e atirar para o ar, para intimidar o ladrão. Morto de medo, Totò pára, esperando que a situação se esclareça. Tudo acabou, rezam as crónicas, com autógrafos de Fabrizi e Totò para os “vero carabinieri”.


POLÍCIAS E LADRÕES
Título original: Guardie e ladri
Realização: Mario Monicelli e Steno (Itália, 1951); Argumento: Vitaliano Brancati, Aldo Fabrizi, Ennio Flaiano, Ruggero Maccari, Mario Monicell, Steno, Piero Tellini; Produção: Dino De Laurentiis, Carlo Ponti; Música: Alessandro Cicognini; Fotografia (p/b): Mario Bava; Montagem: Franco Fraticelli, Adriana Novelli; Design de produção: Flavio Mogherini; Decoração: Flavio Mogherini; Direcção de Produção:Nicolò Pomilia, Bruno Todini; Assistentes de realização: Rudy Bauer, Mario Mariani; Som: Aldo Calpini, Biagio Fiorelli; Companhias de produção: De Laurentiis, Golden Film, Lux Film, Ponti; Intérpretes: Aldo Fabrizi (Lorenzo Bottoni), Totò (Ferdinando Esposito), Ave Ninchi (Giovanna Bottoni), Pina (Donata Esposito), William Tubbs (Mr. Locuzzo, o turista), Rossana Podestà (Liliana Bottoni), Gino Leurini (Alfredo), Aldo Giuffrè (Amilcare), Carlo Delle Piane (Libero Esposito), Ernesto Almirante, Paolo Modugno, Pietro Carloni, Mario Castellani, Armando Guarnieri, Ciro Berardi, Giulio Calì, Gino Scotti, Luciano Bonanni, Rocco D'Assunta, Aldo Alimonti, Riccardo Antolini, Alida Cappellini, Ettore Jannetti, etc. Duração: 105 minutos; Distribuição em Portugal: Estevez Seven; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 21 de Novembro de 1952.


TOTÒ ou ANTONIO DE CURTIS (1898-1967)
Totò é considerado unanimemente o maior actor cómico italiano e, seguramente, um dos maiores a nível mundial. Nascido a 15 de Fevereiro de 1898, em Nápoles, Itália, Antonio Clemente era filho de Anna Clemente e de pai desconhecido. Mas, segundo o próprio actor, e mais tarde reconhecido legalmente, o seu pai foi Giuseppe De Curtis, filho do importante marquês De Curtis, que, todavia, se terá sempre oposto aos amores do filho com a bela, mas muito popular Anna, impedindo o casamento.
Exuberante e pouco dado aos estudos, Antonio Clemente cedo deixou a escola, passou por vários empregos até se aproximar do teatro, sua grande paixão. Terá sido ainda muito jovem que, numa mais acalorada luta com alguém da sua idade, terá levado um murro que lhe desviou para sempre o septo nasal. Entre 1913 e 1914 estreia-se no teatro, com o pseudónimo de Clerment. Entretanto, durante a I Guerra Mundial, oferece-se como voluntário, mas, uma vez na frente, finge um ataque de coração que o leva para a rectaguarda. Finda a guerra, regressa ao teatro, passa por companhias onde trava conhecimento com Eduardo e Peppino De Filippo ou Cesare Bixio. Por entre números de variedades e canções, Antonio adquire certa notoriedade. Em 1927, integra a companhia de operetas e revistas Achille Maresca, realizando grandes tournées. A crítica começa a referenciá-lo como o “cómico grotesco” que se destaca nos palcos italianos. Estreia-se como o nome de Totò, em Padova, na peça “Madama Follia”. Por essa altura, 1928, o pai, o já marquês Giuseppe De Curtis, reconhece legalmente a paternidade, algo que foi muito importante para Antonio Clemente, que passa a assinar Antonio De Curtis. Mas, na verdade, a sua designação completa passa a ser (e leia-se em italiano que tem mais sabor): Antonio Griffo Focas Flavio Angelo, Ducas Comneno Porfirogenito Gagliardi De Curtis di Bisanzio, Altezza Imperiale, Conte Palatino, Cavaliere del Sacro Romano Impero, esarca di Ravenna, duca di Macedonia e Illiria, principe di Costantinopoli, di Cicilia, di Tessaglia, di Ponto, di Moldavia, di Dardania, del Peloponneso, conte di Cipro e di Epiro, conte e duca di Drivasto e di Duraz.
Totò era já um actor de reputação consolidada no teatro, onde se notavam as características do seu humor muito próprio. Era conhecido como “marioneta desarticulada”. Apaixona-se por uma cantora, Liliana Castagnola, com quem mantém uma ligação amorosa, que acaba por se suicidar. Anos mais tarde, será Diana Bandini Lucchesini Rogliani, espectadora de uma actuação sua no teatro, que se apaixona por Totò. Vivem juntos, têm uma filha, em 1933, casam em 1935. Divorciam-se em 1940. Entretanto, Totò cria a sua própria companhia entre 1932 e 1933 e vive um período de grande glória nos palcos italianos. Em 1937, interpreta "Fermo con le mani!", de Gero Zambuto, a que se segue " Animali Pazzi", de Carlo Ludovico Bragaglia. Mas a carreira de Totò no cinema leva o seu tempo a arrancar. Apenas em 1947, com “I Due Orfanelli", de Mario Mattòli, atinge a glória, que se irá repercutir por uma filmografia de mais de uma centena de títulos.
A sua obra é sobretudo popular. Os seus filmes eram essencialmente para todo o público, mas direccionados a camadas mais plebeias, muito embora as suas origens aristocratas. Mas a faceta napolitana predominou sempre. Raras vezes foi dirigido por grandes cineastas (o que só aconteceu no final da carreira, quando finalmente se reconheceu a grandeza e a originalidade da sua arte), o que nem sempre funcionou mal. Os técnicos competentes permitiram a Totò improvisar, irradiar o seu talento, desenvolver personagens, impor um estilo próprio. Rodava meia dúzia de filmes por ano, quase todos paródias a grandes sucessos cinematográficos internacionais (basta consultar a filmografia em anexo, para se perceber isso) e multiplicava-se em figuras que mantinham uma forma muito particular de actuação. A sua linguagem (o seu linguajar melhor dizendo) era incomparável e o gesticular excessivo invulgarmente expressivo. Recriando personalidades muito populares, Totò nunca deixou, porém, de ser o príncipe da comédia. 


Filmografia essencial / como actor (de um total de cerca de 108 títulos): 1935: Fermo con le mani !, de Gero Zambuto; 1937: Animali pazzi, de Carlo Ludovico Bragaglia; 1940: San Giovanni decollato (O Homem dos Sete Ofícios), de Amleto Palermi e Giorgio Bianchi; 1945: Il Ratto delle sabine (Totó, Professor de Trombone), de Mario Bonnard; 1947: I due orfanelli (Totó, Perdeu a Cabeça), de Mario Mattoli; 1948: Totò al giro de Italia (Totó, Ás do Pedal), de Mario Mattoli; 1948: Fifa e arena (Mulheres, Música e Toiros), de Mario Mattoli; 1949: L'Imperatore di Capri (Totó, Imperador de Capri), de Luigi Comencini; Totò cerca casa (Totó Procura Casa), de Mario Monicelli e Steno; Totò le Moko (Totó Desceu à Cidade), de Carlo Ludovico Bragagli; 1950: Napoli milionaria (Nápoles Milionária), de Eduardo De Filippo; Totò sceicco (Totó Sheik), de Mario Mattoli; Le sei mogli di Barbablù (Totó e o Barba Azul), de Carlo Ludovico Bragaglia; 1950: Totò cerca moglie (Totó Procura Mulher), de Carlo Ludovico Bragaglia; 1950: Totò Tarzan (Totó Tarzan), de Mario Mattoli; 1951: Guardie e ladri (Policias e Ladrões), de Mario Monicelli e Steno; Totò e i re di Roma, de Mario Monicelli e Steno; Totò terzo uomo (Totó Terceiro Homem), de Mario Mattoli; 1952: Totò e le donne (Toto Entre as Mulheres), de Mario Monicelli e Steno; Totò a colori (Totó a Cores), de Steno; 1953: Il più comico spettacolo del mondo (O Mais Cómico Espectáculo do Mundo), de Mario Mattoli; Un Turco napoletano (O Turco Napolitano), de Mario Mattoli; Totò, Peppino e una di quelle (Novo Dia), de Aldo Fabrizi; 1954: L'Oro di Napoli (O Ouro de Nápoles), de Vittorio De Sica, episódio “Il Guappo”; Dov'è la libertà ? (Onde Está a Liberdade?), de Roberto Rossellini; Miseria e nobiltà (Totó Rico e Pobre), de Mario Mattoli; Tempi nostril (Os Nossos Tempos), de Alessandro Blasetti e Paul Paviot; Totò cerca pace (Totó Procura Paz), de Mario Mattoli; 1955: Siamo uomini o caporali (Somos Homens ou Quê?), de Camillo Mastrocinque; Totò e Carolina (Totò e Carolina), de Mario Monicelli; 1956: La Banda degli onesti (Totó e as Notas Falsas), de Camillo Mastrocinque; Totò, Peppino e i… fuorilegge (Totó Fora da Lei), de Camillo Mastrocinque; Totò, Peppino e... la malafemmina (Os Tios da Província), de Camillo Mastrocinque; 1958: La Legge è legge (Totó, Fernandel e a Lei), de Christian-Jaque; I Soliti ignoti (Gangsters Falhados), de Mario Monicelli; Totò nella luna (Totó na Lua), de Steno; Totò a Parigi (Totó em Paris), de Camillo Mastrocinque; 1959: I Tartassati (Totó Contribuinte), de Steno; Arrangiatevi! (Casa Nova...Vida Nova), de Mauro Bolognini; La Cambiale (A Letra), de Camillo Mastrocinque; Totò, Eva e il pennello proibito (Totó em Madrid), de Steno; 1960: Totò, Fabrizi e i giovani de oggi (Totó, Fabrizi e os Meninos de Hoje), de Mario Mattoli; 1960: Chi si ferma è perduto (Totó Torce o Pepino), de Sergio Corbucci; Risate di gioia (O Ladrão Apaixonado), de Mario Monicelli; Signori si nasce (Totó Fidalgo), de Mario Mattoli; 1961: Totò, Peppino e... la dolce vita (Totò e a Doce Vida), de Sergio Corbucci; I due marescialli (Os Dois Carabineiros), de Sergio Corbucci; Sua Eccellenza si fermò a mangiare, de Mario Mattoli; Tototruffa '62 (Totó Vigarista), de Camillo Mastrocinque; 1962: I due colonnelli, de Steno; 1962: Totò contro Maciste (Totó Contra Maciste), de Fernando Cerchio; Totò diabolicus (Totó Diabólico), de Steno; Totò di notte n. 1, de Mario Amendola; Totò e Peppino divisi a Berlino (Totó e Peppino em Berlim), de Giorgio Bianchi; 1963: Il monaco di Monza, de Sergio Corbucci; Gli onorevoli; de Sergio Corbucci; 1963: Totò contro i 4 (Totó Contra Quatro), de Steno; Totò e Cleopatra (Totó e Cleópatra), de Fernando Cerchio; Totò sexy, de Mario Amendola; 1964: Le Belle famiglie, de Ugo Gregoretti; Che fine ha fatto Totò baby?, de Ottavio Alessi; Totò contro il pirata nero, de Fernando Cerchio; Totò de Arabia (Totó da Arábia), de José Antonio de la Loma; 1965: Gli amanti latini, de Mario Costa; La Mandragola (Marido Velho, Mulher Nova) de Alberto Lattuada; Rita, la figlia Americana, de Piero Vivarelli; 1966: Uccellacci e uccellini (Passarinhos e Passarões), de Pier Paolo Pasolini; Le Streghe (A Magia da Mulher), episódio “La Terra vista dalla luna”, de Pier Paolo Pasolini; 1967: Operazione San Gennaro (Golpe de Mestre à Napolitana), de Dino Risi; Il padre di famiglia (O pai de família), de Nanni Loy (não credenciado); Don Giovannini (TV) de Bruno Corbucci; Il Latitante; Il Grande maestro; La Scommessa; Totò a Napoli; Totò Ye Ye; Il Tuttofare (TV), todos de  Daniele de Anza; 1968: Capriccio all'italiana, episódio “Il Mostro della Domenica”, de Steno, e episódio “Che cosa sono le nuvole ?”, de Pier Paolo Pasolini. 

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