POLÍCIAS E LADRÕES (1951)
“Guardie e Ladri” data de 1951 e surge
assinado por Mario Monicelli e Steno, uma dupla de realizadores muito
representativa da chamada comédia italiana, sobretudo no seu lado mais popular,
o que fica bem demonstrado nesta obra interpretada de forma magistral por Totò
e Aldo Fabrizi. Será de sublinhar que nesta época, inícios da década de 50, o
neorrealismo tinha ainda uma forte presença em Itália e que, apesar do seu
registo em tons de comédia, esta é obviamente uma obra que se apresenta como
legítima herdeira desse movimento estético que teve no cinema um importante
desenvolvimento.
Esta é a história de dois pobres diabos,
dois tipos populares, representando cada um lados opostos da lei. Ferdinando
Esposito (Totò) é um vigarista de pequeno calibre que sobrevive, ele e a
família, de expedientes diversos, mas quase todos à margem da lei. Vamos
encontrá-lo, juntamente com o seu cúmplice, Amilcare (Aldo Giuffrè), nas ruínas
do Coliseu de Roma, “descobrindo” uma moeda antiga e enganando um turista
americano, um tal Mr. Locuzzo, que é igualmente o presidente de uma comissão de
caridade americana, o que irá dar origem a um desaconselhável reencontro quando
Esposito se candidata, juntamente com um conjunto de “filhos” de ocasião, à
ajuda americana. Mr. Locuzzo reconhece o aldrabão, denuncia-o às autoridades, e
inicia-se então uma inusitada perseguição, com o anafado agente da polícia
Lorenzo Bottoni (Aldo Fabrizi) a correr atrás do burlão. A caçada parece nunca
mais acabar, mas o fôlego dos corredores sim, o que permite um momento de pausa
e reflexão conjunta.
Finalmente, Bottoni acaba por dar voz de
prisão ao delinquente, mas este escapa, o polícia é castigado e suspenso das
suas funções, arriscando-se a perder o emprego. À paisana, sem farda nem arma,
Bottoni jura encontrar o fugidio Esposito. Vai a casa deste, conhece a família,
sem se dar a conhecer, e a partir daí a empatia entre todos é evidente. Afinal,
polícia e ladrão são resultado de um mesmo povo, de uma mesma sociedade, de
mesmas questões sociais.
Apesar de colocados de lados opostos de
uma realidade social, Esposito e Bottoni são dois exemplos muito semelhantes
saídos de uma certa sociedade. Ambos sobrevivem miseravelmente, um servindo a
ordem estabelecida, o outro procurando subvertê-la no dia-a-dia. Nenhum deles
tem consciência política, ambos funcionam pelo pragmatismo das situações. Ambos
irão perceber que existe muito mais a uni-los do que aquilo que os separa. Uma
solidariedade possível vai estabelecer-se entre os dois (e as famílias de
ambos), sem que, todavia, a estrutura da sociedade seja posta em causa.
Esposito e Bottoni são já amigos, mas um irá prender o outro e enviá-lo para a
cadeia e quando Esposito pressente o drama e a dúvida no rosto do polícia será
ele o primeiro a decidir entregar-se. Ambos aceitam a ordem estabelecida.
“Guardie e Ladri” mostra a realidade, não procura apontar caminhos.
Este título da filmografia conjunta de
Steno e Monicelli esteve a concurso da quinta edição do Festival de Cannes,
onde ganhou o prémio para Melhor Argumento, sendo ainda distinguido Totò pela
sua interpretação. Em 1952, Totò, pela sua actuação nesta obra, recebeu
igualmente o Prémio de Melhor Actor, atribuído pelo Sindicato dos Críticos de
Cinema Italianos. Um actor que até aí não era visto com grande interesse pelos
intelectuais italianos ganhava as suas credenciais.
Curiosamente este filme era para ser
dirigido por Luigi Zampa, que declinou o projecto por o julgar demasiado
arriscado em termos de censura (nessa versão Peppino De Filippo seria o polícia
e Anna Magnani a sua mulher). Zampa já tinha tido alguns problemas com filmes
anteriores, e não queria voltar a envolver-se com os censores. Tinha razão,
dado que a versão final de “Polícias e Ladrões” iria desencadear reacções
violentas por parte das autoridades que não viam com bons olhos esta
familiaridade de um polícia e um ladrão. Quase durante um ano, o filme lutou
com a censura até obter ordem de soltura. Foi um sucesso imediato junto do
público italiano. O que confere justiça à realização discreta mas eficaz, ao
excelente argumento e à magnífica interpretação dos dois protagonistas, que
erguem personagens de uma densidade humana indesmentível.
Finalmente, conte-se uma curiosidade
ligada à rodagem: durante a perseguição de Fabrizi a Totò, pelas ruas da cidade,
quando o polícia grita “Ladrão! Prendam-no!”, dois agentes da autoridade
autêntico, tomaram o grito por verdadeiro e resolveram pegar nas armas e atirar
para o ar, para intimidar o ladrão. Morto de medo, Totò pára, esperando que a
situação se esclareça. Tudo acabou, rezam as crónicas, com autógrafos de
Fabrizi e Totò para os “vero carabinieri”.
POLÍCIAS E LADRÕES
Título
original: Guardie e ladri
Realização: Mario Monicelli e Steno (Itália, 1951); Argumento:
Vitaliano Brancati, Aldo Fabrizi, Ennio Flaiano, Ruggero Maccari, Mario
Monicell, Steno, Piero Tellini; Produção: Dino De Laurentiis, Carlo Ponti;
Música: Alessandro Cicognini; Fotografia (p/b): Mario Bava; Montagem: Franco
Fraticelli, Adriana Novelli; Design de produção: Flavio Mogherini; Decoração:
Flavio Mogherini; Direcção de Produção:Nicolò Pomilia, Bruno Todini;
Assistentes de realização: Rudy Bauer, Mario Mariani; Som: Aldo Calpini, Biagio
Fiorelli; Companhias de produção: De Laurentiis, Golden Film, Lux Film, Ponti; Intérpretes:
Aldo Fabrizi (Lorenzo Bottoni), Totò (Ferdinando Esposito), Ave Ninchi (Giovanna
Bottoni), Pina (Donata Esposito), William Tubbs (Mr. Locuzzo, o turista),
Rossana Podestà (Liliana Bottoni), Gino Leurini (Alfredo), Aldo Giuffrè
(Amilcare), Carlo Delle Piane (Libero Esposito), Ernesto Almirante, Paolo
Modugno, Pietro Carloni, Mario Castellani, Armando Guarnieri, Ciro Berardi,
Giulio Calì, Gino Scotti, Luciano Bonanni, Rocco D'Assunta, Aldo Alimonti,
Riccardo Antolini, Alida Cappellini, Ettore Jannetti, etc. Duração: 105 minutos; Distribuição em Portugal: Estevez Seven;
Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 21 de Novembro
de 1952.
TOTÒ
ou ANTONIO DE CURTIS (1898-1967)
Totò é considerado unanimemente o maior
actor cómico italiano e, seguramente, um dos maiores a nível mundial. Nascido a
15 de Fevereiro de 1898, em Nápoles, Itália, Antonio Clemente era filho de Anna
Clemente e de pai desconhecido. Mas, segundo o próprio actor, e mais tarde
reconhecido legalmente, o seu pai foi Giuseppe De Curtis, filho do importante
marquês De Curtis, que, todavia, se terá sempre oposto aos amores do filho com
a bela, mas muito popular Anna, impedindo o casamento.
Exuberante e pouco dado aos estudos,
Antonio Clemente cedo deixou a escola, passou por vários empregos até se
aproximar do teatro, sua grande paixão. Terá sido ainda muito jovem que, numa
mais acalorada luta com alguém da sua idade, terá levado um murro que lhe
desviou para sempre o septo nasal. Entre 1913 e 1914 estreia-se no teatro, com
o pseudónimo de Clerment. Entretanto, durante a I Guerra Mundial, oferece-se
como voluntário, mas, uma vez na frente, finge um ataque de coração que o leva
para a rectaguarda. Finda a guerra, regressa ao teatro, passa por companhias
onde trava conhecimento com Eduardo e Peppino De Filippo ou Cesare Bixio. Por
entre números de variedades e canções, Antonio adquire certa notoriedade. Em
1927, integra a companhia de operetas e revistas Achille Maresca, realizando
grandes tournées. A crítica começa a referenciá-lo como o “cómico grotesco” que
se destaca nos palcos italianos. Estreia-se como o nome de Totò, em Padova, na
peça “Madama Follia”. Por essa altura, 1928, o pai, o já marquês Giuseppe De
Curtis, reconhece legalmente a paternidade, algo que foi muito importante para
Antonio Clemente, que passa a assinar Antonio De Curtis. Mas, na verdade, a sua
designação completa passa a ser (e leia-se em italiano que tem mais sabor):
Antonio Griffo Focas Flavio Angelo, Ducas Comneno Porfirogenito Gagliardi De
Curtis di Bisanzio, Altezza Imperiale, Conte Palatino, Cavaliere del Sacro Romano
Impero, esarca di Ravenna, duca di Macedonia e Illiria, principe di
Costantinopoli, di Cicilia, di Tessaglia, di Ponto, di Moldavia, di Dardania,
del Peloponneso, conte di Cipro e di Epiro, conte e duca di Drivasto e di
Duraz.
Totò era já um actor de reputação
consolidada no teatro, onde se notavam as características do seu humor muito
próprio. Era conhecido como “marioneta desarticulada”. Apaixona-se por uma
cantora, Liliana Castagnola, com quem mantém uma ligação amorosa, que acaba por
se suicidar. Anos mais tarde, será Diana Bandini Lucchesini Rogliani,
espectadora de uma actuação sua no teatro, que se apaixona por Totò. Vivem
juntos, têm uma filha, em 1933, casam em 1935. Divorciam-se em 1940.
Entretanto, Totò cria a sua própria companhia entre 1932 e 1933 e vive um
período de grande glória nos palcos italianos. Em 1937, interpreta "Fermo
con le mani!", de Gero
Zambuto, a que se segue " Animali Pazzi", de Carlo Ludovico
Bragaglia. Mas a carreira de Totò no cinema leva o seu tempo a arrancar. Apenas
em 1947, com “I Due Orfanelli", de Mario Mattòli, atinge a glória, que se
irá repercutir por uma filmografia de mais de uma centena de títulos.
A sua obra é sobretudo popular. Os seus
filmes eram essencialmente para todo o público, mas direccionados a camadas
mais plebeias, muito embora as suas origens aristocratas. Mas a faceta
napolitana predominou sempre. Raras vezes foi dirigido por grandes cineastas (o
que só aconteceu no final da carreira, quando finalmente se reconheceu a
grandeza e a originalidade da sua arte), o que nem sempre funcionou mal. Os
técnicos competentes permitiram a Totò improvisar, irradiar o seu talento,
desenvolver personagens, impor um estilo próprio. Rodava meia dúzia de filmes
por ano, quase todos paródias a grandes sucessos cinematográficos
internacionais (basta consultar a filmografia em anexo, para se perceber isso)
e multiplicava-se em figuras que mantinham uma forma muito particular de
actuação. A sua linguagem (o seu linguajar melhor dizendo) era incomparável e o
gesticular excessivo invulgarmente expressivo. Recriando personalidades muito
populares, Totò nunca deixou, porém, de ser o príncipe da comédia.
Filmografia
essencial
/ como actor (de um total de cerca
de 108 títulos): 1935: Fermo con le mani !, de Gero Zambuto; 1937: Animali
pazzi, de Carlo Ludovico Bragaglia; 1940: San Giovanni decollato (O Homem dos
Sete Ofícios), de Amleto Palermi e Giorgio Bianchi; 1945: Il Ratto delle sabine
(Totó, Professor de Trombone), de Mario Bonnard; 1947: I due orfanelli (Totó,
Perdeu a Cabeça), de Mario Mattoli; 1948: Totò al giro de Italia (Totó, Ás do
Pedal), de Mario Mattoli; 1948: Fifa e arena (Mulheres, Música e Toiros), de
Mario Mattoli; 1949: L'Imperatore di Capri (Totó, Imperador de Capri), de Luigi
Comencini; Totò cerca casa (Totó Procura Casa), de Mario Monicelli e Steno;
Totò le Moko (Totó Desceu à Cidade), de Carlo Ludovico Bragagli; 1950: Napoli
milionaria (Nápoles Milionária), de Eduardo De Filippo; Totò sceicco (Totó
Sheik), de Mario Mattoli; Le sei mogli di Barbablù (Totó e o Barba Azul), de
Carlo Ludovico Bragaglia; 1950: Totò cerca moglie (Totó Procura Mulher), de
Carlo Ludovico Bragaglia; 1950: Totò Tarzan (Totó Tarzan), de Mario Mattoli;
1951: Guardie e ladri (Policias e Ladrões), de Mario Monicelli e Steno; Totò e i
re di Roma, de Mario Monicelli e Steno; Totò terzo uomo (Totó Terceiro Homem),
de Mario Mattoli; 1952: Totò e le donne (Toto Entre as Mulheres), de Mario
Monicelli e Steno; Totò a colori (Totó a Cores), de Steno; 1953: Il più comico
spettacolo del mondo (O Mais Cómico Espectáculo do Mundo), de Mario Mattoli; Un
Turco napoletano (O Turco Napolitano), de Mario Mattoli; Totò, Peppino e una di
quelle (Novo Dia), de Aldo Fabrizi; 1954: L'Oro di Napoli (O Ouro de Nápoles),
de Vittorio De Sica, episódio “Il Guappo”; Dov'è la libertà ? (Onde Está a
Liberdade?), de Roberto Rossellini; Miseria e nobiltà (Totó Rico e Pobre), de
Mario Mattoli; Tempi nostril (Os Nossos Tempos), de Alessandro Blasetti e Paul
Paviot; Totò cerca pace (Totó Procura Paz), de Mario Mattoli; 1955: Siamo
uomini o caporali (Somos Homens ou Quê?), de Camillo Mastrocinque; Totò e
Carolina (Totò e Carolina), de Mario Monicelli; 1956: La Banda degli onesti
(Totó e as Notas Falsas), de Camillo Mastrocinque; Totò, Peppino e i…
fuorilegge (Totó Fora da Lei), de Camillo Mastrocinque; Totò, Peppino e... la
malafemmina (Os Tios da Província), de Camillo Mastrocinque; 1958: La Legge è
legge (Totó, Fernandel e a Lei), de Christian-Jaque; I Soliti ignoti (Gangsters
Falhados), de Mario Monicelli; Totò nella luna (Totó na Lua), de Steno; Totò a
Parigi (Totó em Paris), de Camillo Mastrocinque; 1959: I Tartassati (Totó
Contribuinte), de Steno; Arrangiatevi! (Casa Nova...Vida Nova), de Mauro
Bolognini; La Cambiale (A Letra), de Camillo Mastrocinque; Totò, Eva e il pennello
proibito (Totó em Madrid), de Steno; 1960: Totò, Fabrizi e i giovani de oggi
(Totó, Fabrizi e os Meninos de Hoje), de Mario Mattoli; 1960: Chi si ferma è
perduto (Totó Torce o Pepino), de Sergio Corbucci; Risate di gioia (O Ladrão
Apaixonado), de Mario Monicelli; Signori si nasce (Totó Fidalgo), de Mario
Mattoli; 1961: Totò, Peppino e... la dolce vita (Totò e a Doce Vida), de Sergio
Corbucci; I due marescialli (Os Dois Carabineiros), de Sergio Corbucci; Sua
Eccellenza si fermò a mangiare, de Mario Mattoli; Tototruffa '62 (Totó
Vigarista), de Camillo Mastrocinque; 1962: I due colonnelli, de Steno; 1962:
Totò contro Maciste (Totó Contra Maciste), de Fernando Cerchio; Totò diabolicus
(Totó Diabólico), de Steno; Totò di notte n. 1, de Mario Amendola; Totò e
Peppino divisi a Berlino (Totó e Peppino em Berlim), de Giorgio Bianchi; 1963:
Il monaco di Monza, de Sergio Corbucci; Gli onorevoli; de Sergio Corbucci;
1963: Totò contro i 4 (Totó Contra Quatro), de Steno; Totò e Cleopatra (Totó e
Cleópatra), de Fernando Cerchio; Totò sexy, de Mario Amendola; 1964: Le Belle
famiglie, de Ugo Gregoretti; Che fine ha fatto Totò baby?, de Ottavio Alessi;
Totò contro il pirata nero, de Fernando Cerchio; Totò de Arabia (Totó da
Arábia), de José Antonio de la Loma; 1965: Gli amanti latini, de Mario Costa;
La Mandragola (Marido Velho, Mulher Nova) de Alberto Lattuada; Rita, la figlia
Americana, de Piero Vivarelli; 1966: Uccellacci e uccellini (Passarinhos e
Passarões), de Pier Paolo Pasolini; Le Streghe (A Magia da Mulher), episódio
“La Terra vista dalla luna”, de Pier Paolo Pasolini; 1967: Operazione San
Gennaro (Golpe de Mestre à Napolitana), de Dino Risi; Il padre di famiglia (O
pai de família), de Nanni Loy (não credenciado); Don Giovannini (TV) de Bruno
Corbucci; Il Latitante; Il Grande maestro; La Scommessa; Totò a Napoli; Totò Ye
Ye; Il Tuttofare (TV), todos de Daniele
de Anza; 1968: Capriccio all'italiana, episódio “Il Mostro della Domenica”, de
Steno, e episódio “Che cosa sono le nuvole ?”, de Pier Paolo Pasolini.
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