segunda-feira, 21 de março de 2016

SESSÃO 12 - 19 DE ABRIL DE 2016


DOM CAMILO (1952)

“Le Petit Monde de Don Camillo”, de Giovanni Guareschi, é o romance de onde parte este filme de Julien Duvivier, que iria afirmar-se como um enorme sucesso de bilheteira e de popularidade, em França e Itália, países produtores, mas igualmente um pouco por todo o mundo, dando origem a uma série de continuações, protagonizadas pelos dois principais intérpretes, Fernandel (Don Camillo) e Gino Cervi (Peppone). “Don Camilo”, de 1952, é o título de arranque, a que se seguem “Le Retour de Don Camillo” (O Regresso de Dom Camilo), de novo assinado por Julien Duvivier (1953), “La Grande Bagarre de Don Camillo” ou “Don Camillo e l'on. Peppone” (Dom Camilo e as Eleições), de Carmine Gallone (1955), “Don Camillo Monseigneur” ou "Don Camillo monsignore... ma non troppo" (Dom Camilo, Monsenhor), outra vez de Carmine Gallone (1961) e “Don Camillo en Russie” ou "Il compagno Don Camillo" (Dom Camilo na Rússia), de Luigi Comencini (1966). Outro título se anunciava com a mesma dupla, “Don Camillo e i giovani d'oggi” ou “Don Camillo et les Contestataires” (1972), com realização de Christian-Jacque, mas por doença, e posterior morte, de Fernandel, os protagonistas foram substituídos. Este filme acabaria por ser dirigido por Mario Camerini, tendo como principais intérpretes Gastone Moschin e Lionel Stander, respectivamente os novos rostos de Don Camilo e Peppone. Sem o mesmo sucesso da dupla inicial. Mais infeliz ainda foi a recuperação ensaiada em 1984, com um “Don Camillo”, dirigido e interpretado por Terence Hill, que tinha como Peppone Colin Blakely. Em televisão, também houve algumas tentativas, em série, uma brasileira, de 1957, “Pequeno Mundo de D. Camilo”, com Dionísio Azevedo, Heitor de Andrade e Chico de Assis, outra inglesa, de 1981, “The Little World of Don Camillo”, interpretada por Mario Adorf e Brian Blessed.
Falando de Giovanni Guareschi (1908-1968) teremos de salientar o facto de este jornalista e romancista italiano se ter tornado mundialmente célebre com a sua série de obras de ficção baseada nas personagens de Don Camillo e Peppone. O primeiro romance surgiu em 1948 e rapidamente se transformou num bestseller internacional, o que foi ampliado pela sua adaptação ao cinema. Seguiram-se algumas sequelas: “Don Camillo retorno” (1951), “Don Camillo e il suo gregge” (1953), ou “Il compagno Don Camillo” (1963), e ainda, publicadas já a título póstumo, “Don Camillo e i giovani d'oggi” (1969), “Gente così (it)” (1983) e “Lo spumarino pallido” (1984). Guareschi publicou ainda outros romances humorísticos. Sendo um dos escritores mais populares em todo o mundo neste período, não se furtou a uma polémica que lhe denegriu a imagem: foi acusado de ter assinado um manifesto de apoio público às leis racistas do governo fascista de Mussolini. Mas nunca se provou que tivesse sido ele próprio a assinar o manifesto. A controvérsia manteve-se, apesar de ter pertencido à Resistência.    
 
Nascido na região da Emília-Romanha situada no norte de Itália, em Fontanelle, Roccabianca, na província de Parma, foi nessa zona que localizou a acção dos seus romances dedicados a Don Camilo. “Numa pequena localidade entre o rio Pó e os Apeninos”. O escritor declarou: “por detrás de “Don Camillo”, está a minha casa, Parma, a planície ao longo do rio Pó, ou a paixão política exasperada, onde o povo se mantinha todavia sedutor, generoso, hospitaleiro e cheio de humor”.
“Don Camilo” vive do conflito permanente que se estabelece entre Don Camilo, um pároco de aldeia a quem Jesus diz que “as mãos foram concebidas para orar, não para lutar” e a que ele responde em surdina, “mas os pés não”, e Peppone, o presidente da Câmara, comunista, triunfador das eleições de 1946. Se Peppone organiza um comício na praça central, Don Camilo vai tocar os sinos da sua igreja para que os discursos não se ouçam. Se um organiza um armazém de armas e pólvora, o outro faz as munições irem pelo ar. Se um quer inaugurar um Jardim Infantil, o outro quer erguer uma “Casa do Povo”. E não falta mesmo um Romeu e Juieta divididos por famílias que se detestam, uma comunista ferrenha e pobre, a outra beata e rica. Mas tudo acaba em harmonia, pois Don Camilo e Peppone são faces de uma mesma moeda, o povo italiano, e ambos querem o melhor para os seus rebanhos, tanto mais que ambos se conhecem desde criança. O filme reflete o ambiente vivido em Itália (mas também em França) depois do fim da II Guerra Mundial, quando o Partido Comunista ganhou uma notória influência que a Resistência lhe trouxe, mas olhado sempre com desconfiança, mesmo algo mais, por grande parte da população. A direita religiosa e a alta finança temiam o poder desta esquerda que lhe iria retirar privilégios, enquanto alguns outros quadrantes da sociedade, mais esclarecidos, não desculpavam alguns crimes cometidos pelos bolcheviques, sobretudo na época de Estaline.
O filme é bem construído e desenvolvido, com algumas sequências muito divertidas, magnificamente interpretado por Fernandel e Gino Cervi. Ambos erguem duas personagens inesquecíveis. Fernandel, no auge da sua popularidade e no domínio perfeito de um talento invulgar, compõe uma figura de pároco truculento, muito senhor do seu nariz, que “fala” com o seu Cristo no interior da igreja e questiona Peppone a toda a hora.
Julien Duvivier (1896-1967), o realizador, foi um daqueles cineastas que a “nouvelle vague” anatematizou, com a designação de “cineasta de papa”, o que nalguns casos se revelou uma injustiça. Julien Duvivier é um desses casos. “Golem”, “La Belle Équipe”, “Pépé le Moko”, “Un carnet de bal”, “La Fin du jour”, “Panique”, “Voici le temps des assassins”, “Sous le ciel de Paris” ou este “Le Petit Monde de Don Camillo” são obras dignas de apreço, cotando entre o que de melhor o cinema francês produziu nas décadas de 30-50.


DOM CAMILO
Título original: Don Camillo
Realização: Julien Duvivier (França, Itália, 1952); Argumento: Julien Duvivier, René Barjavel, Oreste, segundo romance de Giovanni Guareschi; Produção: Giuseppe Amato, Robert Chabert, Angelo Rizzoli, Marcel Roux; Música: Alessandro Cicognini; Fotografia (p/b): Nicolas Hayer; Montagem: Maria Rosada; Direcção artística: Virgilio Marchi; Decoração: Ferdinando Ruffo; Maquilhagem: Leandro Marini; Direcção de Produção: Piero Cocco, Roberto Cocco, Romano Dandi; Assistentes de realização: Alberto Cardone, Serge Vallin; Departamento de arte: Italo Tomass; Som: Bruno Brunacci, Jacques Carrère, Maurice Laroche; Companhias de produção: Produzione Film Giuseppe Amato (Rizzoli - Amato), Rizzoli Editore (Rizzoli - Amato), Francinex; Intérpretes: Fernandel (Don Camillo), Gino Cervi (Giuseppe 'Peppone' Bottazzi), Vera Talchi (Gina Filotti), Franco Interlenghi (Mariolino della Bruciata), Sylvie (Signora Cristina), Charles Vissières, Clara Auteri Pepe, Italo Clerici, Peppino De Martino, Carlo Duse, Manuel Gary, Leda Gloria, Luciano Manara, Armando Migliari, Giovanni Onorato, Franco Pesce, Mario Siletti, Olga Solbelli, Marco Tulli, Gualtiero Tumiati, Saro Urzì, Giorgio Albertazzi, Emilio Cigoli, Barbara Florian, Dina Romano, Ruggero Ruggeri, etc. Duração: 107 minutos; Distribuição em Portugal: Tribanda / Estevez Seven Lda; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 27 de Abril de 1953.


FERNANDEL (1903-1971)
Fernand-Joseph-Désiré Contandin, mais conhecido simplesmente por Fernandel, nasceu em Marselha, a 8 de Maio de 1903 e morreu em Paris a 26 de Fevereiro de 1971. Filho de Denis Contandin, cantor e actor amador, e de Désirée Bédouin, também actriz amadora, cedo se tornou notado pelos seus dotes para o espectáculo. Ganhou na sua terra natal um concurso para jovens cantores no teatro Châtelet. Passa por diversos empregos sem, todavia, se estabelecer nalgum. O seu interesse era a canção, o music-hall, o teatro. Em Outubro de 1926, Fernandel começa a cantar nos inícios das sessões de cinema no Odéon de Marseille. Em 1928, chega a Paris, ao Bobino, e o sucesso dá-lhe um contrato de 19 semanas no circuito de cinemas Pathé de Paris. A carreira ascendente não pára mais. Passa pelo Élysée-Palace de Vichy e depois pelo Casino de Paris e pelo teatro Mogador. Canta e interpreta números cómicos e é aí que será descoberto pelo realizador Marc Allégret, que lhe oferece um papel no filme de Sacha Guitry “Le Blanc et le Noir”, que assinala assim a sua estreia no cinema, em 1930. Jean Renoir contrata-o para o colocar ao lado de Michel Simon, em “On purge bébé”, segundo peça de Georges Feydeau. Contracena com Jean Gabin em “Cœur de lilas”. Em 1932, é protagonista de “Le Rosier de madame Husson”, de Dominique Bernard-Deschamps. Os sucessos começam a suceder-se: “Un de la légion et François Ier”, de Christian-Jacque (1936), ou “Angèle” (1934), “Regain” (1937), “Le Schpountz” (1938), “La Fille du puisatier” (1940), e “Topaze” (1951), todos de Marcel Pagnol. Com a II Guerra Mundial, é mobilizado, e canta canções como “Francine” (1939), denunciando a propaganda alemã. Após o fim do conflito, e durante a década de 50, surgem novos filmes inesquecíveis: “L'Auberge rouge” (1951), de Claude Autant-Lara, “Ali Baba et les Quarante voleurs” (1954), de Jacques Becker, e “La Vache et le Prisonnier” (1959), de Henri Verneuil. Mas é sobretudo com a série “Don Camillo”, adaptada de obras de Giovannino Guareschi, que se torna a vedeta nº 1 do cinema francês, com um índice de popularidade invulgar: “Le Petit Monde de don Camillo” (1951) e “Le Retour de don Camillo” (1953) de Julien Duvivier, “La Grande Bagarre de don Camillo” (1955), “Don Camillo Monseigneur” (1961), “Don Camillo en Russie” (1965) e “Don Camillo et les Contestataires”, que começa a rodar em 1970, mas que abandona por doença. Morre de cancro no ano seguinte. Fernandel, ao lado de Louis de Funès, Bourvil e Jean Gabin, foi dos actores que levou mais espectadores às salas francesas. Mais de 202 milhões entre 1945 e 1970. Em 18 de janeiro de 1953, quando se encontrava em Roma, o Papa Pio XII convida-o a ir ao Vaticano, para ele conhecer o “padre mais falado da cristandade, depois do Papa”. Realizou 3 filmes, “Simplet” (1942), “Adrien” (1943) e “Adhémar ou le Jouet de la fatalité” (1951). Em 1963 funda com Jean Gabin a sociedade produtora “Gafer15”, cujo primeiro filme foi “L'Âge ingrat”, de Gilles Grangier. O general Charles de Gaulle disse um dia que Fernandel era o único francês tão conhecido como ele em todo o mundo. O escritor Marcel Pagnol declarou que “ele era um dos maiores e dos mais célebres actores do seu tempo, só comparável a Charlie Chaplin”.


Filmografia essencial / Como actor (de um conjunto de 156 títulos): 1931: Branco e Negro (Le blanc et le noir), de Marc Allégret, Robert Florey; On purge bébé, de Jean Renoir; 1932: Le Rosier de Madame Husson, de Dominique Bernard-Deschamps; 1937: François Premier (Sonho de Grandeza), de Christian-Jaque; Un carnet de bal (Um Carnet de Baile), de Julien Duvivier; 1938: Le Schpountz (Schpountz, o anjinho), de Marcel Pagnol; 1940: La Fille du puisatier, de Marcel Pagnol; 1944: Un chapeau de paille d’Italie (Chapéus há Muitos), de Maurice Cammage; 1951: Topaze (Topázio), de Marcel Pagnol; 1951: Tu m’as sauvé la vie, de Sacha Guitry; L’Auberge Rouge (Estalagem Sangrenta), de Claude Autant-Lara; 1952: Don Camillo (Dom Camilo), de Julien Duvivier; 1953: Le Boulanger de Valorgue (O Padeiro de Valorgue), de Henri Verneuil; Le retour de Don Camillo (O Regresso de D. Camilo), de Julien Duvivier; 1954: Ali Baba et les quarante voleurs (Ali Baba e os 40 Ladrões), de Jacques Becker; 1955: Don Camillo e l'on. Peppone (D. Camilo e as Eleições), de Carmine Gallone; 1956: Don Juan (D. Juan), de John Berry; Around the World in Eighty Days (A Volta ao Mundo em Oitenta Dias), de Michael Anderson; Era di venerdì 17 (Quatro Passos nas Nuvens), de Mario Soldati; 1957: L’Homme à imperméable (O Homem Impermeável), de Bernard Blier; Le Chômeur de Clochemerle (O Mandrião de Clochemerle), de Jean Boyer; 1958: La legge è legge (Totó, Fernandel e a Lei), de Christian-Jacque; 1959: Le Grand chef (O Grande Chefe), de Henri Verneuil; Confident de ces dames (Confidente de Senhoras), de Jean Boyer; La Vache et le prisonnier (A Vaca e o Prisioneiro), de Henri Verneuil; 1960: Crésus (O Nababo), de Jean Giono; Le Caïd (Gangsters à Força), de Bernard Borderie; 1961: Il giudizio universale (O Último Julgament), de Vittorio De Sica; Don Camillo monsignore... ma non troppo (Dom Camilo Monsenhor), de Carmine Gallone; 1962: Le Diable et les Dix commandements (O Diabo e os Dez Mandamentos), de Julien Duvivier; 1963: Le Bon roi Dagobert, de Pierre Chevalier; La Cuisine au beurre (Grelhados com manteiga), de Gilles Grangier; 1964: L’Âge ingrat (A Idade Ingrata), de Gilles Grangier; 1965: Il compagno Don Camillo (Dom Camilo na Rússia), de Luigi Comencini; 1966: La Bourse et la vie, de Jean-Pierre Mocky; Le Voyage du perè (A Viagem), de Denys de La Patellière; 1970: Heureux qui comme Ulysse), de Henri Colpi; Don Camillo e i giovani d'oggi" (D. Camilo e os jovens de hoje), de Christian- Jacque (curta-metragem). 

Sem comentários:

Enviar um comentário