domingo, 9 de outubro de 2016

SESSÃO 50 -11 DE OUTUBRO DE 2016


TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA (1973)

“Toda a Nudez Será Castigada” parte de uma excelente peça teatral de Nelson Rodrigues, inúmeras vezes encenada no Brasil e no estrangeiro, inclusive em Portugal. Quem a adapta ao cinema foi Arnaldo Jabor, um dos mais importantes nomes do chamado novo cinema brasileiro, companheiro de geração e de movimento de Glauder Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Carlos Diegues, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, entre outros. Foi em meados dos anos 60 do século XX que este movimento emergiu com características muito próprias, de modernidade estilística, de crítica social, de engajamento politico, de radicalismo de propostas, algumas das quais profundamente enraizadas na cultura brasileira e no tropicalismo (donde a utilização deste termo para caracterizar algumas dessas obras iniciais desta corrente).
Arnaldo Jabor (nascido a 12 de Dezembro de 1940, no Rio de Janeiro) surgiu na longa-metragem, em 1967, com um documentário, “A Opinião Pública”, a que se seguiram “Pindorama” (1970), este “Toda a Nudez Será Castigada” (1973), “O Casamento” (1976), “Tudo Bem” (1978), “Eu te Amo” (1981), “Eu sei que Vou te Amar” (1986), e “A Suprema Felicidade” (2010), seu último trabalho no cinema até ao presente. Jabor dedica-se essencialmente à escrita, depois disso.
“Toda Nudez Será Castigada” é uma crónica familiar de maus costumes, mas onde estes maus costumes não são necessariamente os maus costumes que a sociedade normalizada costuma causticar. A crítica dirige-se fundamentalmente ao preconceito, ao puritanismo, à hipocrisia de certos princípios e valores de uma sociedade obviamente pervertida e enclausurada em dogmas e mais valias morais sem qualquer justificação.

Personagem da classe média brasileira, vivendo confortavelmente numa velha casa do Rio de Janeiro, Herculano (Paulo Porto) enviava e sente-se intimamente despedaçado e exteriormente amordaçado por uma família que não dá tréguas ao luto. As três tias e o filho impõem uma solidão total, uma clausura violenta, um silêncio austero, uma vida social inexistente. Com a morte da mulher, aquela família deixa de existir. Se as velhas tias se pautam por conceitos morais e religiosos obsoletos, será ainda um pouco compreensivo, pela tradição onde vivem. Para o filho do casal, esse luto que impõe regras desmedidas, só se compreende por um dramático desvio psicológico e uma morbidez patológica. Obviamente que as explicações não são apresentadas no filme como estritamente psicológicas, mas sim como consequência de uma educação e uma sociabilidade viciadas
Entretanto, um irmão de Herculano, Patrício (Paulo César Pereio), um malandro marginal desempregado que vive às custas de Herculano, resolve apresentar ao irmão uma bela e fogosa prostituta, Geni (Darlene Glória), que o faz regressar à vida e o enfeitiça com as suas ardentes sessões de amor e sexo. Herculano só sabe viver na dependência de uma mulher. Primeiro a legitima esposa que ele venera como “santa”, depois Geni, a prostituta que exige casamento para se continuar a entregar aos seus devaneios sexuais. Ambas o dominam e ele gosta de ser dominado. Como o seu filho Serginho (Paulo Sacks) gostará de ser dominado pelo ladrão boliviano (Orazir Pereira). Mas não antecipemos em demasia os acontecimentos desta delirante comédia de cunho social, onde perpassa uma certa ideia de libertação sexual.
A adaptação da peça ao cinema colocou alguns problemas geralmente bem resolvidos por Arnaldo Jabor que, como realizador, se mostra um inspirado autor de humor verrinoso, mas sempre comedido nos apontamentos, sem excessos escusados. O ambiente, social e urbano, é muito bem esboçado, os cenários são magníficos e ajudam de forma perfeita ao enquadramento das personagens, a fotografia explora muito bem este aspecto. Finalmente o elenco escolhido é de primeiríssima ordem. Paulo Porto e Darlene Glória, no par protagonista, oferecem uma lição de representar, com oscilações fulgurantes, cambiantes notáveis. Se o reprimido Herculano explode quando descobre as delicias do sexo selvagem, algo se muito semelhante ocorre com Geni que matiza o seu comportamento consoantes os interesses e a voz do seu coração, até ao desfecho final. Paulo César Pereio ´é brilhante como o malandro carioca, mas a representação é globalmente muito boa, característica igualmente de quase todos os filmes dirigidos por Arnaldo Jabor.


TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA
Título original: Toda Nudez Será Castigada

Realização: Arnaldo Jabor (Brasil, 1973); Argumento: Arnaldo Jabor, segundo peça teatral de Nelson Rodrigues; Produção: Roberto Farias, Nélio Freire, Arnaldo Jabor, Paulo Porto, Paulo Porto; Música: Astor Piazzolla; Fotografia (cor): Lauro Escorel; Montagem: Rafael Justo Valverde; Decoração: Régis Monteiro; Guarda-roupa: Régis Monteiro; Maquilhagem: Ronaldo Abreu; Direcção de Produção: Saul Lachtermacher, Abigail Pereira Nunes; Assistentes de realização: Emiliano Ribeiro; Som: Geraldo José,Alberto Vianna; Companhias de produção: Ipanema Filmes, Produções Cinematográficas R.F. Farias Ltda, Ventania Filmes; Intérpretes: Paulo Porto (Herculano), Darlene Glória (Gen), Elza Gomes (Tia), Paulo César Peréio (Patrício), Isabel Ribeiro (Tia mais jovem), Henriqueta Brieba (Tia), Sérgio Mamberti (gay), Orazir Pereira (Ladrão boliviano), Abel Pera (velho poeta, cliente), Paulo Sacks (Serginho), Hugo Carvana (Comissário), Waldir Onofre, Teresa Mitota, Orlando Bonfim, Saul Lachtermacher, etc. Duração: 102 minutos; Distribuição em Portugal: Versátil (Brasil) (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos.

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