TODA NUDEZ SERÁ
CASTIGADA (1973)
“Toda
a Nudez Será Castigada” parte de uma excelente peça teatral de Nelson
Rodrigues, inúmeras vezes encenada no Brasil e no estrangeiro, inclusive em
Portugal. Quem a adapta ao cinema foi Arnaldo Jabor, um dos mais importantes
nomes do chamado novo cinema brasileiro, companheiro de geração e de movimento
de Glauder Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Carlos Diegues, Ruy Guerra,
Joaquim Pedro de Andrade, entre outros. Foi em meados dos anos 60 do século XX
que este movimento emergiu com características muito próprias, de modernidade
estilística, de crítica social, de engajamento politico, de radicalismo de
propostas, algumas das quais profundamente enraizadas na cultura brasileira e
no tropicalismo (donde a utilização deste termo para caracterizar algumas
dessas obras iniciais desta corrente).
Arnaldo
Jabor (nascido a 12 de Dezembro de 1940, no Rio de Janeiro) surgiu na
longa-metragem, em 1967, com um documentário, “A Opinião Pública”, a que se
seguiram “Pindorama” (1970), este “Toda a Nudez Será Castigada” (1973), “O
Casamento” (1976), “Tudo Bem” (1978), “Eu te Amo” (1981), “Eu sei que Vou te
Amar” (1986), e “A Suprema Felicidade” (2010), seu último trabalho no cinema
até ao presente. Jabor dedica-se essencialmente à escrita, depois disso.
“Toda
Nudez Será Castigada” é uma crónica familiar de maus costumes, mas onde estes
maus costumes não são necessariamente os maus costumes que a sociedade
normalizada costuma causticar. A crítica dirige-se fundamentalmente ao
preconceito, ao puritanismo, à hipocrisia de certos princípios e valores de uma
sociedade obviamente pervertida e enclausurada em dogmas e mais valias morais
sem qualquer justificação.
Personagem
da classe média brasileira, vivendo confortavelmente numa velha casa do Rio de
Janeiro, Herculano (Paulo Porto) enviava e sente-se intimamente despedaçado e
exteriormente amordaçado por uma família que não dá tréguas ao luto. As três
tias e o filho impõem uma solidão total, uma clausura violenta, um silêncio austero,
uma vida social inexistente. Com a morte da mulher, aquela família deixa de
existir. Se as velhas tias se pautam por conceitos morais e religiosos
obsoletos, será ainda um pouco compreensivo, pela tradição onde vivem. Para o
filho do casal, esse luto que impõe regras desmedidas, só se compreende por um
dramático desvio psicológico e uma morbidez patológica. Obviamente que as
explicações não são apresentadas no filme como estritamente psicológicas, mas
sim como consequência de uma educação e uma sociabilidade viciadas
Entretanto,
um irmão de Herculano, Patrício (Paulo César Pereio), um malandro marginal
desempregado que vive às custas de Herculano, resolve apresentar ao irmão uma
bela e fogosa prostituta, Geni (Darlene Glória), que o faz regressar à vida e o
enfeitiça com as suas ardentes sessões de amor e sexo. Herculano só sabe viver
na dependência de uma mulher. Primeiro a legitima esposa que ele venera como
“santa”, depois Geni, a prostituta que exige casamento para se continuar a
entregar aos seus devaneios sexuais. Ambas o dominam e ele gosta de ser
dominado. Como o seu filho Serginho (Paulo Sacks) gostará de ser dominado pelo
ladrão boliviano (Orazir Pereira). Mas não antecipemos em demasia os
acontecimentos desta delirante comédia de cunho social, onde perpassa uma certa
ideia de libertação sexual.
A
adaptação da peça ao cinema colocou alguns problemas geralmente bem resolvidos
por Arnaldo Jabor que, como realizador, se mostra um inspirado autor de humor
verrinoso, mas sempre comedido nos apontamentos, sem excessos escusados. O
ambiente, social e urbano, é muito bem esboçado, os cenários são magníficos e
ajudam de forma perfeita ao enquadramento das personagens, a fotografia explora
muito bem este aspecto. Finalmente o elenco escolhido é de primeiríssima ordem.
Paulo Porto e Darlene Glória, no par protagonista, oferecem uma lição de
representar, com oscilações fulgurantes, cambiantes notáveis. Se o reprimido
Herculano explode quando descobre as delicias do sexo selvagem, algo se muito
semelhante ocorre com Geni que matiza o seu comportamento consoantes os
interesses e a voz do seu coração, até ao desfecho final. Paulo César Pereio ´é
brilhante como o malandro carioca, mas a representação é globalmente muito boa,
característica igualmente de quase todos os filmes dirigidos por Arnaldo Jabor.
TODA NUDEZ SERÁ
CASTIGADA
Título original: Toda
Nudez Será Castigada
Realização: Arnaldo Jabor
(Brasil, 1973); Argumento: Arnaldo Jabor, segundo peça teatral de Nelson
Rodrigues; Produção: Roberto Farias, Nélio Freire, Arnaldo Jabor, Paulo Porto,
Paulo Porto; Música: Astor Piazzolla; Fotografia (cor): Lauro Escorel;
Montagem: Rafael Justo Valverde; Decoração: Régis Monteiro; Guarda-roupa: Régis
Monteiro; Maquilhagem: Ronaldo Abreu; Direcção de Produção: Saul Lachtermacher,
Abigail Pereira Nunes; Assistentes de realização: Emiliano Ribeiro; Som:
Geraldo José,Alberto Vianna; Companhias de produção: Ipanema Filmes, Produções
Cinematográficas R.F. Farias Ltda, Ventania Filmes; Intérpretes: Paulo Porto (Herculano), Darlene Glória (Gen), Elza
Gomes (Tia), Paulo César Peréio (Patrício), Isabel Ribeiro (Tia mais jovem),
Henriqueta Brieba (Tia), Sérgio Mamberti (gay), Orazir Pereira (Ladrão
boliviano), Abel Pera (velho poeta, cliente), Paulo Sacks (Serginho), Hugo Carvana
(Comissário), Waldir Onofre, Teresa Mitota, Orlando Bonfim, Saul Lachtermacher,
etc. Duração: 102 minutos;
Distribuição em Portugal: Versátil (Brasil) (DVD); Classificação etária: M/ 12
anos.
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