O BOLERO DE RAQUEL (1957)
Cantinflas é
o mais popular actor cómico de todo o cinema latino-americano. Ignorado
nalgumas partes do mundo, onde os seus filmes não penetraram (nomeadamente em
certas zonas da Europa), é, todavia, célebre em países como Portugal e Espanha,
cujos públicos se identificam muito com a personagem por si criada e o estilo
de humor por si praticado.
Nascido na
Cidade do México, a 12 de Agosto de 1913, com o nome de Mário Fortino Alfonso
Moreno Reyes, Cantinflas era oriundo de uma família muito pobre. Tinha doze
irmãos e o seu primeiro emprego foi como engraxador, seguindo-se aprendiz de
toureiro, motorista de táxi e pugilista. A sua vida mudou quando, por volta dos
vinte anos, quando trabalhava como empregado num teatro popular, teve a
oportunidade de substituir o apresentador do espetáculo, que adoecera. Ao
inventar frases, trocar palavras, improvisar a seu belo prazer, Cantinflas,
conquistou o público. Passa pelo circo, faz tournées pelo México, exercita-se
em espectáculos de cabaret e de teatro e depois, a partir de 1936, aventura-se
no cinema, onde ergue uma figura inesquecível, que vai buscar influência a
Charlot, mas dele se desprendendo rapidamente, optando por características
próprias.
Em 1930, já
era o cómico mais famoso do país. Em 1934, conhecera a actriz Valentina
Subarev, com quem casou e teve o único filho, Mário Arturo Ivanova. Em 1936,
com uma ampla bagagem acumulada no circo, estreou-se no filme “Não Te Enganes,
Coração”, ao qual se seguiram “Na Minha Terra É Assim”, “Águila, o Sol” (1937)
e “O Signo da Morte” (1939). A consagração como ídolo popular opera-se em 1940,
com o filme “Aí Está o Detalhe”, em cuja última cena encerra um delirante
discurso que ultrapassa as convenções sociais. O sucesso deste filme possibilitou-lhe
fundar a companhia Posa Filmes que, com quase 50 filmes, bateu recordes de
bilheteira nas três décadas que se seguiram.
O seu humor,
essencialmente verbal, vive basicamente de trocadilhos e de uma divertida
charge à linguagem "difícil" empregue pelos novos-ricos que se querem
fazer passar por muito "cultos". São famosas algumas réplicas suas,
como "Pode-se compenetrar?", "sem erros de topografia",
"quero o banho frappé", "não abuse da minha candorosidade"
e tantas outras, como aquela que o liga à sua muito invulgar indumentária,
"mi gabardine". O seu discurso, desconexo, mas absolutamente
torrencial, subvertendo a lógica e a sintaxe, deve algo a Groucho Marx, mas é
igualmente desenvolvido por vias muito próprias, que roçam um outro discurso
latino, o do napolitano Tótó.
Personagem de
"descamisado" em busca de uma dignidade perdida, mas nunca negada,
Cantinflas impôs um "boneco" que se recorta com nitidez no quadro dos
grandes actores cómicos do cinema mundial, apesar de quase nunca ter sido
servido por realizadores interessantes. Na verdade, a sua filmografia mexicana
(muito mais interessante até inícios dos anos 60 do que posteriormente, onde se
nota um certo anquilosamento da figura e uma evidente falta de frescura)
encontra-se quase toda assinada por um anódino Miguel M. Delgado, que, na sua
ausência de ambições, acabou por ajudar mais o actor do que os grandes estúdios
norte-americanos que o tentaram aproveitar sem entender a personagem, em filmes
como "A Volta ao Mundo em 80 Dias", de Michael Anderson (1957) ou
"Pepe", de George Sidney (1960). Charlie Chaplin admirava-o
enormemente e chegou a dizer que “Cantinflas foi o maior actor cómico de
sempre”.
Conheceu
sempre grande sucesso em Portugal, onde os seus filmes se mantinham meses em
estreia. Visitou o nosso país para lançar um dos seus filmes, e conheceu uma
recepção eufórica. Morreu de cancro de pulmão, na cidade do México, em 20 de
Abril de 1993, com 81 anos. Dezenas de milhares de pessoas juntaram-se num dia
de chuva para o seu funeral, que durou três dias. Era enorme a popularidade de
Cantinflas, sobretudo nas classes populares.
Mais
recentemente foi editado entre nós, em cassetes vídeo, depois em DVD, numa
colecção, de venda directa, onde, até ao momento, se encontram disponíveis
vários títulos, todos rodados no México, e todos dirigidos pelo seu realizador
de serviço, Miguel M. Delgado: "Os Três Mosqueteiros (Los Tres
Mosqueteros, 1942); "Cantinflas Bombeiro Atómico (El Bombero Atómico,
1950);"O Mata Sete" (El Sietemachos, 1950);"Cantinflas à la
Minuta (El Señor Fotógrafo, 1952);"Cavalheiro Vagabundo" (Caballero a
la Medida, 1953);"Vôo de Asas Cortadas" (A Volar Jovem, 1954);
"O Bolero de Raquel" (El Bolero de Raquel, 1956); "Cantinflas,
Faz Tudo" (El Extra, 1962); "Entrega Imediata - O Espia XU 777"
(Entrega Enmediata, 1963); "Cantinflas, O Bom Pastor" (El Padrecito,
1964); "O Senhor Doutor" (El Señor Doctor, 1965); "As Minhas
Pistolas" (Por Mis... Pistolas!, 1967); "D.Quixote sem Mancha"
(Un Quijote sin Mancha, 1968); "O Catedrático" (El Profe, 1971);
"Às Ordens de Vosselência" (Conserje para Todo, 1973); "O
Ministro e Eu" (El Ministro Y Yo, 1975); "O Varredor" (El
Barrendero, 1982).
“El bolero de
Raquel”, datado de 1957, é um bom exemplo do seu humor e das suas preocupações
sociais. Rodado em Acapulco, serve-se de algumas das experiências de vida do
próprio Mario Moreno. Ele é engraxador e um dia, por morte de um amigo,
descobre-se como encarregado de educação de um miúdo e como suporte de uma
jovem mãe viúva. Para melhorar a sua qualidade de vida, vai frequentar uma
escola onde uma bela professora lhe dá aulas e volta à cabeça. Procura outros
empregos e vai passar por um night club onde acabará por dançar o “Bolero” que
dá nome ao filme. Infelizmente, o seu tipo de dança não é o mais apetecível
para os proprietários, que o despedem. A passagem pelos locais de veraneio de
Acapulco também não é muito bem recompensada, mas finalmente a sorte parece
sorrir a este pobre-diabo de coração de ouro.
“El bolero de Raquel” satiriza, como
sempre nos filmes deste actor, a vida das classes altas, dos ricos e dos
poderosos, pondo em destaque a dificuldade de existência de pobres e humildes.
Cantinflas vinha de rodar o seu filme de estreia em Hollywood, “A Volta ao
Mundo em 80 Dias”, e este seu regresso ao México foi saudado com um primeiro
lugar no Box Office do seu país natal. Mas causou alguma decepção ao actor,
pois os resultados não foram, apesar disso, os esperados.
O BOLERO DE RAQUEL
Título original: El bolero de Raquel
Realização: Miguel M.
Delgado (México,1957); Argumento: Daniel Jiménez, Jaime Salvador, Miguel M.
Delgado; Música: Raúl Lavista; Fotografia (cor): Gabriel Figueroa; Montagem:
Jorge Busto; Design de produção: Gunther Gerszo; Maquilhagem: Armando Meyer;
Direcção de Produção: Fidel Pizarro; Assistentes de realização: Mario Llorca;
Som: José B. Carles, James L. Fields, Galdino R. Samperio; Companhias de
produção: Posa Films; Intérpretes:
Cantinflas (El Bolero), Manola Saavedra (Raquel), Flor Silvestre (Leonor),
Paquito Fernández (Chavita), Daniel 'Chino' Herrera (Edelmiro), Mario Sevilla,
Alberto Catalá, Roberto Meyer, Elaine Bruce, Leonor Gómez, Erika Carlsson,
Roberto Corell, Pedro Elviro, Pablo Ferrel, Lidia Franco, Elodia Hernández,
John Kelly, Carlos León, Dina de León, Salvador Lozano, Manuel Trejo Morales,
Guillermo Álvarez Bianchi, etc. Duração:
101 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Pictures / Sony; Classificação
etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 31 de Outubro de 1957.
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