segunda-feira, 17 de outubro de 2016

SESSÃO 51 -18 DE OUTUBRO DE 2016


O BOLERO DE RAQUEL (1957)

Cantinflas é o mais popular actor cómico de todo o cinema latino-americano. Ignorado nalgumas partes do mundo, onde os seus filmes não penetraram (nomeadamente em certas zonas da Europa), é, todavia, célebre em países como Portugal e Espanha, cujos públicos se identificam muito com a personagem por si criada e o estilo de humor por si praticado.
Nascido na Cidade do México, a 12 de Agosto de 1913, com o nome de Mário Fortino Alfonso Moreno Reyes, Cantinflas era oriundo de uma família muito pobre. Tinha doze irmãos e o seu primeiro emprego foi como engraxador, seguindo-se aprendiz de toureiro, motorista de táxi e pugilista. A sua vida mudou quando, por volta dos vinte anos, quando trabalhava como empregado num teatro popular, teve a oportunidade de substituir o apresentador do espetáculo, que adoecera. Ao inventar frases, trocar palavras, improvisar a seu belo prazer, Cantinflas, conquistou o público. Passa pelo circo, faz tournées pelo México, exercita-se em espectáculos de cabaret e de teatro e depois, a partir de 1936, aventura-se no cinema, onde ergue uma figura inesquecível, que vai buscar influência a Charlot, mas dele se desprendendo rapidamente, optando por características próprias.
Em 1930, já era o cómico mais famoso do país. Em 1934, conhecera a actriz Valentina Subarev, com quem casou e teve o único filho, Mário Arturo Ivanova. Em 1936, com uma ampla bagagem acumulada no circo, estreou-se no filme “Não Te Enganes, Coração”, ao qual se seguiram “Na Minha Terra É Assim”, “Águila, o Sol” (1937) e “O Signo da Morte” (1939). A consagração como ídolo popular opera-se em 1940, com o filme “Aí Está o Detalhe”, em cuja última cena encerra um delirante discurso que ultrapassa as convenções sociais. O sucesso deste filme possibilitou-lhe fundar a companhia Posa Filmes que, com quase 50 filmes, bateu recordes de bilheteira nas três décadas que se seguiram.


O seu humor, essencialmente verbal, vive basicamente de trocadilhos e de uma divertida charge à linguagem "difícil" empregue pelos novos-ricos que se querem fazer passar por muito "cultos". São famosas algumas réplicas suas, como "Pode-se compenetrar?", "sem erros de topografia", "quero o banho frappé", "não abuse da minha candorosidade" e tantas outras, como aquela que o liga à sua muito invulgar indumentária, "mi gabardine". O seu discurso, desconexo, mas absolutamente torrencial, subvertendo a lógica e a sintaxe, deve algo a Groucho Marx, mas é igualmente desenvolvido por vias muito próprias, que roçam um outro discurso latino, o do napolitano Tótó.
Personagem de "descamisado" em busca de uma dignidade perdida, mas nunca negada, Cantinflas impôs um "boneco" que se recorta com nitidez no quadro dos grandes actores cómicos do cinema mundial, apesar de quase nunca ter sido servido por realizadores interessantes. Na verdade, a sua filmografia mexicana (muito mais interessante até inícios dos anos 60 do que posteriormente, onde se nota um certo anquilosamento da figura e uma evidente falta de frescura) encontra-se quase toda assinada por um anódino Miguel M. Delgado, que, na sua ausência de ambições, acabou por ajudar mais o actor do que os grandes estúdios norte-americanos que o tentaram aproveitar sem entender a personagem, em filmes como "A Volta ao Mundo em 80 Dias", de Michael Anderson (1957) ou "Pepe", de George Sidney (1960). Charlie Chaplin admirava-o enormemente e chegou a dizer que “Cantinflas foi o maior actor cómico de sempre”.
Conheceu sempre grande sucesso em Portugal, onde os seus filmes se mantinham meses em estreia. Visitou o nosso país para lançar um dos seus filmes, e conheceu uma recepção eufórica. Morreu de cancro de pulmão, na cidade do México, em 20 de Abril de 1993, com 81 anos. Dezenas de milhares de pessoas juntaram-se num dia de chuva para o seu funeral, que durou três dias. Era enorme a popularidade de Cantinflas, sobretudo nas classes populares.
Mais recentemente foi editado entre nós, em cassetes vídeo, depois em DVD, numa colecção, de venda directa, onde, até ao momento, se encontram disponíveis vários títulos, todos rodados no México, e todos dirigidos pelo seu realizador de serviço, Miguel M. Delgado: "Os Três Mosqueteiros (Los Tres Mosqueteros, 1942); "Cantinflas Bombeiro Atómico (El Bombero Atómico, 1950);"O Mata Sete" (El Sietemachos, 1950);"Cantinflas à la Minuta (El Señor Fotógrafo, 1952);"Cavalheiro Vagabundo" (Caballero a la Medida, 1953);"Vôo de Asas Cortadas" (A Volar Jovem, 1954); "O Bolero de Raquel" (El Bolero de Raquel, 1956); "Cantinflas, Faz Tudo" (El Extra, 1962); "Entrega Imediata - O Espia XU 777" (Entrega Enmediata, 1963); "Cantinflas, O Bom Pastor" (El Padrecito, 1964); "O Senhor Doutor" (El Señor Doctor, 1965); "As Minhas Pistolas" (Por Mis... Pistolas!, 1967); "D.Quixote sem Mancha" (Un Quijote sin Mancha, 1968); "O Catedrático" (El Profe, 1971); "Às Ordens de Vosselência" (Conserje para Todo, 1973); "O Ministro e Eu" (El Ministro Y Yo, 1975); "O Varredor" (El Barrendero, 1982).
“El bolero de Raquel”, datado de 1957, é um bom exemplo do seu humor e das suas preocupações sociais. Rodado em Acapulco, serve-se de algumas das experiências de vida do próprio Mario Moreno. Ele é engraxador e um dia, por morte de um amigo, descobre-se como encarregado de educação de um miúdo e como suporte de uma jovem mãe viúva. Para melhorar a sua qualidade de vida, vai frequentar uma escola onde uma bela professora lhe dá aulas e volta à cabeça. Procura outros empregos e vai passar por um night club onde acabará por dançar o “Bolero” que dá nome ao filme. Infelizmente, o seu tipo de dança não é o mais apetecível para os proprietários, que o despedem. A passagem pelos locais de veraneio de Acapulco também não é muito bem recompensada, mas finalmente a sorte parece sorrir a este pobre-diabo de coração de ouro.
“El bolero de Raquel” satiriza, como sempre nos filmes deste actor, a vida das classes altas, dos ricos e dos poderosos, pondo em destaque a dificuldade de existência de pobres e humildes. Cantinflas vinha de rodar o seu filme de estreia em Hollywood, “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, e este seu regresso ao México foi saudado com um primeiro lugar no Box Office do seu país natal. Mas causou alguma decepção ao actor, pois os resultados não foram, apesar disso, os esperados.



O BOLERO DE RAQUEL
Título original: El bolero de Raquel

Realização: Miguel M. Delgado (México,1957); Argumento: Daniel Jiménez, Jaime Salvador, Miguel M. Delgado; Música: Raúl Lavista; Fotografia (cor): Gabriel Figueroa; Montagem: Jorge Busto; Design de produção: Gunther Gerszo; Maquilhagem: Armando Meyer; Direcção de Produção: Fidel Pizarro; Assistentes de realização: Mario Llorca; Som: José B. Carles, James L. Fields, Galdino R. Samperio; Companhias de produção: Posa Films; Intérpretes: Cantinflas (El Bolero), Manola Saavedra (Raquel), Flor Silvestre (Leonor), Paquito Fernández (Chavita), Daniel 'Chino' Herrera (Edelmiro), Mario Sevilla, Alberto Catalá, Roberto Meyer, Elaine Bruce, Leonor Gómez, Erika Carlsson, Roberto Corell, Pedro Elviro, Pablo Ferrel, Lidia Franco, Elodia Hernández, John Kelly, Carlos León, Dina de León, Salvador Lozano, Manuel Trejo Morales, Guillermo Álvarez Bianchi, etc. Duração: 101 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Pictures / Sony; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 31 de Outubro de 1957.

Sem comentários:

Enviar um comentário