segunda-feira, 11 de julho de 2016

SESSÃO 31 - 6 DE JULHO DE 2016


SER OU NÃO SER (1942)

Ernst Lubitsch nasceu na Alemanha (Berlim, 1892) e inclui-se na longa lista de cineastas (e outras personalidades ligadas ao cinema) que emigraram da Europa para os EUA durante o período de gestação do nacional-socialismo no norte do Velho Continente. Em ondas sucessivas chegaram à América personalidades tão diversas quanto Fritz Lang, Conrad Veidt, William Wyler, Michael Curtiz, Marlene Dietrich, Greta Garbo, Billy Wilder, Fred Zinnemann, Otto Preminger, Joe May, Edgar G. Ulmer, Hedy Lamarr, Max Steiner, Peter Lorre, Richard Boleslavsky, William Dieterle, Rouben Mamoulian, Friedrich Murnau, Douglas Sirk, Charles Vidor, Josef von Sternberg, Erich von Stroheim, James Whale, entre tantas outras, provenientes do Norte e do Centro da Europa. Houve muitos outros, vindos das mais diversas origens europeias que também demandaram terras ianques para prosseguirem carreiras de relevo, o italiano Frank Capra, o inglês Alfred Hitchcock, o francês Jean Renoir, o grego Elia Kazan, o espanhol Luis Buñuel, para só citar alguns casos.
Ernst Lubitsch teve uma educação virada para o teatro, no Sophien Gymnasium, e dividia os seus dias entre a oficina de alfaiate do pai e as suas representações noctunas em cabarets e music-halls. Em 1911, reúne-se ao Deutsches Theater de célebre encenador e produtor Max Reinhardt, o que teve particular relevância na sua formação estética. Trabalhou ainda nos estúdios de cinema, Berlin's Bioscope, primeiro como actor de comédias, depois como realizador. Assina alguns sucessos ainda na Alemanha, como “Os Olhos da Múmia” (1918) ("The Eyes of the Mummy"), com Pola Negri, “Carmen” (1918), “Madame DuBarry” (1919) ou “A Princesa das Ostras” (1919) ("The Oyster Princess"). Aqui começa a lenda da sua particular propensão para um certo tipo de comédia sofisticada, com um humor muito especial, que se tornou conhecido sob a designação de "Lubitsch Touch". O que o leva a ser convidado para os estúdios norte-americanos, onde a combinação do seu talento e cultura, com o pragmatismo do sistema de Hollywood produziram pérolas inesquecíveis que o transformaram num dos mais lendários autores de comédias.


O primeiro filme em Hollywood foi interpretado por Mary Pickford, “Rosita, Cantora das Ruas” (1923), a que se seguiu “Os Perigos do Flirt” (1924). Depois é a vez de uma sucessão de grandes êxitos de bilheteira e de crítica, com títulos como “O Leque de Lady Margarida” (1925), “A Loucura do Charleston” (1926), “O Príncipe Estudante” (1927), “Parada do Amor” (1929), “Monte Carlo” (130), “O Tenente Sedutor” (1931), “O Homem Que Eu Matei” (1932), “Uma Hora Contigo” (1932), “Ladrão de Alcova” (1932), “Uma Mulher para Dois” (1933), “A Viúva Alegre” (1934), “O Anjo” (1937), “A Oitava Mulher do Barba Azul” (1938), “Ninotchka” (1939), “A Loja da Esquina” (1940), “No Que Pensam as Mulheres” (1941), “Ser ou Não Ser” (1942), “O Céu Pode Esperar” (1943), “O Pecado de Cluny Brown” (1946) ou “A Dama de Arminho” (1948), este o seu derradeiro filme, assinado de colaboração com Otto Perminger, que terá terminado as filmagens, por morte de Lubitsch. Este, que sofrera um forte ataque de coração em 1943, viria a falecer a 30 de Novembro de 1947, em Hollywood. Dois amigos, camaradas de profissão, emigrantes como ele, proferiram rápidos, mas incisivos, elogios fúnebres. Billy Wilder fez notar "No more Lubitsch" (“Perdemos Lubitsch”). William Wyler acrescentou "Worse than that - no more Lubitsch films" (“Pior do que isso – não haverá mais filmes de Lubitsch”). Não haverá mais filmes de Lubitsch, mas os que existem chegam e sobram para manter a reputação e matar saudades deste tipo de humor sofisticado e elegante, de uma ironia mordaz, que o digam as suas duas obras mais citadas, “Ninotchka” e “Ser ou não Ser”.
“To Be or Not To Be” é uma comédia com muito de autobiográfico. Recordações de Lubitsch enquanto elemento integrante de companhias de teatro na Alemanha, e receios e pesadelos do mesmo enquanto judeu alemão, refugiado da sinistra ditadura de Hitler. O filme foca a sua acção em Varsóvia, capital da Polónia, numa altura em que os alemães ameaçam invadir o país. Estamos em Agosto de 1939. Uma companhia teatral ensaia uma nova peça, “Gestapo”, parodiando Hitler e a sua política, mas a mesma é proibida pelo governo com receio de que “pode ofender Hitler”. A peça é suspensa, mas a Hitler ninguém faz censura e invade brutalmente a Polónia. A resistência polaca, no interior e no exterior do país, lança a oposição armada, numa altura em que um elemento colaboracionista, o professor Siletsky, ao serviço da Gestapo, tenta entregar aos alemães uma lista de resistentes polacos. Joseph Tura e a mulher, Maria Tura, primeiras figuras da companhia teatral, procuram por todos os meios fazer fracassar esses intentos, usando as suas capacidades de interpretação para se fazerem passar por nazis, entrando assim no quartel general das SS. 


Este fio de intriga permita a Lubitsch desenvolver um conjunto de situações divertidíssimas por um lado, enquanto por outro desafia o poderio nazi, tornado o filme, obviamente, um objecto proscrito em todos os territórios dominados pelas forças armadas germânicas. Em 1942, o cineasta dava-se ao luxo de produzir as suas próprias obras, através da sua produtora, a Romaine Film Corporation (An Ernst Lubitsch Production), o que faz com que tenha tido a maior liberdade para construir esta comédia que, tal como “O Grande Ditador”, de Chaplin, ousava enfrentar abertamente Hitler e o seu poder. Escrita pelo realizador, a pensar nos actores que interpretam os principais papéis, Jack Benny, um famoso comediante por esta altura, e Carole Lombard, uma das divas da cinematografia norte-americana, o filme conta ainda com alguns actores alemães, igualmente refugiados nos EUA, e que anteriormente tinham pertencido à companhia de Max Reinhardt.
O humor é inteligente e sarcástico. Quando as multidões gritam “Heil Hitler!”, surge Hitler, que levanta o braço na tradicional saudação e grita: “Heil me!”. Um dos momentos mais hilariantes do filme, passa-se durante o monólogo de “Hamlet”, quando Maria Tura recebe no seu camarim um jovem tenente seu fã incondicional, e Joseph Tura, no palco, recita o monólogo “To be or not to be”. Quando regressa aos bastidores, Joseph Tura está inconformado: “Aconteceu o que todos os actores temem: saiu um espectador durante a minha actuação!” O que vai acontecer todas as noites: o tenente sentado na segunda fila, quando ouve o início do monólogo salta da cadeira e dirige-se ao camarim da sua paixão. Mas o filme está repleto de bons momentos de cinema, de humor, de crítica vigorosa ao despotismo nazi. Num deles, um figurante da companhia que, no teatro, passa as noites a empunhar lanças, ou espadas, e durante a invasão germânica empunha uma pá para varrer a neve das ruas de Varsóvia, desforra-se e diante dos SS, guarda-costas de Hitler, recita finalmente o solilóquio de Shylock, exaltando a resistência aos ditadores.
Este filme, produzido em cima dos acontecimentos que critica, mostra bem o clima que o rodeia, a força da resposta dos que combatem a ignomínia dessa guerra devastadora. Mais tarde, em 1983, um outro judeu, Mel Brooks, interpreta com sucesso esta mesma obra, num remake dirigido por Alan Johnson, num elenco onde aparecem ainda Christopher Lloyd, José Ferrer, Charles Durning e Anne Bancroft. Muito interessante, mas longe da obra-prima de Lubitsch.


SER OU NÃO SER
Título original: To Be or Not to Be

Realização: Ernst Lubitsch (EUA, 1942); Argumento: Edwin Justus Mayer, segundo história de Melchior Lengyel e Ernst Lubitsch; Produção: Ernst Lubitsch; Música: Werner R. Heymann; Fotografia (p/b): Rudolph Maté; Montagem: Dorothy Spence; Casting: Victor Sutker; Design de produção: Vincent Korda; Decoração: Julia Heron; Maquilhagem: Gordon Bau; Direcção de Produção: Walter Mayo; Assistentes de realização: William McGarry, William Tummel; Departamento de arte: J. McMillan Johnson, Jack Caffey; Som: Frank Maher; Efeitos especiais: Lawrence W. Butler; Companhias de produção: Romaine Film Corporation (An Ernst Lubitsch Production); Intérpretes: Carole Lombard (Maria Tura), Jack Benny (Joseph Tura), Robert Stack (Tem. Stanislav Sobinski), Felix Bressart (Greenberg), Lionel Atwill (Rawitch), Stanley Ridges (Professor Siletsky), Sig Ruman (Cor. Ehrhardt), Tom Dugan (Bronski), Charles Halton (Produtor Dobosh), George Lynn (Actor), Henry Victor (Capit. Schultz), Maude Eburne (Anna), Halliwell Hobbes, Miles Mander, Rudolph Anders, Paul Barrett, Sven Hugo Borg, Peter Caldwell, Alec Craig, Helmut Dantine, Leslie Denison, James Finlayson, James Gillette, Leyland Hodgson, Shep Houghton, etc. Duração: 99 minutos; Distribuição em Portugal: Sonoro Filme (1946); Nacadah Video (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 15 de Novembro de 1946.

Lubitsch

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