ANNIE HALL (1977)
O
lado aparentemente confessional de “Annie Hall” (mas suficientemente equívoco,
nos limites entre o “confessado” e o “imaginado”, para se furtar a qualquer
interpretação mais abusiva) é algo que se vem repercutindo de filme para filme
de Woody Allen, desde “O Inimigo Público”. As alusões à infância, aos pais, à
vida em família, à desadaptação, aos traumas e às obsessões (a morte e o sexo,
em grande plano), tudo isso se identifica com um discurso que se vem
reproduzindo invariavelmente desde o início da carreira, ainda que obedecendo a
uma certa maturação progressiva.
“Annie
Hall” é a história de um casamento que se desagrega e cujo passado se
interroga. A impossibilidade das relações humanas, para lá do amor que
continuamente se confessa (“Annie Hall” é, por detrás do filme que se
representa, uma declaração de amor de Woody Allen a sua ex-mulher, Diane
Keaton). Sintoma de uma esquizofrenia domesticada e latente, que emerge de “uma
maneira americana de viver”, as personagens interpretadas por Woody Allen e
Diane Keaton oferecem-nos o retrato da sua instabilidade, do nervosismo
galopante que tudo invade e corrói, e dos subterfúgios inventados para desviar
a atenção do essencial, da aspirina à droga, da psicanálise à televisão. Com um
olhar de grande agressividade crítica na solidão dos seus gestos e no desespero
do seu olhar, Woody Allen investe contra a mentira da vida e a hipocrisia do
espectáculo, tendo por pano de fundo o “Face to Face”, de Bergman e “Chantons
sous l’Occupation”, de Ophuls. De Bergman, o confronto do casal que analisa as
ruínas; de Ophuls o drama do judeu que Allen não renega e constantemente
relembra.
Viagem
pelos grandes mitos da sociedade e da civilização norte-americanas, “Annie
Hall” é um filme de um humor cerebral, inferiorizado, discreto, que explode por
vezes, como nas sequências consagradas a Hollywood, Beverly Hills, Los Angeles,
o cinema das “majors” e a televisão (esta última tratada com a raiva que
provoca o vómito e o estertor).
Nesta
sua obra, Woody Allen não será tão freneticamente cómico como nalgumas outras
anteriores. Mas a qualidade do olhar amadurece com a experiência, enquanto o
estilo se torna mais fluente e a modernidade da narrativa brota sem artifícios
nem rebuscamentos. “Annie Hall” é um filme que se sente rodado na primeira
pessoa do singular. Um autor que se confessa, mesmo quando mente ou julga
mentir, quando inventa ou julga inventar. É Woody Allen quem nos surge sempre,
de olhos nos olhos, desafiando o espectador. Coloquial, como quando “saca”
Marshall McLuhan de detrás de um cartaz para contrapor a essência da sua teoria
às “explicações” levianas de um emproado “prof.”.
Se
a obra de Woody Allen nos aparecia até aqui particularmente rica e promissora,
a verdade é que muito se poderia continuar a esperar do talento e do universo
caótico desta humorista-moralista que, fotograma a fotograma, nos vai dando o
seu retrato da vida e da América. Acompanhado de cartas de amor, voluptuoso e
arrebatado. E como é belo o cinema que se escreve com amor, de Sternbeng a
Godard!
ANNIE HALL
Título original: Annie Hall
Realização: Woody Allen (EUA, 1977);
Argumento: Woody Allen, Marshall Brickman; Fotografia (cor):Gordon Willis;
Montagem: Wendy Greene Bricmont, Ralph Rosenblum; Casting: Juliet Taylor;
Direcção artística: Mel Bourne; Decoração: Robert Drumheller, Justin Scoppa
Jr.; Guarda Roupa: Ralph Lauren,Ruth Morley; Maquilhagem: Fern Buchner, Romaine
Greene, John Inzerella, Vivienne Walker; Direcção de produção: Robert Greenhut;
Assistentes de realização: Frederic B. Blankfein, C. Tad Devlin, Fred T. Gallo;
Departamento de Arte: Joseph Badalucco Jr., Barbara Krieger, Pat O'Connor,
Thomas Saccio, Cosmo Sorice, Joe Williams Sr.; Som: Jack Higgins, James
Pilcher, James Sabat, Dan Sable, William S. Scharf; Produção: Fred T. Gallo,
Robert Greenhut, Charles H. Joffe, Jack Rollins; Intérpretes: Woody
Allen (Alvy Singer), Diane Keaton (Annie Hall), Tony Roberts (Rob), Carol Kane
(Allison), Paul Simon (Tony Lacey), Shelley Duvall (Pam), Janet Margolin
(Robin), Colleen Dewhurst (Mama Hall), Christopher Walken (Duane Hall), Donald
Symington (Papa Hall), Helen Ludlam, Mordecai Lawner. Joan Neuman, Jonathan
Munk, Ruth Volner, Martin Rosenblatt, Hy Anzell, Rashel Novikoff, Russell
Horton, Marshall McLuhan, Christine Jones,Mary Boylan, Wendy Girard, John
Doumanian, Bob Maroff, Rick Petrucelli, Lee Callahan, Chris Gampel, Dick
Cavett, Mark Lenard, Dan Ruskin, John Glover, Bernie Styles, Johnny Haymer, Ved
Bandhu, John Dennis Johnston, Laurie Bird, Jim McKrell, Jeff Goldblum, William
Callaway, Roger Newman, Alan Landers, Tracey Walter, David Wier, Keith Dentice,
Susan Mellinger, Hamit Perezie, James Balter, Eric Gould, Amy Levitan, Gary
Allen, Frank Vohs, Sybil Bowan, Margaretta Warwick, Lucy Lee Flippin, Gary Mule
Deer, Sigourney Weaver, Walter Bernstein, Truman Capote, etc. ; Duração:
93 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): LNK; Classificação etária: M/ 12
anos; Estreia em Portugal: 30 de Março de 1978.
WOODY ALLEN
Filmografia / como
realizador:
1967: What's Up, Tiger Lilly? (Que Há de Novo Gatinha?)
(filme japonês de acção, assinado por Senkichi Taniguchi, recriado por W. A. Na
sua versão norte-americana); 1969: Take the Money and Run (O Inimigo Público);
1971: Bananas (Bananas); 1972: Everything You Always to Know About Sex, But
Were Afraid To Ask (O ABC do Amor); 1973: Sleeper (O Herói do Ano 2000); 1975:
Love and Death (Nem Guerra, Nem Paz); 1977: Annie Hall (Annie Hall); 1978:
Interiors (Intimidade); 1979: Manhattan (Manhattan); 1980: Stardust Memories
(Recordações); 1982: A Midsummer Night's Sex Comedy (Uma Comédia Sexual numa
Noite de Verão); 1983: Zelig (Zelig); 1984: Broadway Danny Rose (O Agente da
Broadway); 1985: The Purple Rose of Cairo (A Rosa Púrpura do Cairo); 1986:
Hannah and her Sisters (Ana e as Suas Irmãs); 1987: Radio Days (Os Dias da
Rádio); 1987: September (Setembro); 1988: Another Woman (Uma Outra Mulher);
1989: New York Stories (Histórias de Nova Iorque) (episódio "Oedipus
Wrecks"); 1989: Crimes and Misdemeanors (Crimes e Escapadelas); 1990:
Alice (Alice); 1991: Shadows and Fog (Sombras e Nevoeiro); 1992: Husbands and
Wives (Maridos e Mulheres); 1993: Manhattan Murder Mystery (O Misterioso
Assassínio em Manhattan); 1994: Bullets Over Broadway (Balas Sobre a Broadway);
1995: Mighty Aphrodite (Poderosa Afrodite); 1996: Everyone Says I Love You
(Toda a Gente Diz Que Te Amo); 1997: Deconstructing Harry (As Faces de Harry);
1998: Celebrity (Celebridades); 1999: Sweet and Lowdown (Através da Noite);
2000: Small Time Crooks (Vigaristas de Bairro); 2001: The Curse of Jade
Scorpion (A Maldição do Escorpião de Jade); The Concert for New York City (TV
documentário) (episódio "Sounds from the Town); Sounds from a Town I Love
(TV curta metragem); 2002: Hollywood Ending (Hollywood Ending); 2002: Anything
Else (Anything Else - A Vida e Tudo o Mais); 2004: Melinda and Melinda (Melinda
e Melinda); 2005: Match Point (Match Point); 2006: Scoop (Scoop); 2006: Home;
2007: Cassandra's Dream (O Sonho de Cassandra); 2008: Vicky Cristina Barcelona
(Vicky Cristina Barcelona); 2009: Whatever Works (Tudo Pode Dar Certo); 2010:
You Will Meet a Tall Dark Stranger (Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos);
2011: Midnight in Paris (Meia-Noite em Paris); 2012: To Rome with Love (Para
Roma com Amor); 2013: Blue Jasmine (Blue Jasmine); 2014: Magic in the Moonlight
(Magia ao Luar); 2015: Irrational Man (Homem Irracional); 2016: Café Society;
Projecto sem título de Woody Allen Project, série de tv em 6 episódios.
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