domingo, 17 de julho de 2016

SESSÃO 34 - 19 DE JULHO DE 2016


ANNIE HALL (1977)

O lado aparentemente confessional de “Annie Hall” (mas suficientemente equívoco, nos limites entre o “confessado” e o “imaginado”, para se furtar a qualquer interpretação mais abusiva) é algo que se vem repercutindo de filme para filme de Woody Allen, desde “O Inimigo Público”. As alusões à infância, aos pais, à vida em família, à desadaptação, aos traumas e às obsessões (a morte e o sexo, em grande plano), tudo isso se identifica com um discurso que se vem reproduzindo invariavelmente desde o início da carreira, ainda que obedecendo a uma certa maturação progressiva.
“Annie Hall” é a história de um casamento que se desagrega e cujo passado se interroga. A impossibilidade das relações humanas, para lá do amor que continuamente se confessa (“Annie Hall” é, por detrás do filme que se representa, uma declaração de amor de Woody Allen a sua ex-mulher, Diane Keaton). Sintoma de uma esquizofrenia domesticada e latente, que emerge de “uma maneira americana de viver”, as personagens interpretadas por Woody Allen e Diane Keaton oferecem-nos o retrato da sua instabilidade, do nervosismo galopante que tudo invade e corrói, e dos subterfúgios inventados para desviar a atenção do essencial, da aspirina à droga, da psicanálise à televisão. Com um olhar de grande agressividade crítica na solidão dos seus gestos e no desespero do seu olhar, Woody Allen investe contra a mentira da vida e a hipocrisia do espectáculo, tendo por pano de fundo o “Face to Face”, de Bergman e “Chantons sous l’Occupation”, de Ophuls. De Bergman, o confronto do casal que analisa as ruínas; de Ophuls o drama do judeu que Allen não renega e constantemente relembra.
Viagem pelos grandes mitos da sociedade e da civilização norte-americanas, “Annie Hall” é um filme de um humor cerebral, inferiorizado, discreto, que explode por vezes, como nas sequências consagradas a Hollywood, Beverly Hills, Los Angeles, o cinema das “majors” e a televisão (esta última tratada com a raiva que provoca o vómito e o estertor).


Nesta sua obra, Woody Allen não será tão freneticamente cómico como nalgumas outras anteriores. Mas a qualidade do olhar amadurece com a experiência, enquanto o estilo se torna mais fluente e a modernidade da narrativa brota sem artifícios nem rebuscamentos. “Annie Hall” é um filme que se sente rodado na primeira pessoa do singular. Um autor que se confessa, mesmo quando mente ou julga mentir, quando inventa ou julga inventar. É Woody Allen quem nos surge sempre, de olhos nos olhos, desafiando o espectador. Coloquial, como quando “saca” Marshall McLuhan de detrás de um cartaz para contrapor a essência da sua teoria às “explicações” levianas de um emproado “prof.”.
Se a obra de Woody Allen nos aparecia até aqui particularmente rica e promissora, a verdade é que muito se poderia continuar a esperar do talento e do universo caótico desta humorista-moralista que, fotograma a fotograma, nos vai dando o seu retrato da vida e da América. Acompanhado de cartas de amor, voluptuoso e arrebatado. E como é belo o cinema que se escreve com amor, de Sternbeng a Godard!


ANNIE HALL
Título original: Annie Hall
Realização: Woody Allen (EUA, 1977); Argumento: Woody Allen, Marshall Brickman; Fotografia (cor):Gordon Willis; Montagem: Wendy Greene Bricmont, Ralph Rosenblum; Casting: Juliet Taylor; Direcção artística: Mel Bourne; Decoração: Robert Drumheller, Justin Scoppa Jr.; Guarda Roupa: Ralph Lauren,Ruth Morley; Maquilhagem: Fern Buchner, Romaine Greene, John Inzerella, Vivienne Walker; Direcção de produção: Robert Greenhut; Assistentes de realização: Frederic B. Blankfein, C. Tad Devlin, Fred T. Gallo; Departamento de Arte: Joseph Badalucco Jr., Barbara Krieger, Pat O'Connor, Thomas Saccio, Cosmo Sorice, Joe Williams Sr.; Som: Jack Higgins, James Pilcher, James Sabat, Dan Sable, William S. Scharf; Produção: Fred T. Gallo, Robert Greenhut, Charles H. Joffe, Jack Rollins; Intérpretes: Woody Allen (Alvy Singer), Diane Keaton (Annie Hall), Tony Roberts (Rob), Carol Kane (Allison), Paul Simon (Tony Lacey), Shelley Duvall (Pam), Janet Margolin (Robin), Colleen Dewhurst (Mama Hall), Christopher Walken (Duane Hall), Donald Symington (Papa Hall), Helen Ludlam, Mordecai Lawner. Joan Neuman, Jonathan Munk, Ruth Volner, Martin Rosenblatt, Hy Anzell, Rashel Novikoff, Russell Horton, Marshall McLuhan, Christine Jones,Mary Boylan, Wendy Girard, John Doumanian, Bob Maroff, Rick Petrucelli, Lee Callahan, Chris Gampel, Dick Cavett, Mark Lenard, Dan Ruskin, John Glover, Bernie Styles, Johnny Haymer, Ved Bandhu, John Dennis Johnston, Laurie Bird, Jim McKrell, Jeff Goldblum, William Callaway, Roger Newman, Alan Landers, Tracey Walter, David Wier, Keith Dentice, Susan Mellinger, Hamit Perezie, James Balter, Eric Gould, Amy Levitan, Gary Allen, Frank Vohs, Sybil Bowan, Margaretta Warwick, Lucy Lee Flippin, Gary Mule Deer, Sigourney Weaver, Walter Bernstein, Truman Capote, etc. ; Duração: 93 minutos; Distribuição em Portugal (DVD): LNK; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 30 de Março de 1978.


WOODY ALLEN

Filmografia / como realizador: 1967: What's Up, Tiger Lilly? (Que Há de Novo Gatinha?) (filme japonês de acção, assinado por Senkichi Taniguchi, recriado por W. A. Na sua versão norte-americana); 1969: Take the Money and Run (O Inimigo Público); 1971: Bananas (Bananas); 1972: Everything You Always to Know About Sex, But Were Afraid To Ask (O ABC do Amor); 1973: Sleeper (O Herói do Ano 2000); 1975: Love and Death (Nem Guerra, Nem Paz); 1977: Annie Hall (Annie Hall); 1978: Interiors (Intimidade); 1979: Manhattan (Manhattan); 1980: Stardust Memories (Recordações); 1982: A Midsummer Night's Sex Comedy (Uma Comédia Sexual numa Noite de Verão); 1983: Zelig (Zelig); 1984: Broadway Danny Rose (O Agente da Broadway); 1985: The Purple Rose of Cairo (A Rosa Púrpura do Cairo); 1986: Hannah and her Sisters (Ana e as Suas Irmãs); 1987: Radio Days (Os Dias da Rádio); 1987: September (Setembro); 1988: Another Woman (Uma Outra Mulher); 1989: New York Stories (Histórias de Nova Iorque) (episódio "Oedipus Wrecks"); 1989: Crimes and Misdemeanors (Crimes e Escapadelas); 1990: Alice (Alice); 1991: Shadows and Fog (Sombras e Nevoeiro); 1992: Husbands and Wives (Maridos e Mulheres); 1993: Manhattan Murder Mystery (O Misterioso Assassínio em Manhattan); 1994: Bullets Over Broadway (Balas Sobre a Broadway); 1995: Mighty Aphrodite (Poderosa Afrodite); 1996: Everyone Says I Love You (Toda a Gente Diz Que Te Amo); 1997: Deconstructing Harry (As Faces de Harry); 1998: Celebrity (Celebridades); 1999: Sweet and Lowdown (Através da Noite); 2000: Small Time Crooks (Vigaristas de Bairro); 2001: The Curse of Jade Scorpion (A Maldição do Escorpião de Jade); The Concert for New York City (TV documentário) (episódio "Sounds from the Town); Sounds from a Town I Love (TV curta metragem); 2002: Hollywood Ending (Hollywood Ending); 2002: Anything Else (Anything Else - A Vida e Tudo o Mais); 2004: Melinda and Melinda (Melinda e Melinda); 2005: Match Point (Match Point); 2006: Scoop (Scoop); 2006: Home; 2007: Cassandra's Dream (O Sonho de Cassandra); 2008: Vicky Cristina Barcelona (Vicky Cristina Barcelona); 2009: Whatever Works (Tudo Pode Dar Certo); 2010: You Will Meet a Tall Dark Stranger (Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos); 2011: Midnight in Paris (Meia-Noite em Paris); 2012: To Rome with Love (Para Roma com Amor); 2013: Blue Jasmine (Blue Jasmine); 2014: Magic in the Moonlight (Magia ao Luar); 2015: Irrational Man (Homem Irracional); 2016: Café Society; Projecto sem título de Woody Allen Project, série  de tv em 6 episódios.

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