domingo, 30 de outubro de 2016

SESSÃO 53 - 1 DE NOVEMBRO DE 2016


O CLUBE (1985)

Os filmes de adolescentes, quer sejam em tom de paródia, quer em drama, ou mesmo nos terrenos do terror, são cada vez em maior número, tanto mais que cada vez mais são os adolescentes a assegurar as receitas nas salas de cinema. É verdade que os títulos que lhes prendem mais facilmente a atenção são os blockbusters em alta velocidade ou com heróis da Marvel, ou equivalentes, o que tem afastado compreensivelmente o público mais exigente das salas e a reservar a estas audiências de maior idade e rigor as salas de estar, frente aos écrans de televisão, onde se sucedem séries e teledramáticos muito mais interessantes.
É sobretudo desde os anos 70 que as comédias sobre teenagers e estudantes em férias ou algo parecido têm invariavelmente descaído de qualidade e de interesse na discussão dos problemas dessa faixa etária. Filmes como “Gelado de Limão”, “Porky’s”, “American Pie”, e sucedâneos levaram seguramente a que em 2001 surgisse um título curioso, mas que não infletia as propostas: “Oh, não, Outro Filme de Adolescentes” (Not Another Teen Movie). E nem obras com alguma originalidade, como “Doidos por Mary” (There is Something About Mary, 1998) conseguiam furtar-se a cenas de um evidente mau gosto, de uma escatologia vergonhosa ou de um voyeurismo sexual desajustado. Tudo vale para vender gato por lebre a essas plateias deseducadas, estética e culturalmente. O que interessa é facturar nas bilheiteiras, sem olhar a meios. O resultado deste fenómeno que se estende do cinema à televisão (e que que maneiras!) e às redes sociais está à vista de todos. Os jovens estão a ser sacrificados no altar do lucro fácil, sem que ninguém faça nada por o impedir.
Claro que há excepções e é isso mesmo que aqui nos traz. Por exemplo “Conta Comigo” (Stand by Me), de Rob Reiner (1986) é um excelente exemplo de filme de adolescentes, como também o é “Verão de 42” (Summer of ‘42), de Robert Mulligan (1971). Ou quase toda a filmografia de John Hughes que, desde finais da década de 70 até 2009 (ano da sua morte precoce), nos deu argumentos e realizações quase sempre empenhadas numa aproximação séria e apaixonada do mundo da adolescência, dos seus problemas e ambições, das frustrações e angústias, das alegrias e promessas.
“O Clube”, de 1985, é talvez o melhor exemplo (como escritor e realizador), mas toda a sua filmografia merece destaque pela seriedade como constroi a comédia. A sua série de comédias sobre adolescentes inicia-se em 1984, com “16 Primaveras” (Sixteen Candles), a que se seguem “O Clube” (The Breakfast Club), e ainda “Que Loucura de Mulher” (Weird Science, 1985) e “O Rei dos Gazeteiros” (Ferris Bueller's Day Off. 1986). Depois a sua carreira continua com comédias de um outro tipo, mas sempre com méritos acima da média: “Antes Só que Mal Acompanhado” (Planes, Trains and Automobiles. 1987), “A Vida não Pode Esperar” (She's Having a Baby, 1987), “O Meu Tio Solteiro” (Uncle Buck. 1988) e “A Pequena Endiabrada” (Curly Sue,1991). Falamos da carreira de Hughes como realizador mas, enquanto argumentista (assinou todos os argumentos das obras que dirigiu), escreveu muitas histórias para outros autores, nomeadamente “Sozinho em Casa”.


“O Clube” é um filme que trata os adolescentes de forma adulta, sem se referir a eles como idiotas apenas preocupados com sexo e drogas, violência e rebeldia. Estes adolescentes não são os grosseirões e mentecaptos do costume. Curiosamente todos estes temas estão presentes neste título, mas não da forma especulativa que a grande maioria dos filmes sobre o mesmo assunto o fazem. Aqui os temas são tratados com dignidade e complexidade, sem que, apesar disso, deixe de existir um tom de comédia, ainda que seja de admitir que se trata mais do tom de uma comédia dramática.
Cinco adolescentes são reunidos numa escola durante um fim-de-semana. Por uma razão ou por outra “portaram-se mal” durante a semana anterior e a escola, o equivalente a uma escola de ensino segundário em Portugal, reune-os para os obrigar a reflectir sobre o seu comportamento. Os pais vão conduzi-los à escola na manhã de sábado e irão recolhê-los no final do tempo de reclusão. Nesse intervalo, eles vão ser conduzidos a uma sala de aulas, onde ficarão sob vigilância de um professor, mas entregues a si próprios. Obviamente que de início de revoltam, cada um traz os estigmas da sua educação, a relação com os pais está longe de ser a melhor, mostram-se de início resistentes e hostis, lentamente vão amolecendo, falando, abrindo-se uns aos outros até atingirem um outro grau de sociabilidade. Problemas resolvidos? Nada disso. Apenas enfrentadas algumas situações e entrevsitas algumas soluções.
O filme vive de um argumento inteligente e sensível, impõe personagens verídicas na sua humanidade, afastando-se das caricaturas tradicionais e dos estereótipos abusivos, nas suas angústias e esperanças (que são poucas, diga-se) e apresenta uma galeria de tipos dificilmente esquecíveis, tal a força da sua presença, o que muito se deve ao grupo de actores reunido. Todos eles se tornaram profissionais, uns com maior destaque do que outros, mas cremos que “O Clube” continuará a ser para quase todos o momento supremo das suas carreiras. Um belo filme, uma comédia discreta e intimista que merece ser recordada e que perdura na memória de quem a viu.


O CLUBE
Título original: The Breakfast Club

Realização: John Hughes (EUA, 1985), Argumento: John Hughes; Produção: Gil Friesen, John Hughes, Michelle Manning, Andrew Meyer, Ned Tanen; Música: Keith Forsey; Fotografia (cor): Thomas Del Ruth; Montagem: Dede Allen; Casting. Jackie Burch; Design de produção: John W. Corso; Decoração: Jennifer Polito; Guarda-roupa: Marilyn Vance; maquilhagem: Ron Walters, Linle White; Direcção de Produção: John C. Chulay, Adam Fields, Richard Hashimoto; Assistentes de realização: Robert P. Cohen, James Giovannetti Jr.; Departamento de arte: Jack M. Marino, Paul Stanwyck, Ted Wilson;  Som: James R. Alexander, Charles L. Campbell, Larry Carow, Richard C. Franklin, Robert L. Hoyt, Nicholas Vincent Korda, Daniel J. Leahy, Jerry Stanford, John J. Stephens;  Efeitos especiais: William H. Schirmer; Companhias de produção: A&M Films, Channel Productions, Universal Pictures; Intérpretes: Emilio Estevez (Andrew Clark), Paul Gleason (Richard Vernon), Anthony Michael Hall (Brian Johnson), John Kapelos (Carl), Judd Nelson (John Bender), Molly Ringwald (Claire Standish), Ally Sheedy (Allison Reynolds), Perry Crawford (pai de Allison), Mary Christian (irmã de Brian), Ron Dean (pai de Andy), Tim Gamble (pai de Claire), Fran Gargano(mae de Allison, Mercedes Hall (mae de Brian), John Hughes (pai de Brian), etc. Duração: 97 minutos; Distribuição em Portugal: Universal; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 5 de Setembro de 1985.

domingo, 23 de outubro de 2016

SESSÃO 52 -25 DE OUTUBRO DE 2016



O HOMEM DAS CALÇAS PARDAS (1950)

“Ruggles of Red Gap”, como já se falou aquando da nossa conversa sobre a versão de 1935, dirigida por Leo McCarey com o fabuloso Charles Laughton, parte de um romance de Harry Leon Wilson, que conheceu grande sucesso por ocasião do seu lançamento, em 1915. No mesmo ano, subiu a cena numa adaptação teatral, em musical, com escrita da responsabilidade de Harrison Rhoades, poemas de Harold Atteridge e música de Sigmund Romberg. Estreada no Fulton Theater, precisamente no dia 25 de Dezembro, data festiva que se conciliava bem com o tom geral da obra. Conheceu 33 representações. Digamos que cumpriu a época de Natal e Ano Novo.
Também em cinema surgiram versões anteriores a essa, assinada por Leo McCarey, e uma posterior, ainda de boa qualidade, interpretada pelo popular Bob Hope, rodada em 1950, com o título “O Homem das Calças Pardas” (Fancy Pants), com direcção de George Marshall, contando igualmente no elenco com Lucille Ball e Bruce Cabot.
A versão de Bob Hope é muito diferente da de Charles Laughton. São actores de escolas diferentes, com características muito diversas. Bob Hope era um actor que se especializara num tipo de humor que tinha muito a ver com o entertainer. Muita da sua actividade passou-se entre shows de teatro, hotéis, rádio, televisão, vaudeville e obviamente no cinema. Foi o apresentador de maior longevidade a apresentar a cerimónia dos Oscars (creio que durante dezoito edições, o que é obra!).   
Leslie Townes Hope nasceu em Eltham, Reino Unido, a 29 de Maio de 1903, e viria a falecer, com 100 anos de idade, em Toluca Lake, Califórnia, a 27 de Julho de 2003. Filho de um canteiro de Weston-super-Mare e de uma cantora de opereta, Bob Hope tinha seis irmãos, viveu em Weston-super-Mare, em Whitehall e em St. George em Bristol, antes de a família se mudar para Cleveland, no Ohio, EUA, em 1907. Hope assumiu a cidadania norte-americana quando completou 17 anos. Foi boxeur, imagine-se!, com o nome de Packy Easte e parece que não teve grande sucesso. Participou em concursos a imitar Charles Chaplin, sendo notado por um comediante da época, Fatty Arbuckle, que o empregou a partir de 1925. Forma depois um grupo a que chamou "The Dancemedians", juntamente com as irmãs Hilton. Trabalha alguns anos no vaudeville e regressa a Nova Iorque e à Broadway, em musicais onde a crítica destaca o seu trabalho. Em meados da década de 30, vamos encontrá-lo em Hollywood, ingressa na Warner Brothers, primeiro em pequenos papéis, depois ganhando cada vez maior destaque.


Em 1938, em "The Big Broadcast of 1938", aparece a cantar "Thanks for the Memory", que se transforma num hit e que se torna um símbolo para Bob Hope. O actor e cantor assemelha-se progressivamente a uma lenda viva da América, incorporando alguns dos seus valores. Filmes como “Road to Singapore”, “Road to Zanzibar”, “Nothing But the Truth”, “My Favorite Blonde”, Road to Morocco”, “Star spangled rhythm”, “The Princess and the Pirate”, “Road to Utopia”, “My Favorite Brunette”, “Variety Girl”, “Road to Rio”, “The Paleface” ou “The Great Lover” ocuparam os anos 40, transformando-o num herói nacional que frequentou a Casa Branca durante a presidência de vários ocupantes (especialmente republicanos).
A sua popularidade prosseguiu até aos anos 70, com outras comédias de sucesso: “Fancy Pants”, “My Favorite Spy”,  “The Greatest Show on Earth”, “Son of Paleface”, “Road to Bali”, “Scared Stiff”, “Casanova's Big Night”, “Beau James”, “The Five Pennies”, “Bachelor in Paradise” ou “The Road to Hong Kong”. A série “Road to…” foi das mais célebres do cinema norte-americano por essas décadas. Trabalhou muito com Bing Crosby, e actrizes como Dorothy Lamour, Lucille Ball, Jane Russell, Joan Collins ou Katharine Hepburn. Depois, foi a televisão que o ocupou durante décadas. “Porque não abandonou o trabalhou e se dedicou à pesca?”, perguntaram-lhe um dia, quando ele já merecia uma reforma dourada. Ele respondeu “Porque os peixes não costumam rir”.


Nunca ganhou um Oscar relativo a um filme (o que justificou várias piadas suas durante as cerimónias de entrega das estatuetas), mas a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood honrou-o com diversos prémios, desde 1941 até 1966. A sua contribuição para o esforço da guerra, durante o período de 1941-1954, levou-o a vários espectáculos de apoio aos militares na frente do conflito.
“Fancy Pants” é um dos títulos representativos do seu período áureo no cinema. Na versão da peça e no filme de Norma McLeod, o mordomo era um lídimo mordomo inglês que era enviado a contragosto para o Oeste norte-americano. Na versão de Bob Hope o mordomo é um actor que interpreta o papel de mordomo numa peça e que é convencido a ir para o Oeste desempenhar o mesmo papel mas não no teatro, na vida real. Obviamente que os equívocos e as trapalhadas não se fazem esperar, mas, como quase sempre nestes casos, o aldrabão do comediante é um aprendiz ao lado de outros vigaristas que ele acabará por ajudar a destapar a careca. O filme foi concebido à medida do talento e das qualidades de Bob Hope, desenrola uma sucessão curiosa de sequências bem imaginadas que desencadeiam vagas de um humor inventivo e bem coordenado. Há algumas cenas de perseguições, nomeadamente numa caçada, que resistem bem à passagem do tempo e mostram como se mantém actual este tipo de comédia de situações, com o seu quê de crítica social.


O HOMEM DAS CALÇAS PARDAS
Título original: Fancy Pants

Realização: George Marshall (EUA, 1950); Argumento: Edmund L. Hartmann, Robert O'Brien, com contributos de Richard L. Breen, Monte Brice, Frank Butler, Barney Dean, Irving Elinson, Richard English, Richard Flournoy, Segundo história de Harry Leon; Produção: Robert L. Welch; Música: Van Cleave; Fotografia (cor): Charles Lang; Montagem: Archie Marshek; Direcção artística: Hans Dreier, A. Earl Hedrick; Decoração: Sam Comer, Emile Kuri; Guarda-roupa: Mary Kay Dodson, Gile Steele;  Maquilhagem: Wally Westmore; Direcção de Produção: C. Kenneth Deland; Assistentes de realização: Oscar Rudolph, Herbert Coleman, Michael D. Moore, James A. Rosenberger; Departamento de arte: Robert Goodstein, Joe Portillo; Som: Don Johnson, Gene Merritt; Efeitos visuais: Farciot Edouart, Gordon Jennings; Companhias de produção: Production Companies, Paramount Pictures; Intérpretes: Bob Hope (Humphrey), Lucille Ball (Agatha Floud), Bruce Cabot (Cart Belknap), Jack Kirkwood (Mike Floud), Lea Penman (Effie Floud), Hugh French (George Van Basingwell), Eric Blore (Sir Wimbley), Joseph Vitale (Wampum), John Alexander (Teddy Roosevelt), Norma Varden (Lady Maude), Virginia Keiley, Colin Keith-Johnston, Joe Wong, etc. Duração: 92 minutos; Distribuição em Portugal: Feel Films Espanha; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 15 de Junho de 1951.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

SESSÃO 51 -18 DE OUTUBRO DE 2016


O BOLERO DE RAQUEL (1957)

Cantinflas é o mais popular actor cómico de todo o cinema latino-americano. Ignorado nalgumas partes do mundo, onde os seus filmes não penetraram (nomeadamente em certas zonas da Europa), é, todavia, célebre em países como Portugal e Espanha, cujos públicos se identificam muito com a personagem por si criada e o estilo de humor por si praticado.
Nascido na Cidade do México, a 12 de Agosto de 1913, com o nome de Mário Fortino Alfonso Moreno Reyes, Cantinflas era oriundo de uma família muito pobre. Tinha doze irmãos e o seu primeiro emprego foi como engraxador, seguindo-se aprendiz de toureiro, motorista de táxi e pugilista. A sua vida mudou quando, por volta dos vinte anos, quando trabalhava como empregado num teatro popular, teve a oportunidade de substituir o apresentador do espetáculo, que adoecera. Ao inventar frases, trocar palavras, improvisar a seu belo prazer, Cantinflas, conquistou o público. Passa pelo circo, faz tournées pelo México, exercita-se em espectáculos de cabaret e de teatro e depois, a partir de 1936, aventura-se no cinema, onde ergue uma figura inesquecível, que vai buscar influência a Charlot, mas dele se desprendendo rapidamente, optando por características próprias.
Em 1930, já era o cómico mais famoso do país. Em 1934, conhecera a actriz Valentina Subarev, com quem casou e teve o único filho, Mário Arturo Ivanova. Em 1936, com uma ampla bagagem acumulada no circo, estreou-se no filme “Não Te Enganes, Coração”, ao qual se seguiram “Na Minha Terra É Assim”, “Águila, o Sol” (1937) e “O Signo da Morte” (1939). A consagração como ídolo popular opera-se em 1940, com o filme “Aí Está o Detalhe”, em cuja última cena encerra um delirante discurso que ultrapassa as convenções sociais. O sucesso deste filme possibilitou-lhe fundar a companhia Posa Filmes que, com quase 50 filmes, bateu recordes de bilheteira nas três décadas que se seguiram.


O seu humor, essencialmente verbal, vive basicamente de trocadilhos e de uma divertida charge à linguagem "difícil" empregue pelos novos-ricos que se querem fazer passar por muito "cultos". São famosas algumas réplicas suas, como "Pode-se compenetrar?", "sem erros de topografia", "quero o banho frappé", "não abuse da minha candorosidade" e tantas outras, como aquela que o liga à sua muito invulgar indumentária, "mi gabardine". O seu discurso, desconexo, mas absolutamente torrencial, subvertendo a lógica e a sintaxe, deve algo a Groucho Marx, mas é igualmente desenvolvido por vias muito próprias, que roçam um outro discurso latino, o do napolitano Tótó.
Personagem de "descamisado" em busca de uma dignidade perdida, mas nunca negada, Cantinflas impôs um "boneco" que se recorta com nitidez no quadro dos grandes actores cómicos do cinema mundial, apesar de quase nunca ter sido servido por realizadores interessantes. Na verdade, a sua filmografia mexicana (muito mais interessante até inícios dos anos 60 do que posteriormente, onde se nota um certo anquilosamento da figura e uma evidente falta de frescura) encontra-se quase toda assinada por um anódino Miguel M. Delgado, que, na sua ausência de ambições, acabou por ajudar mais o actor do que os grandes estúdios norte-americanos que o tentaram aproveitar sem entender a personagem, em filmes como "A Volta ao Mundo em 80 Dias", de Michael Anderson (1957) ou "Pepe", de George Sidney (1960). Charlie Chaplin admirava-o enormemente e chegou a dizer que “Cantinflas foi o maior actor cómico de sempre”.
Conheceu sempre grande sucesso em Portugal, onde os seus filmes se mantinham meses em estreia. Visitou o nosso país para lançar um dos seus filmes, e conheceu uma recepção eufórica. Morreu de cancro de pulmão, na cidade do México, em 20 de Abril de 1993, com 81 anos. Dezenas de milhares de pessoas juntaram-se num dia de chuva para o seu funeral, que durou três dias. Era enorme a popularidade de Cantinflas, sobretudo nas classes populares.
Mais recentemente foi editado entre nós, em cassetes vídeo, depois em DVD, numa colecção, de venda directa, onde, até ao momento, se encontram disponíveis vários títulos, todos rodados no México, e todos dirigidos pelo seu realizador de serviço, Miguel M. Delgado: "Os Três Mosqueteiros (Los Tres Mosqueteros, 1942); "Cantinflas Bombeiro Atómico (El Bombero Atómico, 1950);"O Mata Sete" (El Sietemachos, 1950);"Cantinflas à la Minuta (El Señor Fotógrafo, 1952);"Cavalheiro Vagabundo" (Caballero a la Medida, 1953);"Vôo de Asas Cortadas" (A Volar Jovem, 1954); "O Bolero de Raquel" (El Bolero de Raquel, 1956); "Cantinflas, Faz Tudo" (El Extra, 1962); "Entrega Imediata - O Espia XU 777" (Entrega Enmediata, 1963); "Cantinflas, O Bom Pastor" (El Padrecito, 1964); "O Senhor Doutor" (El Señor Doctor, 1965); "As Minhas Pistolas" (Por Mis... Pistolas!, 1967); "D.Quixote sem Mancha" (Un Quijote sin Mancha, 1968); "O Catedrático" (El Profe, 1971); "Às Ordens de Vosselência" (Conserje para Todo, 1973); "O Ministro e Eu" (El Ministro Y Yo, 1975); "O Varredor" (El Barrendero, 1982).
“El bolero de Raquel”, datado de 1957, é um bom exemplo do seu humor e das suas preocupações sociais. Rodado em Acapulco, serve-se de algumas das experiências de vida do próprio Mario Moreno. Ele é engraxador e um dia, por morte de um amigo, descobre-se como encarregado de educação de um miúdo e como suporte de uma jovem mãe viúva. Para melhorar a sua qualidade de vida, vai frequentar uma escola onde uma bela professora lhe dá aulas e volta à cabeça. Procura outros empregos e vai passar por um night club onde acabará por dançar o “Bolero” que dá nome ao filme. Infelizmente, o seu tipo de dança não é o mais apetecível para os proprietários, que o despedem. A passagem pelos locais de veraneio de Acapulco também não é muito bem recompensada, mas finalmente a sorte parece sorrir a este pobre-diabo de coração de ouro.
“El bolero de Raquel” satiriza, como sempre nos filmes deste actor, a vida das classes altas, dos ricos e dos poderosos, pondo em destaque a dificuldade de existência de pobres e humildes. Cantinflas vinha de rodar o seu filme de estreia em Hollywood, “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, e este seu regresso ao México foi saudado com um primeiro lugar no Box Office do seu país natal. Mas causou alguma decepção ao actor, pois os resultados não foram, apesar disso, os esperados.



O BOLERO DE RAQUEL
Título original: El bolero de Raquel

Realização: Miguel M. Delgado (México,1957); Argumento: Daniel Jiménez, Jaime Salvador, Miguel M. Delgado; Música: Raúl Lavista; Fotografia (cor): Gabriel Figueroa; Montagem: Jorge Busto; Design de produção: Gunther Gerszo; Maquilhagem: Armando Meyer; Direcção de Produção: Fidel Pizarro; Assistentes de realização: Mario Llorca; Som: José B. Carles, James L. Fields, Galdino R. Samperio; Companhias de produção: Posa Films; Intérpretes: Cantinflas (El Bolero), Manola Saavedra (Raquel), Flor Silvestre (Leonor), Paquito Fernández (Chavita), Daniel 'Chino' Herrera (Edelmiro), Mario Sevilla, Alberto Catalá, Roberto Meyer, Elaine Bruce, Leonor Gómez, Erika Carlsson, Roberto Corell, Pedro Elviro, Pablo Ferrel, Lidia Franco, Elodia Hernández, John Kelly, Carlos León, Dina de León, Salvador Lozano, Manuel Trejo Morales, Guillermo Álvarez Bianchi, etc. Duração: 101 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Pictures / Sony; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 31 de Outubro de 1957.

domingo, 9 de outubro de 2016

SESSÃO 50 -11 DE OUTUBRO DE 2016


TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA (1973)

“Toda a Nudez Será Castigada” parte de uma excelente peça teatral de Nelson Rodrigues, inúmeras vezes encenada no Brasil e no estrangeiro, inclusive em Portugal. Quem a adapta ao cinema foi Arnaldo Jabor, um dos mais importantes nomes do chamado novo cinema brasileiro, companheiro de geração e de movimento de Glauder Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Carlos Diegues, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, entre outros. Foi em meados dos anos 60 do século XX que este movimento emergiu com características muito próprias, de modernidade estilística, de crítica social, de engajamento politico, de radicalismo de propostas, algumas das quais profundamente enraizadas na cultura brasileira e no tropicalismo (donde a utilização deste termo para caracterizar algumas dessas obras iniciais desta corrente).
Arnaldo Jabor (nascido a 12 de Dezembro de 1940, no Rio de Janeiro) surgiu na longa-metragem, em 1967, com um documentário, “A Opinião Pública”, a que se seguiram “Pindorama” (1970), este “Toda a Nudez Será Castigada” (1973), “O Casamento” (1976), “Tudo Bem” (1978), “Eu te Amo” (1981), “Eu sei que Vou te Amar” (1986), e “A Suprema Felicidade” (2010), seu último trabalho no cinema até ao presente. Jabor dedica-se essencialmente à escrita, depois disso.
“Toda Nudez Será Castigada” é uma crónica familiar de maus costumes, mas onde estes maus costumes não são necessariamente os maus costumes que a sociedade normalizada costuma causticar. A crítica dirige-se fundamentalmente ao preconceito, ao puritanismo, à hipocrisia de certos princípios e valores de uma sociedade obviamente pervertida e enclausurada em dogmas e mais valias morais sem qualquer justificação.

Personagem da classe média brasileira, vivendo confortavelmente numa velha casa do Rio de Janeiro, Herculano (Paulo Porto) enviava e sente-se intimamente despedaçado e exteriormente amordaçado por uma família que não dá tréguas ao luto. As três tias e o filho impõem uma solidão total, uma clausura violenta, um silêncio austero, uma vida social inexistente. Com a morte da mulher, aquela família deixa de existir. Se as velhas tias se pautam por conceitos morais e religiosos obsoletos, será ainda um pouco compreensivo, pela tradição onde vivem. Para o filho do casal, esse luto que impõe regras desmedidas, só se compreende por um dramático desvio psicológico e uma morbidez patológica. Obviamente que as explicações não são apresentadas no filme como estritamente psicológicas, mas sim como consequência de uma educação e uma sociabilidade viciadas
Entretanto, um irmão de Herculano, Patrício (Paulo César Pereio), um malandro marginal desempregado que vive às custas de Herculano, resolve apresentar ao irmão uma bela e fogosa prostituta, Geni (Darlene Glória), que o faz regressar à vida e o enfeitiça com as suas ardentes sessões de amor e sexo. Herculano só sabe viver na dependência de uma mulher. Primeiro a legitima esposa que ele venera como “santa”, depois Geni, a prostituta que exige casamento para se continuar a entregar aos seus devaneios sexuais. Ambas o dominam e ele gosta de ser dominado. Como o seu filho Serginho (Paulo Sacks) gostará de ser dominado pelo ladrão boliviano (Orazir Pereira). Mas não antecipemos em demasia os acontecimentos desta delirante comédia de cunho social, onde perpassa uma certa ideia de libertação sexual.
A adaptação da peça ao cinema colocou alguns problemas geralmente bem resolvidos por Arnaldo Jabor que, como realizador, se mostra um inspirado autor de humor verrinoso, mas sempre comedido nos apontamentos, sem excessos escusados. O ambiente, social e urbano, é muito bem esboçado, os cenários são magníficos e ajudam de forma perfeita ao enquadramento das personagens, a fotografia explora muito bem este aspecto. Finalmente o elenco escolhido é de primeiríssima ordem. Paulo Porto e Darlene Glória, no par protagonista, oferecem uma lição de representar, com oscilações fulgurantes, cambiantes notáveis. Se o reprimido Herculano explode quando descobre as delicias do sexo selvagem, algo se muito semelhante ocorre com Geni que matiza o seu comportamento consoantes os interesses e a voz do seu coração, até ao desfecho final. Paulo César Pereio ´é brilhante como o malandro carioca, mas a representação é globalmente muito boa, característica igualmente de quase todos os filmes dirigidos por Arnaldo Jabor.


TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA
Título original: Toda Nudez Será Castigada

Realização: Arnaldo Jabor (Brasil, 1973); Argumento: Arnaldo Jabor, segundo peça teatral de Nelson Rodrigues; Produção: Roberto Farias, Nélio Freire, Arnaldo Jabor, Paulo Porto, Paulo Porto; Música: Astor Piazzolla; Fotografia (cor): Lauro Escorel; Montagem: Rafael Justo Valverde; Decoração: Régis Monteiro; Guarda-roupa: Régis Monteiro; Maquilhagem: Ronaldo Abreu; Direcção de Produção: Saul Lachtermacher, Abigail Pereira Nunes; Assistentes de realização: Emiliano Ribeiro; Som: Geraldo José,Alberto Vianna; Companhias de produção: Ipanema Filmes, Produções Cinematográficas R.F. Farias Ltda, Ventania Filmes; Intérpretes: Paulo Porto (Herculano), Darlene Glória (Gen), Elza Gomes (Tia), Paulo César Peréio (Patrício), Isabel Ribeiro (Tia mais jovem), Henriqueta Brieba (Tia), Sérgio Mamberti (gay), Orazir Pereira (Ladrão boliviano), Abel Pera (velho poeta, cliente), Paulo Sacks (Serginho), Hugo Carvana (Comissário), Waldir Onofre, Teresa Mitota, Orlando Bonfim, Saul Lachtermacher, etc. Duração: 102 minutos; Distribuição em Portugal: Versátil (Brasil) (DVD); Classificação etária: M/ 12 anos.

domingo, 2 de outubro de 2016

SESSÃO 49 - 4 DE OUTUBRO DE 2016


UM PEIXE CHAMADO WANDA (1988)

Interpretado, escrito e realizado por John Cleese, um dos principais membros do inspirado e irreverente grupo “Monty Python”, “Um Peixe Chamado Wanda” conta ainda no argumento e na realização com a colaboração de um veterano do cinema inglês, Charles Crichton, autor, entre outros, de “Roubei Um Milhão” (The Lavender Hill Mob, 1951), um dos grandes clássicos da comédia da época dos Ealing Studios.
Com estes pergaminhos atrás “Um Peixe Chamado Wanda” afirma-se como uma das mais bem conseguidas comédias de finais do século XX saídas dos estúdios do Reino Unido. Em termos económicos conseguiu um feito memorável, recolhendo de receitas mais de 200 milhões de dólares na sua viagem pelos écrans mundiais. Para um filme que custou 7,5 milhões não se pode dizer que tenha sido um mau negócio. Mas, para lá destes resultados, a verdade é que o filme não só foi de inteiro agrado das grandes plateias como ainda por cima justificou os maiores encómios da parte da crítica especializada. Esta paródia ao filme de acção de mistura com a comédia de bulevard com um toque sentimental e uns pozinhos de erotismo qb acaba por satisfez ao mais exigentes em matéria de comédia, numa altura em que, infelizmente, eram mais os exemplos de perfeitas nulidades repletas de ordinarices primárias do que obras com apelos directos à inteligência, à sensibilidade, ao sentido crítico e à criatividade do próprio espectador.
George Thomason (Tom Georgeson), juntamente com três cúmplices, ensaia um grande roubo de joias. Os acólitos são o seu braço direito, também inglês, Ken Pile (Michael Palin), um grande amigo dos animais e possuidor de um aquário que é a menina dos seus olhos, onde nada um peixe chamado wanda, e dois americanos, a sensual e traiçoeira Wanda Gershwitz (Jamie Lee Curtis) e um antigo agente da CIA, Otto West (Kevin Kline), um idiota convencido que é intelectual porque leu Nietzsche, mas que detesta que lhe chamem estupido. O que acontece com frequência. Até lhe dizerem que é tão estúpido que julga que “The London Underground é um movimento político”.

Todos idealizam um roubo perfeito, não fora uma velhinha que passava ter identificado George, e os companheiros de assalto o terem denunciado à policia que o prende. Depois é cada um por si, a queres ficar com o produto do roubo sem que os outros o percebam. Pelo meio a chave que abre o cofre onde se encontram as joias vai para ao aquário e Otto num momento de tortura psicológica único, vai comento os peixes de Ken Pile até este lhe indicar o local onde se esconde a chave. Até aqui não apareceu John Cleese, mas não nos esquecemos do protagonista. Ele é o emproado e convencido advogado Archibald Leach, que Wanda Gershwitz seduz para conseguir alguns segredos. Posto isto tudo continuaria a rolar desde que Otto, que não é estupido, e também não é irmão de Wanda como faz supor, mas sim seu amante, se deixasse de ciumeiras estupidas quando descobre a sua escaldante amada nos braços do advogado procurando extrair informações de uma forma muito ousada.
A ganância é desde sempre um dos temas mais constantes da comédia. Em todas as formas de narrativa. No romance e no teatro (não esquecer Molière!). Aqui volta a funcionar em pleno. É a cobiça e a total falta de cumplicidade ou solidariedade que tramam este grupo de assaltantes. O filme consegue um excelente ritmo de situações divertidas que se sucedem (de tal forma que, durante uma projecção na Dinamarca, um espectador sucumbiu de tanto rir) sendo de sublinhar o trabalho dos actores, todos eles magníficos, com especial incidência no caso de Kevin Kline que ganhou o Oscar de Melhor Ator Secundário (O filme conquistou ainda mais duas nomeações, para a realização e o argumento). Para lá de John Cleese, também Michael Palin faz parte do grupo Monty Python. Como curiosidades fiansi, diga-se que a personagem interpretada por John Cleese se chama Archie Leach para homenagear o actor americano Cary Grant, cujo nome de baptismo era esse, e que a filha de Archie Leach, Portia, é interpretada pela verdadeira filha de John Cleese, Cynthia Cleese, que aparece creditada como Cynthia Caylor.


UM PEIXE CHAMADO WANDA
Título original: A Fish Called Wanda

Realização: Charles Crichton, John Cleese (este não creditado) (Inglaterra, EUA,1988); Argumento: John Cleese, Charles Crichton; Produção: Steve Abbott, John Cleese, John Comfort, Michael Shamberg; Música: John Du Prez; Fotografia (cor): Alan Hume; Montagem: John Jympson; Casting: Priscilla John; Design de produção: Roger Murray-Leach; Direcção artística: John Wood; Decoração: Stephenie McMillan; Guarda-roupa: Hazel Pethig; Maquilhagem: Lynda Armstrong, Paul Engelen, Barry Richardson; Assistentes de realização: Jonathan Benson, Melvin Lind, David Skynner; Departamento de arte: Leon Apsey, Bruce Bigg, Roy Evans, Brian Read, Alfie Smith; Som: Jonathan Bates, Gerry Humphreys, Chris Munro, Andrew Sissons, Colin Wood; Efeitos especiais: George Gibbs; Efeitos visuais: Alan Church, Simon Margetts; Companhias de produção: Metro-Goldwyn-Mayer, Prominent Features, Star Partners Limited;  Intérpretes: John Cleese (Archie Leach), Jamie Lee Curtis (Wanda Gershwitz), Kevin Kline (Otto), Michael Palin (Ken Pile), Maria Aitken (Wendy), Tom Georgeson (Georges Thomason), Patricia  (Mrs. Coady), Geoffrey Palmer (Juiz), Cynthia Cleese (Portia), Mark Elwes, Neville Phillips, Peter Jonfield, Ken Campbell, Al Ashton, Roger Hume, Roger Brierley, Llewellyn Rees, Michael Percival, Kate Lansbury, Robert Ian Mackenzie, Andrew MacLachlan, Roland MacLeod, Jeremy Child, Pamela Miles, Tom Pigott Smith, Katherine John, Sophie Johnstone, Kim Barclay, Sharon Twomey, Patrick Newman, David Simeon, Imogen Bickford-Smith, Tia Lee, Stephen Fry, etc. Duração: 108 minutos; Distribuição em Portugal: MGM; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 3 de Fevereiro de 1989.