DOM CAMILO (1952)
“Le
Petit Monde de Don Camillo”, de Giovanni Guareschi, é o romance de onde parte
este filme de Julien Duvivier, que iria afirmar-se como um enorme sucesso de
bilheteira e de popularidade, em França e Itália, países produtores, mas
igualmente um pouco por todo o mundo, dando origem a uma série de continuações,
protagonizadas pelos dois principais intérpretes, Fernandel (Don Camillo) e
Gino Cervi (Peppone). “Don Camilo”, de 1952, é o título de arranque, a que se
seguem “Le Retour de Don Camillo” (O Regresso de Dom Camilo), de novo assinado
por Julien Duvivier (1953), “La Grande Bagarre de Don Camillo” ou “Don Camillo
e l'on. Peppone” (Dom Camilo e as Eleições), de Carmine Gallone (1955), “Don
Camillo Monseigneur” ou "Don Camillo monsignore... ma non troppo"
(Dom Camilo, Monsenhor), outra vez de Carmine Gallone (1961) e “Don Camillo en
Russie” ou "Il compagno Don Camillo" (Dom Camilo na Rússia), de Luigi
Comencini (1966). Outro título se anunciava com a mesma dupla, “Don Camillo e i
giovani d'oggi” ou “Don Camillo et les Contestataires” (1972), com realização
de Christian-Jacque, mas por doença, e posterior morte, de Fernandel, os
protagonistas foram substituídos. Este filme acabaria por ser dirigido por
Mario Camerini, tendo como principais intérpretes Gastone Moschin e Lionel
Stander, respectivamente os novos rostos de Don Camilo e Peppone. Sem o mesmo
sucesso da dupla inicial. Mais infeliz ainda foi a recuperação ensaiada em
1984, com um “Don Camillo”, dirigido e interpretado por Terence Hill, que tinha
como Peppone Colin Blakely. Em televisão, também houve algumas tentativas, em
série, uma brasileira, de 1957, “Pequeno Mundo de D. Camilo”, com Dionísio
Azevedo, Heitor de Andrade e Chico de Assis, outra inglesa, de 1981, “The
Little World of Don Camillo”, interpretada por Mario Adorf e Brian Blessed.
Falando
de Giovanni Guareschi (1908-1968) teremos de salientar o facto de este
jornalista e romancista italiano se ter tornado mundialmente célebre com a sua
série de obras de ficção baseada nas personagens de Don Camillo e Peppone. O
primeiro romance surgiu em 1948 e rapidamente se transformou num bestseller
internacional, o que foi ampliado pela sua adaptação ao cinema. Seguiram-se
algumas sequelas: “Don Camillo retorno” (1951), “Don Camillo e il suo gregge”
(1953), ou “Il compagno Don Camillo” (1963), e ainda, publicadas já a título
póstumo, “Don Camillo e i giovani d'oggi” (1969), “Gente così (it)” (1983) e
“Lo spumarino pallido” (1984). Guareschi publicou ainda outros romances
humorísticos. Sendo um dos escritores mais populares em todo o mundo neste
período, não se furtou a uma polémica que lhe denegriu a imagem: foi acusado de
ter assinado um manifesto de apoio público às leis racistas do governo fascista
de Mussolini. Mas nunca se provou que tivesse sido ele próprio a assinar o
manifesto. A controvérsia manteve-se, apesar de ter pertencido à Resistência.
Nascido
na região da Emília-Romanha situada no norte de Itália, em Fontanelle,
Roccabianca, na província de Parma, foi nessa zona que localizou a acção dos
seus romances dedicados a Don Camilo. “Numa pequena localidade entre o rio Pó e
os Apeninos”. O escritor declarou: “por detrás de “Don Camillo”, está a minha
casa, Parma, a planície ao longo do rio Pó, ou a paixão política exasperada,
onde o povo se mantinha todavia sedutor, generoso, hospitaleiro e cheio de
humor”.
“Don
Camilo” vive do conflito permanente que se estabelece entre Don Camilo, um
pároco de aldeia a quem Jesus diz que “as mãos foram concebidas para orar, não
para lutar” e a que ele responde em surdina, “mas os pés não”, e Peppone, o
presidente da Câmara, comunista, triunfador das eleições de 1946. Se Peppone
organiza um comício na praça central, Don Camilo vai tocar os sinos da sua
igreja para que os discursos não se ouçam. Se um organiza um armazém de armas e
pólvora, o outro faz as munições irem pelo ar. Se um quer inaugurar um Jardim
Infantil, o outro quer erguer uma “Casa do Povo”. E não falta mesmo um Romeu e
Juieta divididos por famílias que se detestam, uma comunista ferrenha e pobre,
a outra beata e rica. Mas tudo acaba em harmonia, pois Don Camilo e Peppone são
faces de uma mesma moeda, o povo italiano, e ambos querem o melhor para os seus
rebanhos, tanto mais que ambos se conhecem desde criança. O filme reflete o
ambiente vivido em Itália (mas também em França) depois do fim da II Guerra
Mundial, quando o Partido Comunista ganhou uma notória influência que a
Resistência lhe trouxe, mas olhado sempre com desconfiança, mesmo algo mais,
por grande parte da população. A direita religiosa e a alta finança temiam o
poder desta esquerda que lhe iria retirar privilégios, enquanto alguns outros
quadrantes da sociedade, mais esclarecidos, não desculpavam alguns crimes
cometidos pelos bolcheviques, sobretudo na época de Estaline.
O
filme é bem construído e desenvolvido, com algumas sequências muito divertidas,
magnificamente interpretado por Fernandel e Gino Cervi. Ambos erguem duas
personagens inesquecíveis. Fernandel, no auge da sua popularidade e no domínio
perfeito de um talento invulgar, compõe uma figura de pároco truculento, muito
senhor do seu nariz, que “fala” com o seu Cristo no interior da igreja e
questiona Peppone a toda a hora.
Julien
Duvivier (1896-1967), o realizador, foi
um daqueles cineastas que a “nouvelle vague” anatematizou, com a designação de
“cineasta de papa”, o que nalguns casos se revelou uma injustiça. Julien
Duvivier é um desses casos. “Golem”, “La Belle
Équipe”, “Pépé le Moko”, “Un carnet de bal”, “La Fin du jour”, “Panique”,
“Voici le temps des assassins”, “Sous le ciel de Paris” ou este “Le Petit Monde
de Don Camillo” são obras dignas de apreço, cotando entre o que de melhor o
cinema francês produziu nas décadas de 30-50.
DOM CAMILO
Título original: Don
Camillo
Realização: Julien Duvivier
(França, Itália, 1952); Argumento: Julien Duvivier, René Barjavel, Oreste,
segundo romance de Giovanni Guareschi; Produção: Giuseppe Amato, Robert
Chabert, Angelo Rizzoli, Marcel Roux; Música: Alessandro Cicognini; Fotografia
(p/b): Nicolas Hayer; Montagem: Maria Rosada; Direcção artística: Virgilio
Marchi; Decoração: Ferdinando Ruffo; Maquilhagem: Leandro Marini; Direcção de
Produção: Piero Cocco, Roberto Cocco, Romano Dandi; Assistentes de realização:
Alberto Cardone, Serge Vallin; Departamento de arte: Italo Tomass; Som: Bruno
Brunacci, Jacques Carrère, Maurice Laroche; Companhias de produção: Produzione
Film Giuseppe Amato (Rizzoli - Amato), Rizzoli Editore (Rizzoli - Amato),
Francinex; Intérpretes: Fernandel
(Don Camillo), Gino Cervi (Giuseppe 'Peppone' Bottazzi), Vera Talchi (Gina
Filotti), Franco Interlenghi (Mariolino della Bruciata), Sylvie (Signora
Cristina), Charles Vissières, Clara Auteri Pepe, Italo Clerici, Peppino De
Martino, Carlo Duse, Manuel Gary, Leda Gloria, Luciano Manara, Armando
Migliari, Giovanni Onorato, Franco Pesce, Mario Siletti, Olga Solbelli, Marco
Tulli, Gualtiero Tumiati, Saro Urzì, Giorgio Albertazzi, Emilio Cigoli, Barbara
Florian, Dina Romano, Ruggero Ruggeri, etc. Duração: 107 minutos; Distribuição em Portugal: Tribanda / Estevez
Seven Lda; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 27 de
Abril de 1953.
FERNANDEL (1903-1971)
Fernand-Joseph-Désiré
Contandin, mais conhecido simplesmente por Fernandel, nasceu em Marselha, a 8
de Maio de 1903 e morreu em Paris a 26 de Fevereiro de 1971. Filho de Denis
Contandin, cantor e actor amador, e de Désirée Bédouin, também actriz amadora,
cedo se tornou notado pelos seus dotes para o espectáculo. Ganhou na sua terra
natal um concurso para jovens cantores no teatro Châtelet. Passa por diversos
empregos sem, todavia, se estabelecer nalgum. O seu interesse era a canção, o music-hall,
o teatro. Em Outubro de 1926, Fernandel começa a cantar nos inícios das sessões
de cinema no Odéon de Marseille. Em 1928, chega a Paris, ao Bobino, e o sucesso
dá-lhe um contrato de 19 semanas no circuito de cinemas Pathé de Paris. A
carreira ascendente não pára mais. Passa pelo Élysée-Palace de Vichy e depois
pelo Casino de Paris e pelo teatro Mogador. Canta e interpreta números cómicos
e é aí que será descoberto pelo realizador Marc Allégret, que lhe oferece um
papel no filme de Sacha Guitry “Le Blanc et le Noir”, que assinala assim a sua
estreia no cinema, em 1930. Jean Renoir contrata-o para o colocar ao lado de
Michel Simon, em “On purge bébé”, segundo peça de Georges Feydeau. Contracena
com Jean Gabin em “Cœur de lilas”. Em 1932, é
protagonista de “Le Rosier de madame Husson”, de Dominique Bernard-Deschamps.
Os sucessos começam a suceder-se: “Un de la légion et François Ier”, de
Christian-Jacque (1936), ou “Angèle” (1934), “Regain” (1937), “Le Schpountz”
(1938), “La Fille du puisatier” (1940), e “Topaze” (1951), todos de Marcel
Pagnol. Com
a II Guerra Mundial, é mobilizado, e canta canções como “Francine” (1939),
denunciando a propaganda alemã. Após o fim do conflito, e durante a década de
50, surgem novos filmes inesquecíveis: “L'Auberge rouge” (1951), de Claude
Autant-Lara, “Ali Baba et les Quarante voleurs” (1954), de Jacques Becker, e
“La Vache et le Prisonnier” (1959), de Henri Verneuil. Mas é sobretudo com a
série “Don Camillo”, adaptada de obras de Giovannino Guareschi, que se torna a
vedeta nº 1 do cinema francês, com um índice de popularidade invulgar: “Le
Petit Monde de don Camillo” (1951) e “Le Retour de don Camillo” (1953) de
Julien Duvivier, “La Grande Bagarre de don Camillo” (1955), “Don Camillo
Monseigneur” (1961), “Don Camillo en Russie” (1965) e “Don Camillo et les
Contestataires”, que começa a rodar em 1970, mas que abandona por doença. Morre
de cancro no ano seguinte. Fernandel, ao lado de Louis de Funès, Bourvil e Jean
Gabin, foi dos actores que levou mais espectadores às salas francesas. Mais de
202 milhões entre 1945 e 1970. Em 18 de janeiro de 1953, quando se encontrava
em Roma, o Papa Pio XII convida-o a ir ao Vaticano, para ele conhecer o “padre
mais falado da cristandade, depois do Papa”. Realizou 3 filmes, “Simplet” (1942), “Adrien” (1943) e “Adhémar ou le Jouet
de la fatalité” (1951). Em
1963 funda com Jean Gabin a sociedade produtora “Gafer15”, cujo primeiro filme
foi “L'Âge ingrat”, de Gilles Grangier. O general Charles de Gaulle disse um
dia que Fernandel era o único francês tão conhecido como ele em todo o mundo. O
escritor Marcel Pagnol declarou que “ele era um dos maiores e dos mais célebres
actores do seu tempo, só comparável a Charlie Chaplin”.
Filmografia essencial / Como actor (de um conjunto de 156
títulos): 1931: Branco e Negro (Le blanc et le noir), de Marc
Allégret, Robert Florey; On purge bébé, de Jean Renoir; 1932: Le Rosier de
Madame Husson, de Dominique Bernard-Deschamps; 1937: François Premier (Sonho de
Grandeza), de Christian-Jaque; Un carnet de bal (Um Carnet de Baile), de Julien
Duvivier; 1938: Le Schpountz (Schpountz, o anjinho), de Marcel Pagnol; 1940: La
Fille du puisatier, de Marcel Pagnol; 1944: Un chapeau de paille d’Italie
(Chapéus há Muitos), de Maurice Cammage; 1951: Topaze (Topázio), de Marcel
Pagnol; 1951: Tu m’as sauvé la vie, de Sacha Guitry; L’Auberge Rouge (Estalagem
Sangrenta), de Claude Autant-Lara; 1952: Don Camillo (Dom Camilo), de Julien
Duvivier; 1953: Le Boulanger de Valorgue (O Padeiro de Valorgue), de Henri
Verneuil; Le retour de Don Camillo (O Regresso de D. Camilo), de Julien
Duvivier; 1954: Ali Baba et les quarante voleurs (Ali Baba e os 40 Ladrões), de
Jacques Becker; 1955: Don Camillo e l'on. Peppone (D. Camilo e as Eleições), de
Carmine Gallone; 1956: Don Juan (D. Juan), de John Berry; Around the World in
Eighty Days (A Volta ao Mundo em Oitenta Dias), de Michael Anderson; Era di
venerdì 17 (Quatro Passos nas Nuvens), de Mario Soldati; 1957: L’Homme à
imperméable (O Homem Impermeável), de Bernard Blier; Le Chômeur de Clochemerle
(O Mandrião de Clochemerle), de Jean Boyer; 1958: La legge è legge (Totó,
Fernandel e a Lei), de Christian-Jacque; 1959: Le Grand chef (O Grande Chefe),
de Henri Verneuil; Confident de ces dames (Confidente de Senhoras), de Jean
Boyer; La Vache et le prisonnier (A Vaca e o Prisioneiro), de Henri Verneuil;
1960: Crésus (O Nababo), de Jean Giono; Le Caïd (Gangsters à Força), de Bernard
Borderie; 1961: Il giudizio universale (O Último Julgament), de Vittorio De
Sica; Don Camillo monsignore... ma non troppo (Dom Camilo Monsenhor), de
Carmine Gallone; 1962: Le Diable et les Dix commandements (O Diabo e os Dez
Mandamentos), de Julien Duvivier; 1963: Le Bon roi Dagobert, de Pierre
Chevalier; La Cuisine au beurre (Grelhados com manteiga), de Gilles Grangier;
1964: L’Âge ingrat (A Idade Ingrata), de Gilles Grangier; 1965: Il compagno Don
Camillo (Dom Camilo na Rússia), de Luigi Comencini; 1966: La Bourse et la vie,
de Jean-Pierre Mocky; Le Voyage du perè (A Viagem), de Denys de La Patellière;
1970: Heureux qui comme Ulysse), de Henri Colpi; Don Camillo e i giovani
d'oggi" (D. Camilo e os jovens de hoje), de Christian- Jacque
(curta-metragem).