Primavera de 1861 - Guerra da Secessão
nos E.U.A, com as forças do Norte contra as do Sul, que as primeiras haveriam
de ganhar, fazendo triunfar novas fórmulas de governo, abolindo a escravatura e
introduzindo conceitos de industrialização, contra o conservadorismo da
aristocracia rural dos Estados do Sul. Buster Keaton interpreta aqui o papel de
Johnnie Gray, maquinista de caminhos-de-ferro, que tem duas paixões na vida: a
namorada, Annabelle Lee, e a sua bela locomotiva, a "General”, que pertence ao Expresso do Atlântico
e faz a ligação entre Marietta, na Georgia, a Sul, e Chattanooga, a Norte. Quando a guerra chega a Fort
Summer, os habitantes de Marietta acham que é a altura de se alistarem. Entre
eles, estão o pai e o irmão de Annabelle Lee, que pergunta também a Johnnie
Gray se ele não se vai oferecer, o que este faz com um entusiasmo
indescritível, passando à frente de todos, apenas para saber que
será recusado, pois o general sulista que dirige as operações considera que ele
é mais útil como maquinista do que como
soldado. Mas Johnnie não se conforma, regressa aos serviços de recrutamento,
com um nome suposto, voltando, porém, a ser afastado, quando é descoberta a sua
falsificação.
Sem ter coragem de contar tudo à namorada, Johnnie vive angustiado durante um ano, longe dos olhares
apaixonados da sua prometida, que não o quer ver senão uniformizado. Entretanto, no acampamento da União, a Norte de
Chattanooga, o capitão Anderson, chefe dos serviços de espionagem, apresenta ao
general Thatcher um plano para penetrar no território sulista, apoderar-se de
uma locomotiva e carregar mantimentos para as suas tropas. O que acabará por
executar, caindo-lhe na sorte a locomotiva de Johnnie Gray que é roubada na
estação de Big Shanty, quando todos os passageiros e tripulantes almoçam.
O maquinista, porém, não aceita ver-se longe da sua “General” e persegue-a por todos os meios ao seu alcance,
até conseguir apanhar outra locomotiva que se coloca deliberadamente no encalço
dos nortistas. Mas, rapidamente, Johnnie
Gray passa de perseguidor a perseguido e
depois mesmo a fugitivo, o que o leva a esconder-se debaixo de uma mesa de
reuniões onde ouve os generais nortistas planearem o ataque surpresa contra os
sulistas e onde descobre igualmente que a sua nunca esquecida Annabelle se
encontra também prisioneira das forças da União.
Depois de se livrar de algumas sentinelas, liberta Annabelle e ambos fogem,
levando consigo a locomotiva, procurando chegar ao acampamento dos Sulistas
antes dos adversários, para alertar as tropas sobre o plano que o inimigo
preparara. O que consegue, impedindo assim a derrota, o que lhe vale finalmente
uma farda de tenente, e o amor agradecido de Annabelle, enfim rendida à sua coragem e destemor.
Esta comédia de Buster Keaton, que se desenrola no cenário de um western, parte de um facto histórico: em Abril de 1862, um grupo de espiões nortistas rouba uma locomotiva na estação de Big Shantv, levando-a rumo ao Norte. É este episódio que está na base do argumento criado pelo próprio Buster Keaton e por Clyde
Bruckman, ambos igualmente co-realizadores do filme.
Bruckman, ambos igualmente co-realizadores do filme.
A base real do filme confere-lhe desde logo uma autenticidade inatacável, e um clima de algum dramatismo, dado o rigor com que Keaton a trabalha. Em lugar de se servir desse episódio para sobre ele efabular simplesmente, o autor procura, pelo contrário, o pormenor preciso, indo ao ponto de reconstruir locomotivas movidas a carvão em tudo idênticas às da História. Depois, todos os cenários são naturais, raras são as cenas rodadas em estúdio, as reconstituições de acampamentos, estações de caminho-de-ferro, meios de locomoção, cenas de batalha, em tudo Buster Keaton procura o dado rigoroso que dê credibilidade à história.
No seu entender, só assim os “gags” resultam mais divertidos, porque inscritos numa realidade dramática plausível. Razão que está igualmente na base da aparente rigidez da sua máscara: os espectadores divertem-se mais se o actor cómico se assume na sua seriedade. Será, aliás, na construção do “gag” que este filme de Keaton se distingue, sendo mesmo considerado um dos mais perfeitos (senão mesmo o mais) do autor, conhecido sobretudo pelo exaustivo trabalho de preparação das situações, que vários ensaístas e estudiosos da sua filmografia aproximam do de um arquitecto, de um geómetra, de um coreógrafo. Veja-se, por exemplo, toda a fabulosa sequência da perseguição à locomotiva roubada. Johnnie Gray primeiramente corre atrás dos assaltantes, depois serve-se de um carro movido por alavanca, depois viaja de bicicleta, finalmente consegue desviar ele também uma locomotiva tendo que afastar do caminho diversos obstáculos que os perseguidores lançam para os carris.
No seu entender, só assim os “gags” resultam mais divertidos, porque inscritos numa realidade dramática plausível. Razão que está igualmente na base da aparente rigidez da sua máscara: os espectadores divertem-se mais se o actor cómico se assume na sua seriedade. Será, aliás, na construção do “gag” que este filme de Keaton se distingue, sendo mesmo considerado um dos mais perfeitos (senão mesmo o mais) do autor, conhecido sobretudo pelo exaustivo trabalho de preparação das situações, que vários ensaístas e estudiosos da sua filmografia aproximam do de um arquitecto, de um geómetra, de um coreógrafo. Veja-se, por exemplo, toda a fabulosa sequência da perseguição à locomotiva roubada. Johnnie Gray primeiramente corre atrás dos assaltantes, depois serve-se de um carro movido por alavanca, depois viaja de bicicleta, finalmente consegue desviar ele também uma locomotiva tendo que afastar do caminho diversos obstáculos que os perseguidores lançam para os carris.
A cada desafio, Johnnie responde com um novo rasgo de génio, indo à frente da composição levantar os troncos, atirando com um deles sobre outro para fazer saltar ambos. Tudo obedece a princípios matemáticos rigorosos, a precisos estudos de causa-efeito que resultam divertidíssimos, nomeadamente pela
forma clara como são enunciados e desenvolvidos, sem elipses ou truques. Diga-se também que Buster Keaton era um admirável acrobata que efectuava todos os exercícios onde intervinha, sem recurso a duplos. É ele mesmo quem percorre a locomotiva de alto a baixo, quem salta de vagão em vagão, quem corre ao longo' dos carris e salta em andamento. Ele torna-se de tal forma um prolongamento da “General” que dir-se-ia ser um elemento indissociável da máquina (como na sequência inicial, quando sentado num dos veios que ligam as rodas, é transportado pela locomotiva, sem se aperceber do movimento, absorto que está na desdita de ter sido recusado pelo Exército). Será ainda na locomotiva que terá lugar um dos mais famosos “gags” da história do burlesco: Johnnie Grav leva consigo um canhão para atingir os perseguidores. Mas, no primeiro disparo, por falta de pólvora, a bala vai cair na locomotiva onde viaja Gray. Na segunda tentativa, com o canhão desesperadamente carregado de explosivos e com o rastilho aceso, a plataforma liberta-se da locomotiva e a trepidação faz com que o canhão desça a sua mira, ficando Buster Keaton como alvo privilegiado. Mas quando parece ir acontecer o pior, o canhão dispara numa curva do caminho e a bala vai atingir realmente o comboio fugitivo, passando ao lado da composição perseguidora. Há aqui uma sucessão de situações cómicas, ligadas entre si, anulando-se umas às outras, fazendo crescer a tensão junto dos espectadores através deste contínuo acumular de lances.
forma clara como são enunciados e desenvolvidos, sem elipses ou truques. Diga-se também que Buster Keaton era um admirável acrobata que efectuava todos os exercícios onde intervinha, sem recurso a duplos. É ele mesmo quem percorre a locomotiva de alto a baixo, quem salta de vagão em vagão, quem corre ao longo' dos carris e salta em andamento. Ele torna-se de tal forma um prolongamento da “General” que dir-se-ia ser um elemento indissociável da máquina (como na sequência inicial, quando sentado num dos veios que ligam as rodas, é transportado pela locomotiva, sem se aperceber do movimento, absorto que está na desdita de ter sido recusado pelo Exército). Será ainda na locomotiva que terá lugar um dos mais famosos “gags” da história do burlesco: Johnnie Grav leva consigo um canhão para atingir os perseguidores. Mas, no primeiro disparo, por falta de pólvora, a bala vai cair na locomotiva onde viaja Gray. Na segunda tentativa, com o canhão desesperadamente carregado de explosivos e com o rastilho aceso, a plataforma liberta-se da locomotiva e a trepidação faz com que o canhão desça a sua mira, ficando Buster Keaton como alvo privilegiado. Mas quando parece ir acontecer o pior, o canhão dispara numa curva do caminho e a bala vai atingir realmente o comboio fugitivo, passando ao lado da composição perseguidora. Há aqui uma sucessão de situações cómicas, ligadas entre si, anulando-se umas às outras, fazendo crescer a tensão junto dos espectadores através deste contínuo acumular de lances.
O mesmo acontecerá, já muito perto do fim do filme, durante a derradeira batalha, com Johnnie Grav, junto de um general sulista, evoluindo atabalhoadamente, sempre no máximo da discrição, com a espada a que finalmente teve direito, mas cuja lâmina salta e provoca as mais desencontradas situações. Em qualquer destes casos, alguns de entre muitos de possível citação, se demonstra o perfeito domínio que Buster Keaton tinha sobre o humor, num alarde de talento, mas também de rigor. Ele próprio dizia que “uma boa cena cómica comporta por vezes mais cálculos matemáticos do que uma obra de mecânica”, ou ainda que “um filme cómico se assemelha muito, em precisão, às rodas dentadas de um relógio”.
Buster Keaton, em “Pamplinas Maquinista”, mas também em muitas outras obras do seu período mudo, atinge um estado de exemplar perfeccionismo, de enorme austeridade de processos e de total economia de meios, o que faz deste título um dos melhores filmes do burlesco americano desta época, só comparável a
Chaplin. Será interessante sublinhar devidamente este aspecto, pois em quase todos os filmes de Keaton destes anos de fim do mudo, ele desenvolve uma apurada técnica de humor, onde nada é deixado ao acaso, onde tudo se desenvolve segundo uma ordem previamente estabelecida e racionalizada, onde não há a mais pequena concessão à facilidade (o que não impediu “The General" de ser um espantoso sucesso de público), onde é possível descortinar-se uma gravidade de tom que confere a cada peripécia a dignidade de um acto moral.
Chaplin. Será interessante sublinhar devidamente este aspecto, pois em quase todos os filmes de Keaton destes anos de fim do mudo, ele desenvolve uma apurada técnica de humor, onde nada é deixado ao acaso, onde tudo se desenvolve segundo uma ordem previamente estabelecida e racionalizada, onde não há a mais pequena concessão à facilidade (o que não impediu “The General" de ser um espantoso sucesso de público), onde é possível descortinar-se uma gravidade de tom que confere a cada peripécia a dignidade de um acto moral.
PAMPLINAS MAQUINISTA
Título original: The General
Realização: Buster Keaton e
Clyde Bruckman (EUA, 1926); Argumento: AI Boasberg, Charles Smith, Paul Girard
Smith, segundo uma ideia de Buster Keaton e Clyde Bruckman, inspirada em obras
de William Pittenger ("Daring and Suffering: a History of the Great
Railroad Adventure" e "The Great Locomotive Chase”; Produção: David
Shepard, Buster Keaton, Joseph M. Schenck; Música: The Alloy Orchestra (2003),
Carl Davis (1987), Robert Israel (1995) Joe Hisaishi; Fotografia (p/b): Bert
Haines, Devereaux Jennings; Montagem: Buster Keaton, Sherman Kell; Direcção
artística: Fred Gabourie; Decoração: Harry Roselotte; Maquilhagem: Fred Carlton
Ryle; Direcção de Produção: Lou Anger, Fred Gabourie; Assistentes de
realização: Harry Barnes, Glen Cavender, Edward Hearn; Departamento de arte:
Frank Barnes, Jack Coyle, William Ernshaw, Al Gilmour, Bert Jackson, H.L.
Jennings, George E. Potter, Billy Wood; Efeitos especiais: Jack Little; Efeitos
eléctricos: Denver Harmon; Companhias de produção: Buster Keaton Productions,
Joseph M. Schenck Productions, United
Artists Production; Intérpretes:
Buster Keaton (Johnnie Gray), Marion Mack (Annabel ou Mary Lee), Frank Barnes
(irmão de Mary), Charles Smith (pai de Mary, Glen Cavender (capitão Anderson),
Jim Farley (general nortista Thatcher), Frederick Wroom (general sulista), Frank Agney
(sargento recrutador), Joe Keaton, Mike Donlin, Tom Nawn (oficiais nortisas),
Henry Baird, Jimmy Bryant, Jack Dempster, Keith Fennell, Budd Fine, Ronald
Gilstrap, Frank Hagney, Ray Hanford, Anthony Harvey, Edward Hearn, Boris
Karloff, Hilliard Karr, Elgin Lessley, Louis Lewyn, Jackie Lowe, Ross
McCutcheon, Tom Moran, Charles Phillips. Red Rial, Al St.
John, Harold Terry, Ray Thomas, Red Thompson, James Walsh, John Wilson, Jean
Woodward, etc.; Duração: 74 minutos;
Classificação: M/ 6 anos; Edição vídeo em Portugal: Video Colecção / Ecovideo; Edição
DVD em Portugal: LNK / MK2; Estreia mundial: Nova lorque, 18 de Dezembro de
1926; Estreia em Portugal: 11 de Fevereiro de 1929.
BUSTER KEATON: “O
HOMEM QUE NUNCA RI”
De Buster Keaton disse-se o que raras vezes se diz
de um artista. Orson Welles afirmou que tinha por Keaton “uma verdadeira
veneração”. E especificou: “Acabo de ver "Pamplinas, Maquinista" e é
um filme de uma beleza total!”, Luis Buñuel, bem como todos os surrealistas,
nutria igualmente por Buster Keaton uma admiração sem fronteiras: “Os
superfilmes devem servir para dar lições aos técnicos: os de Keaton para dar
lições à própria realidade, com ou sem a técnica da realidade”. Todavia, a
carreira deste homem que talvez tenha sido o único a fazer sombra a Charles
Chaplin foi acidentada e alguém chegou a dizer que a sua vida parece retirada
de “um mau melodrama”. Foi um dos grandes de Hollywood durante o “mudo”,
interpretando, mas também escrevendo e realizando, muitos filmes que traziam o
seu nome.
Depois do aparecimento do sonoro, porém, a sua
estrela dir-se-ia que havia sido por completo ofuscada no firmamento. Durante
algum tempo ocupou-se em tarefas menores, interpretando filmes medíocres, dando
shows em circos, embriagando-se e
indo parar amiudados vezes a clínicas de desintoxicação, mesmo a
hospícios. Destino trágico para um dos
homens que mais terá distribuído felicidade e alegria pelas plateias de todo o
mundo. A América chamou-lhe “O Homem que Nunca Ri”, o que se reflecte uma das
características do seu jogo histriónico, não é, no entanto, das principais.
Buster Keaton bem poderia considerar-se um mestre na difícil arte da comédia,
do burlesco, mas de um burlesco por assim dizer estilizado, austero, reduzido
ao essencial, moderno como nenhum outro. Poderá, então, perguntar-se como
colocar este humor ao lado de outros que fizeram furor em Hollywood e no mundo
por essas épocas, e pensar-se também na forma como o público, habituado a um
cómico barroco, sobrecarregado de situações e de “gags”, aceitaria a
simplicidade de processos de Keaton. Não deixa de surpreender que tão bem o
tenham aceite, que o tenham considerado um dos grandes autores do cinema mudo,
que tenham feito das suas comédias alguns dos maiores êxitos comerciais da
década de 20.
Buster Keaton nasceu a 4 de Outubro de 1895, em
Pickway, no Kansas, EUA, de pais de origem escocesa e irlandesa. O seu nome de
baptismo era Joseph Francis Keaton, filho de Joseph Hallie e de Myra Edith,
ambos actores cómicos. Nascido num palco, no mesmo ano em que o cinema dava os
seus primeiros passos pela mão dos irmãos Lumière, no Salon Indien do Grand Café
de Paris, Buster Keaton cedo começaria a trabalhar no mundo do espectáculo.
Enquanto o pai cantava, dançava e fazia acrobacias,
a mãe tocava piano e interpretava solos de saxofone, integrados numa companhia
de que faziam ainda parte Harry e Bassie Houdini. Os seus espectáculos eram
chamados “medicine shows”, e apresentavam-se de cidade em cidade. Foi no
decorrer de uma “tournée”, com paragem em Pickway, que nasceu o Keaton de que
hoje aqui falamos. Um vendaval percorreu a região, levando consigo a tenda que
cobria o local do espectáculo. Foi num palco improvisado que o recém-nascido
foi apresentado, com menos de 24 horas de vida. A primeira aparição em público
de Buster Keaton assemelhou-se, pois, a uma natividade que tivesse convocado
para o efeito a fúria dos elementos. Elementos que ele irá desafiar ao longo de
toda a sua obra de cineasta e actor. Em muitos filmes seus se encontram
vendavais, ciclones, fogos, naufrágios, avalanchas, tufões. Mas todos estes
confrontos ameaçadores e dramáticos permitiam a Keaton o jogo da elegância dos
seus movimentos, misturado com um ar quase inconsciente, mas pelo menos distante,
com que ia procurando resolver as situações em que se encontrava metido. Jogo
de precisão matemática, rigoroso na construção do “gag”, minucioso no seu
desempenho, invulgar nos resultados. Por muito dramática que seja a situação,
Keaton encontra sempre uma maneira hábil e ágil para dela sair com alguma
dignidade. Quem não se lembra de “Pamplinas, Maquinista”, com o herói preso na
parte dianteira de uma locomotiva em andamento, com uma enorme viga de madeira
nos braços, num equilíbrio verdadeiramente instável e aterrorizador? Pois
Keaton consegue ver-se livre da situação, com uma dignidade e elegância totais.
Não só conseguirá abandonar a incómoda posição, como afastar do caminho outros
escolhos.
Para esta articulação perfeita de movimentos, para
esta total agilidade, muito terá contribuído a época da sua juventude passada
no “vaudeville”, juntamente com os pais, num “número” a que chamavam de “The
Three Keaton”. Desde os três anos de
idade que olha as habilidades que prodigiosamente se desenrolam à sua volta,
desde essa altura que as tenta imitar, e que enfrenta o público em cena
aberta. Só aos 17 anos, quando uma
disputa entre o pai e o director da companhia interrompe a actuação dos “Três
Keaton”, Buster Keaton parte para Nova lorque, onde trocará o teatro pelo
cinema.
Encontra Roscoe “Fatty” Arbuckle, que o convida a
integrar a sua companhia e aparecer em pequenos filmes de duas bobines. É o
burlesco no seu apogeu que o actor irá descobrir. Mas após uma curta
permanência junto de Arbuckle, é mobilizado e parte para a Europa, onde se
mantém durante sete meses. De regresso a Nova lorque, volta à companhia de “Fatty”,
onde intervém em alguns títulos, até que passa para a Metro Goldwyn Mayer,
dirigindo já os filmes em que aparece, ainda que de colaboração com Eddie
Cline.
São também pequenos filmes de duas bobines, com
excepção de “The Shahead”, uma longa-metragem, de 1920, dirigida por Herbert
Blache e Wincheii Smith, onde Buster Keaton interpreta no cinema o papel criado
por Douglas Fairbanks no teatro. Só a partir de 1923, de novo na MGM, depois de
uma curta incursão pela “First National”, é que aparecerá regularmente como
protagonista de longas-metragens. São dessa época alguns dos seus melhores
títulos como “Três Idades”, “As Leis da Hospitalidade”, “Sherlock Holmes, Jr.”,
“O Navegante”, “O Rei dos Cowboys” ou “Boxeur por Amor Dela”. Mas será a partir de 1926, na United Artists,
que Buster Keaton terá o seu melhor período criativo, com três títulos
definitivos, “Pamplinas, Maquinista”, “O Colegial”, e “Marinheiro de Água Doce”. Em 1928 regressa à MGM para interpretar
aquele que será o seu último filme mudo, “O Homem da Manivela”, e os seus
primeiros títulos sonoros.
Venderá a sua produtora e aceita integrar-se na
MGM. As obras em que intervém, a partir daí, são de uma qualidade inferior,
quase todas dirigidos por um medíocre Edward Sedwick que não soube encontrar a
forma de aproveitar o fabuloso jogo do actor na nova mecânica do sonoro. Buster
Keaton irá atravessar um dos piores períodos da sua vida, com a degradação da
sua arte, graves problemas familiares (a mulher, Natalie Talmadge, pede
divórcio, acusando-o de adultério, o que arruina o actor), e esta crise atira-o
para o álcool, para as clínicas, para o esquecimento.
Aceita então trabalho na Educational Pictures, onde
volta a interpretar pequenos filmes de uma, duas ou três bobines, com “gags”
medíocres, deficientemente dirigidos por técnicos sem talento nem inspiração,
como Charles Lamont. Mas é este trabalho que lhe permite sobreviver até 1939,
atravessando inúmeras dificuldades.
Depois de uma passagem por uma clínica psiquiátrica volta à MGM, mas
agora como argumentista e “gagman” de outros actores (por exemplo, de Red
Skelton). Vai vivendo depois de pequenos papéis em filmes produzidos por vários
estúdios, e tenta mesmo a sorte na Europa, em França e em Inglaterra, e no
México.
Em 1941 empreende a sua primeira digressão teatral,
com “The Gorilla”, a que se segue, em 1946, “Three Men on a Horse”.
Viaja pelos Estados Unidos em “tournée”, como
fizera em criança, e apareçe integrado, em 1947, no Circo Medrano que visita
França. Actua em “night clubs”, e na Europa, é contrado pela televisão inglesa,
onde faz curtas aparições em filmes publicitários. Será em sobressalto que
todos nós, que o amámos, o vimos voltar, em “Luzes da Ribalta”, de Charles
Chaplin.
Em 1957, supervisiona o filme de Sidney Sheldom, “The
Bustet Keaton Story”. Dois anos depois recebe da Academia de Hollywood um Oscar
especial, consagrando “o talento único com que encarnou comédias imortais no
cinema e pelo seu contributo para a arte cinematográfica”. Alguns anos depois,
uma cópia nova e restaurada de “Pamplinas, Maquinista” sai nos circuitos
comerciais alemães e é a consagração da crítica. A Cinemateca Francesa faz-lhe
uma completa retrospectiva da sua obra, ocupando os meses de Fevereiro e Março
de 1962. E Stanley Kramer convida-o a integrar o elenco de “0 Mundo Maluco”.
Alain Schneider dá-lhe o principal papel em “Film”, segundo obra de Samuel
Beckett, e o Canadá, através do Office National du Film, convida-o para
protagonizar “The Railrodder”, enquanto Julian Biggs, paralelamente vai
filmando essa rodagem, e ordenando um documentário, de cerca de uma hora, sobre
Buster Keaton: “Buster Keaton Rides Again”, título profético para o renascer do
actor para uma segunda carreira.
Segunda carreira que seria breve, mas teria o cunho
de estabelecer a justiça ainda em vida do notável actor-realizador. A sua
última aparição no cinema dá-se em “Em Roma era Assim”, de Richard Lester. Em 1 de Fevereiro de 1966 morre Buster
Keaton, em Hollywood, Califórnia, EUA.
Actor verdadeiramente genial, da estatura de um
Chaplin, Buster Keaton foi durante muito tempo o autor completo das obras em
que intervinha, o que lhe permitia o domínio total das situações. O maior erro
da sua vida terá sido abdicar dessa situação, quando em 1928 vendeu a sua
própria companhia, “The Buster Keaton Produtions”, e se deixou integrar na
Metro. A partir daí toda a sua carreira deslizou gradualmente para a
mediocridade, enquanto a sua vida e a sua saúde, física e psíquica, acusavam
crises graves de que não mais se recompôs. Mas um momento inesquecível da história
do cinema estava-lhe ainda reservado, quando, em 1951, Charles Chapiin o
convida a aparecer em ,”Luzes da Ribalta”, um filme que é uma dolorosa
homenagem ao mundo do espectáculo. Aí, reunidos por instantes, lado a lado, os
dois maiores cómicos de sempre, estabeleceram um pacto para a eternidade: sob
os holofotes de cena, dois rostos envelhecidos corriam para a imortalidade.
FILMOGRAFIA
Como actor: 1º Período: Filmes mudos: 1917: The Batcher Boy, de Roscoe Arbuckle; The
Rough House, de R. Arbuckle; A Reckiess Romeo, de R. Arbuckle; His Wedding
Night, de R. Arbuckle; A Country Hero, de R. Arbuckle; Fatty At Coney lsiand,
de R. Arbuckle; 1918: Out West, de R. Arbuckle; The Bell Boy, de R. Arbuckle;
Good-Night, Nurse, de R. Arbuckle; Moonshine, de R. Arbuckle; The Cook, de R.
Arbuckle; 1919: A Desert Heroe, de R.
Arbuckle; Backstage, de R Arbuckle; The Hayseed, de R. Arbuckle; 1920: The Garage, de R. Arbuckle.
2º Período: Metro Goldwyng
Mayer (1920-1921): 1920: The Saphead, de Herbert Blanche e Winchell Smith;
1920: The High Sign, de Buster Keaton e Eddie Cline; 1920: One Week, de Buster
Keaton e Eddie Cline; 1920: The Scrarecrow, de Buster Keaton e Eddie Cline; 1920: Convict 13, de Buster
Keaton e Eddie Cline; 1921: The Goat, de Buster Keaton e May St. Clair; 1921:
Neighbours, de Buster Keaton e Eddie Cline; 1921: The Haunted House, de Buster
Keaton e Eddie Cline; 1921: Hard Luck, de Buster Keaton e Eddie Cline.
3º Período: First National
(1921: 1923): 1921: The Playhouse, de Buster Keaton e Eddie Cline; The Boat, de
Buster Keaton e Eddie Cline; The Paleface,
de Buster Keaton e Eddie Cline; 1922: Cops (Pamplinas e os Polícias), de Buster
Keaton e Eddie Cline; My Wife's Relations, de Buster Keaton e Eddie Cline; 1922: The Blacksmith, de Buster Neaton e May St.
Clair; The Frozen North (Pamplinas no Pólo Norte), de Buster Keaton e Eddie
Cline; 1922: Daydreams, de Buster Keaton e Eddie Cline; The Electric House (Pamplinas na Casa Eléctrica),
de Buster Keaton e Eddie Cline; 1923: The Ballonatic, de Buster Keaton e Eddie Cline, The Love Nest, de
Buster Keaton e Eddie Cline.
4º Período: Metro Goldwing Mayer (1923-1926): 1923:
Three Ages (Três Idades), de Buster Keaton e Eddie Cline; Our Hospitality (As
Leis da Hospitalidade), de Buster Keaton e Jack Blystone; 1924: Sherlock, Jr.
(Sherlock Holmes, Jr.) de Buster Keaton; The Navigator (O Navegante), de Buster
Keaton e Donald Crisp; 1925: Go West (O Rei dos Cow-Boys), de Buster Keaton;
1926: Battling Butler (Boxeur por Amor Dela), de Buster Keaton.
5º Período: United Artists (l926-1928): 1926: The
General (Pamplinas Maquinista), de Buster Keaton e Clyde Bruckman; 1927:
College (O Colegial), de James W. Horne; 1928: Steamboat Bill, Jr. (Marinheiro de Água Doce), de Charles F. Reisner.
6º Período: Metro Goldwyng Mayer (1928-1933): 1928:
The Cameraman (O Homem da Manivela), de Edward Sedgwick; 1929: Spite Marriage
(O Figurante), de Edward Sedgwick.
Filmes sonoros: 1929: The Hollywood Revue (A
Revista de Hollywood), de Charles F. Reisner; 1930: Free and Easy (O Fabricante
de Estreias), de Edward Sedgwick; 1930: Doughboys (Em Frente, Marche!), de Edward Sedgwick; 1931: Parlor,
Bedroom and Bath (Pamplinas em Pijama), de Edward Sedgwick; 1931: Sidewaiks of
New York (Pamplinas Milionário), de Jules White; 1932: The Passionate Plumber (O Amante Improvisado), de Edward Sedgwick;
1930: Speak Easlly (A Tentação de Pamplinas), de Edward Sedgwick; 1933: What! No Beer? (Amor ... e Cerveja), de Edward Sedgwick.
7º Período: Educational (l934-1939)
1934: The Goald Ghost, de
Charles Lamont; 1934:
Allez Oop, de Ernest Pagano e Ewen Adamson; 1934: Le Roi des Champs-Elysées (O Rei dos Campos Eliseos), de Max Nosseck
(rodado em Franca, extra Educational); 1934: The lnvader, de Adrian Brunel
(rodado em Inglaterra, extra Educational); 1935: Palooka from Paducah, de C.
Lamont; 1935: One Run Elmer, de C. Lamont; 1935: Hayseed Romance, de C. Lamont;
1935: Tars and Stripes, de C. Lamont; 1935: The E-Flat Man, de C. Lamont; 1935: The Timid Young Man, de C.
Lamont; 1935: Three on a Limb, de C. Lamont; 1936: Grand Slam Opera, de C. Lamont; 1936: La
Fiesta de Santa Barbara, de Lewis Lewyn; 1936: Blue Blazes, de Raymond Kane;
1936: The Chemist, de AI Christie; 1936: Mixed Magic, de Raymond Kane; 1937:
Ditto, de C. Lamont; 1937: Love
Nest on Wheels, de C. Lamont (para Metro e Fox); 1938: Life in Sometown USA, de
Buster Keaton; 1938: Hollywood Handicap, de Buster Keaton; 1938: Streamlined
Swing, de Buster Keaton; 1938: Too Hot to Handle, de Jack Conway; 1939: The
Jones Family in Hollywood, de Malcolm St. Clair; 1939: The Family in Quick
Millions, de Malcolm St.
8º Período: Columbia (1939-1941): 1939: Pest From
Thewest, de Dei Lord; Mooching Through, de Jules White; Hollywood Cavalgade (Assim Nasce o Cinema), de lrwing Cummings; Nothing But Pleasure; de Jules
White; 1940: Pardon My Birth Marks, de Jules White; The Taming of the Snood, de
Jules White; The Spook Speak, de Jules White; The Villan Stili Pursued Her, de
Edward F. Cline; Lil'Abner, de Albert S. Rogell; 1941: So You Won't Squawk, de
Del Lord; General Nuisance (General Comodista), de Jules White; She's Oil Mine,
de Jules White.
9º Período: Colaborações
Avulsas: 1942: Tales of Manhattan (Seis Destinos) de Julien Duvivier; 1943:
Forever and a Day (Para Sempre e Mais Um Dia), de René Clair; 1944: Bathing
Beauty (Escola de Sereias), de George Sidney; San Diego, I Love You (Quando
Elas Querem), de Reginald Le Borg; 1945: That Night Whith You (Aquela Noite
Contigo), de William A. Seiter; That' the Spirit (O Céu Também dá Férias), de
Charles Lamont; 1946: God's Country, de Robert E. Tansey; EI Moderno Barba Azul
ou Boom in the Moon (Pamplinas na Lua), de Jaime Salvador (no México); 1948: A Southern Yankee
(O Vira Casaca), de Edward Sedgwick; 1949: Neptune's Daughter (A Rainha das
Sereias), de Edward Buzzeli; The Loveable Cheat, de Richard Oswald; ln the Good
Old Summertime, de Robert Z. Leonard; You're My Everything, de Wait Lang; 1950: Un Duel A Mort, de Pierre
Blondy (rodado em França); Sunset Boulevard (O Crepúsculo dos Deuses), de Billy Wilder; 1951:
Limelight (Luzes da Ribalta), de Charles Chaplin (em Inglaterra); 1952:
L'Incantevole Nemica, de Claudio Gora; Paradise for Buster (inédito); 1956:
Around the World in Elghty Days (A Volta ao Mundo em 80 Dias), de Michael
Anderson; 1957: The Buster Keaton Story, de Sidney Sheldon; 1960: The
Adventures of Huckleberry Finn (As Aventuras de Huckleberry Finn), de Michael
Curtis; 1962: The Triumph of Lester Snapwell, de James Calhoun; Ten Girls Ago
(inédito, rodado no Canadá); lt's a Mad, Mad, Mad, Mad World (O Mundo Maluco),
de Stanley Kramer; 1964: Pijama Party, de Don Weis; 1965: Beach Blanket Bingo
(Ai que Garotas!), de William Asher; How to Stuff a Wild Bikini (Biquini
Selvagem), de William Asher; Sargent Deadhead, the Astronaut (Um Sargento
Trapalhão), de Norman Taurog; The Big Chase (inédito); The Railrodder, de
Julian Biggs (no Canadá); Buster Keaton Rides Again, de Julian Biggs (no
Canadá); The Scribe, de John Sebert (no Canadá); Due Marines e Uno Generale, de
Luigi Scattini (em Itália); 1966: A Funny Thing Happened on the Way to the
Forum (Em Roma era Assim), de Richard Lester (em Espanha).
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