domingo, 26 de junho de 2016

SESSÃO 28 - 28 DE JUNHO DE 2016



O MUNDO È UM MANICÓMIO (1941,1944)

“O Mundo é Um Manicómio” foi dirigido por Frank Capra em 1941, mas só seria estreado na América em 1944. Já iremos saber porquê. Por isso mesmo, o melhor é começar por um pouco de história. 
Frank Capra é seguramente um dos maiores autores de comédias cinematográficas de sempre. Tenho para mim que “Uma Noite Aconteceu”, “Doido com Juízo”, “Não o Levarás Contigo”, “Peço a Palavra”, “Um João Ninguém”, “O Mundo é Um Manicómio” e “Do Céu Caiu uma Estrela”, para só citar estas, constituem um conjunto de comédias verdadeiramente invulgar, todas elas rodadas numa dúzia de anos, precisamente entre 1934 e 1946. Raros autores conseguiram um tal volume de obra com uma tão grande coerência e consistência de temas, com um tão notável grau de eficácia narrativa, de estilo, de humor e de intransigente defesa de valores humanistas que os tempos impuseram e o talento e o espírito de Capra captaram de forma admirável.
A América, e o mundo, atravessavam um período particularmente conturbado. A crise económica era intensa. O "crach" de 1929 deixara pesadas marcas na economia mundial. Roosevelt tentava impor o seu plano de recuperação nacional através do "New Deal" e Frank Capra foi, ao longo dos anos, o seu melhor instrumento.
Mas há que referir aqui um aspecto que me parece absolutamente decisivo para o bom êxito deste empreendimento: Capra não executava encomendas. Capra rodava filmes em que acreditava, que reflectiam o seu tempo e se deixavam impregnar pelo espírito do "New Deal" de uma forma absolutamente espontânea.
Este aspecto sente-se em todos os títulos atrás mencionados e funciona como uma marca de autoria, de tal forma que hoje em dia, quando se vêem filmes de certa forma utópicos e idealistas, se diz serem "à maneira de Capra". Actualmente, a América tem recuperado muito desse espírito, infelizmente talvez um pouco porque os tempos são igualmente de forte crise económica e se impõe uma recuperação desse idealismo e dessa vontade colectiva de vencer a crise solidariamente.


Pois bem, em 1941 Capra encontrava-se no auge da sua carreira, sendo um dos mais bem sucedidos cineastas de Hollywood. Teve à sua disposição contratos fabulosos propostos por David Selznick e pela Fox, mas acabaria por ingressar nas forças armadas, convidado para dirigir um departamento de cinema do Exército. Antes, porém, de ingressar nas fileiras, teve direito a algum tempo que procurou ocupar dirigindo um filme que ele considerava "alimentar, feito para suprir as necessidades alimentares da família."
Capra tinha visto na Broadway uma peça de grande sucesso nessa altura, "Arsenic and Old Lace", da autoria de Joseph Kesselring, e procurou interessar Jack Warner neste projecto. Ele comprometia-se a rodá-lo em quatro semanas, quase integralmente em estúdio, num cenário único, com meia dúzia de actores, entre eles Cary Grant, o mais popular comediante da América.
E assim se fez: o cenário era o interior e parte do exterior da casa de duas bondosas velhinhas que se entretinham a distribuir veneno por velhinhos que enterravam depois na cave, onde um lunático que se fazia passar por Ted Roossevelt lançava as bases do canal do Panamá, nos intervalos de vitoriosas cargas sobre o inimigo. Capra conseguiu que alguns dos actores do elenco da Broadway utilizassem as semanas de férias para virem filmar consigo em Hollywood, com uma excepção de peso: Boris Karloff que fazia o papel de Jonhnathan no teatro e que os empresários não libertaram, foi substituído por Raymond Massey, que aliás ostenta uma caracterização muito semelhante à da figura de Frankenstein, o que permite deliciosos trocadilhos, como poderão ver.
O filme fez-se nas quatro semanas previstas, foi concluído depois em tempo "record", porque, entretanto, ocorreu o ataque de Pearl Harbour e os EUA intensificaram a sua intervenção no conflito, mas “Arsenic and Old Lace” só seria estreado oficialmente em salas norte-americanas em 1944, porque assim o impunha o contrato com a companhia teatral: só depois da peça ter terminado a sua carreira normal nos palcos da Broadway, é que o filme poderia ser lançado.
Estreou e foi um sucesso fulgurante. Se bem que afastando-se um pouco da temática usual de Capra, “O Mundo é Um Manicómio” é uma fabulosa demonstração do talento deste cineasta, do seu estilo, da sua direcção de actores, do seu humor.…Um humor que, passados 60 anos, mantem toda a frescura, toda a espontaneidade, toda a alegria de viver, mesmo quando o humor é um humor negro como é o caso. E pronto é altura de também nós gritarmos "À carga!" e passarmos rapidamente ao filme.


O MUNDO É UM MANICÓMIO
Título original: Arsenic and Old Lace
Realização: Frank Capra (EUA, 1941, 1944); Argumento: Julius J. Epstein, Philip G. Epstein, segundo peça de teatro de Joseph Kesselring; Produção: Jack L. Warner, Frank Capra; Música: Max Steiner; Fotografia (p/b): Sol Polito; Montagem: Daniel Mandell; Direcção artística: Max Parker; Guarda-roupa: Orry-Kelly; Maquilhagem: Perc Westmore, George Bau, Anita De Beltrand, John Wallace;  Direcção de Produção: Eric Stacey, Steve Trilling;  Assistentes de realização: Claude Archer, Russell Saunders; Departamento de arte: Lucien Hafley, Keefe Maley, Alfred Williams, Levi C. Williams; Som: C.A. Riggs, Everett Alton Brown; Efeitos especiais: Robert Burks, Byron Haskin; Companhia de produção: A Warner Bros.-First National Picture; Intérpretes: Cary Grant (Mortimer Brewster), Priscilla Lane (Elaine Harper), Raymond Massey (Jonathan Brewster), Jack Carson (O'Hara), Edward Everett Horton (Mr. Witherspoon), Peter Lorre (Dr. Einstein), James Gleason (LTenente. Rooney), Josephine Hull (Abby Brewster), Jean Adair (Martha Brewster), John Alexander ('Teddy Roosevelt' Brewster), Grant Mitchell (Reverendo Harper), Edward McNamara (Brophy), Garry Owen, John Ridgely, Vaughan Glaser, Chester Clute, Charles Lane, Edward McWade, Spencer Charters, Jimmy the Crow, Sol Gorss, Herbert Gunn, Roland Jones, Hank Mann, Spec O'Donnell, Lee Phelps, Don Phillips, Raymond Walburn, Leo White, Jean Wong, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Home Video; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 3 de Fevereiro de 1947.


FRANK CAPRA (1897-1991)
Frank Capra foi considerado um dos mestres da comédia social. “Uma Noite Aconteceu”, “Doido com Juízo”, “Não o Levarás Contigo”, “Peço a Palavra”, “Um João Ninguém”, “O Mundo é Um Manicómio”, “Do Céu Caiu uma Estrela” ou “Horizonte Perdido” são títulos respeitantes às décadas de 30 e 40, a sua época de consagração e plenitude.
Frank Capra é de origem siciliana. Nasceu a 18 de Maio de 1897, na localidade de Bisaquino, na tumultuosa ilha da Sicília. A família emigrou para os EUA quando ele contava apenas seis anos de idade, instalando-se em Los Angeles. Mas a sua educação leva-o para o campo das ciências, formando-se em 1918, em Engenharia Química. Passa pelo exército, e, ao sair, encontra a América à beira do colapso económico. É difícil arranjar emprego, e por isso aproveita para viajar à boleia pelos estados do Arizona, Nevada e Califórnia. Diz a lenda que, durante a "lei seca", recusou o convite de um dirigente da mafia local para montar um fábrica clandestina, cujos alambiques não deitassem cheiro. Em vez disso, respondeu a um anúncio que pedia "realizador" para um novo estúdio. Quem colocara o anúncio no jornal fora um actor shakespeareano de nome Walter Montague, que fundara as "Productions Fireside", onde Frank Capra se estreia com uma curta metragem sobre um poema de Rudyard Kipling. Pouco tempo depois, passa a trabalhar num laboratório de cinema, onde assiste à rodagem de várias obras, algumas delas dirigidas por cineastas como Eric Von Stroheim, o que lhe permite ir aprendendo o ofício. Aparece no elenco técnico de diversos filmes, como acessorista, montador, argumentista, inventor de gags. É nesta condição que é contratado por Hal Roach e, posteriormente, por Mack Sennett para a sua fábrica de comédias, onde começa a sua colaboração com o cómico Harry Langdon. Dois dos mais célebres filmes de Langdon são realizados por Capra, em 1926, “Atleta à Força” e “Calças Compridas”.
Mas o mau feitio do actor leva-o a deixar Marc Sennett, e depois a despedir Capra. Em 1928, de novo sem emprego, é contratado por um pequeno estúdio, a Columbia Pictures, nessa altura dirigida por Harry Cohn. Aí irá permanecer durante uma dúzia de anos, ajudando a fazer da Columbia um dos grandes estúdios de Hollywood. Roda filmes a uma velocidade vertiginosa e quase todos se tornam êxitos de bilheteira. A América atravessa um dos seus piores momentos de sempre e Capra é sensível ao estado de espírito dos seus concidadãos. As suas obras, melodramas, como “A Grande Muralha”, dramas como “Milionária por um Dia”, comédias como “Loucura Americana”, começam a impor um estilo, a que mais tarde se chamará o "Capra Touch" (o toque Capra), que o celebrizará.
Mas Frank Capra vive obcecado pela conquista de um Oscar, prémio atribuído pela recém-criada Academia de Hollywood. Faz parte da história das cerimónias de atribuição dessas invejadas estatuetas um episódio protagonizado por ele. Em 1933, realiza “A Grande Muralha”, que inaugura, com pompa e circunstância, o Radio City Music Hall, de Nova Iorque. O êxito é grande, mas quanto a Oscars o filme ficou em branco. A película seguinte, “Milagre por um Dia”, reservava-lhe finalmente uma nomeação para o "melhor realizador". No dia da atribuição dos prémios, Capra estava tão seguro de si que, quando o apresentador anuncia o Oscar ganho por Frank..., Capra não espera por mais nada e dirige-se para o palco. O Oscar iria para Frank, sim, mas para Frank Lloyd, que dirigira “Cavalgada”. Foi um mau momento que, todavia, duraria pouco. Em 1934, com “It Happened One Night”, Capra vê este seu trabalho arrebatar os 5 Oscars mais importantes: melhor filme, melhor realização, melhor actor principal (Clark Gable), melhor actriz principal (Claudette Colbert) e melhor argumento (atribuído a Robert Riskin, colaborador regular de Capra e seguramente uma das bases do seu triunfo). Na história de Hollywood só dois outros realizadores repetem a graça: em 1975, Milos Forman, com “Voando Sobre um Ninho de Cucos”, e, posteriormente, em 1991, Jonathan Demme, com “O Silêncio dos Inocentes”.
Com “Uma Noite Aconteceu” Frank Capra ascendeu à gloria que ele tanto perseguia há já alguns anos. Os Oscars que recebeu, as críticas que então se publicaram, os prémios que acumulou, as honrarias que lhe encheram o ego, mas sobretudo a forma calorosa como o filme foi recebido pelo público de todo o mundo, transportaram o cineasta "ao Everest do cinema", como o próprio autor confessa na sua autobiografia que, sintomaticamente, se chama, no original, “The Name Above the Title”. E é precisamente essa biografia, extremamente curiosa e repleta de histórias divertidas e pitorescas sobre Hollywood e o universo do cinema, que iremos continuar a citar.


Capra sabe que o mundo do espectáculo era, e é ainda hoje, implacável para com os perdedores. Sabia que homens que tiveram o mundo na mão, como Griffith e Marc Sennett, viveram na penumbra do esquecimento os últimos anos das suas vidas. Manter o êxito é difícil e qualquer erro pode ser o último. Depois do triunfo de “It Happened One Night”, Frank Capra ficou apavorado com o que fazer a seguir. E não quis mesmo fazer mais nada. Mas, para que ninguém o perturbasse nesse retiro, resolveu inventar uma doença. Diariamente se dizia muito cansado, e conseguia mesmo que o termómetro fosse registando aqueles incómodos 37- 7 , 37- 9 que iam afligindo os médicos e a família, e o afastavam dos estúdios da Columbia Pictures, onde o produtor Harry Cohn afadigadamente lhe ia descobrindo projectos. A coisa foi de tal ordem, que ao fim de algum tempo, os vários médicos que ia visitando, à força de nada lhe encontrarem, lhe prognosticaram uma tuberculose. Mas Capra, qual doente imaginário, sentia-se bem, mesmo com a tuberculose. O que ele não queria mesmo era voltar aos estúdios e ter de responder publicamente pelas responsabilidades assumidas com o seu último filme. Até que um dia...
Um dia, estava ele no quentinho da sua sala, ouvindo pela rádio as ameaçadoras gabarolices de Hitler, quando um admirador pediu para o ver. Não se sabe muito bem como tudo aconteceu, Capra deixa o episódio envolto num certo mistério, daqueles de que se fazem os mitos, mas a verdade, segundo o relato do cineasta, é que lhe apareceu um homenzinho careca de fortes lunetas que o acusa de ser um cobarde. E mais do que isso, uma ofensa a Deus. E prosseguiu na sua invectiva: "Está a ouvir essa voz demoníaca, referia-se a Hitler, que tenta desesperadamente contaminar o mundo com o seu ódio. A quantas pessoas se dirige ele? A quinze, vinte milhões. O senhor, e agora dirigia-se a Capra, pode falar a centenas de milhões de pessoas durante duas horas e na obscuridade. O talento que tem, não lhe pertence, não o adquiriu por meios próprios. Foi Deus quem lho deu. Ele ofertou-lhe esse dom para o colocar ao seu serviço. Quando se recusa a utilizá-lo, está a ofender a Deus e à Humanidade. Adeus." E o homenzinho foi-se embora, ficando Capra no mais profundo silêncio, diz ele que deixando escorregar pelo rosto umas lágrimas de vergonha. E no dia seguinte estava a trabalhar no argumento de "Opera Hat", donde resultaria “Mr. Deeds Goes To Town”.
Não se sabe se a história é verdadeira, mas não deixa de ser reveladora. Reveladora é uma palavra que tem a ver com Revelação. O cinema de Capra não mais deixaria de ser um cinema de Revelação, mas de uma Revelação profundamente enraizada em questões sociais essenciais. Logo a começar por “Doido com Juízo” que é bem o manifesto de um autor, e talvez neste aspecto a sua obra mais perfeita, pelo menos a mais significativa.
Numa época de profunda crise económica e social, num período de angústia e mesmo desespero, como foi o início da década de 30 na América, Frank Capra criou um herói provinciano, ingénuo mas intimamente forte e seguro de si e das suas convicções, que desafia a cidade desumana, as instituições públicas e privadas, dominadas pela corrupção, e que, mais do que tudo isso, consegue trazer consigo a revelação do amor e da solidariedade social. É o herói individual que a América vai consagrar no rosto incorruptível de Gary Cooper. Diz a lenda também que um actor amigo de Capra um dia lhe disse: "Deixa de te preocupar com o que deves dizer às pessoas. Isso fá-.las fugir. Limita-te a contar histórias simples de homens e mulheres e a fazer rir. Este é o teu ponto forte. Inconscientemente farás deslizar nos teus filmes uma mensagem, seja ela qual for. Não podes impedir-te disso." Capra fez as suas histórias, e deixou-as viver com o seu coração. A mensagem era sempre a mesma, porque era a sua forma de ver e sentir o mundo e os seus problemas. A utopia dos bons sentimentos pode ser apenas isso, mas o retrato que fica subjacente permanece intocável. E nada no filme é tão simples que se possa dizer pueril. Mesmo a ingenuidade do herói que sai do “país real" para afrontar a metrópole corrupta, acaba por sucumbir e ser salvo por uma outra revelação, a do amor de uma mulher da cidade, diga-se que excelentemente interpretada por Jean Arthur. Esta é a América dos anos de crise da década de 30. 
O cinema de Capra expressa um populismo voluntarista e utópico, exemplo típico de uma fé total na democracia, sobretudo na democracia norte-americana dos primórdios que Lincoln e Jefferson construíram. Capra e os seus heróis trazem consigo a reposição dos valores esquecidos ou adulterados da democracia. Valores esquecidos ou adulterados na América, valores totalmente subvertidos na Europa, onde, nesse final dos anos 30 e na década seguinte, os totalitarismos cresciam, com o nazismo, o fascismo, o comunismo a instalarem-se um pouco por todo o lado.
Capra acredita no Homem, no seu Humanismo, na sua possibilidade de reformar o sistema, de o transformar através do amor e da dedicação a causas justas. Capra acredita que a integridade e a honestidade de uns tantos irão impedir a perversão do sistema empreendida por alguns em proveito próprio. Capra acredita, portanto, que o Mal não triunfa, se o Bem se mantiver vigilante e for suficientemente corajoso para intervir e lancetar a gangrena. E Capra diz tudo isto com fé e alegria, fazendo filmes simples na sua aparência, lineares na sua estrutura, que irão galvanizar o povo americano. Por isso Capra foi o melhor instrumento da política de Franklin Roosevelt para o ressurgimento da América através do New Deal. E foi-o sobretudo porque não fazia filmes de encomenda. Ninguém lhe dizia o que devia dizer. Ele fazia os filmes que queria, que por uma feliz coincidência de propósitos se integravam plenamente no espírito do New Deal, o projecto político da reconstrução norte-americana, que procurava sobretudo devolver a voz ao cidadão e esperar que fosse ele a tomar nas suas mãos o destino da América.
Mas, se a esperança da reconstrução nacional se dirigia para o esforço do cidadão anónimo, a vontade política ia no sentido de criar um rudimento do Estado providência que ofertasse ao cidadão as ferramentas económicas, através do crédito, e lhe criasse zonas de segurança social, para combater e vencer a grande Depressão. Com base no pensamento de homens como Thomas Jefferson, Franklin Roosevelt esperava, disse ele, "refazer a vida nacional segundo um modelo que, voltasse ou não a antiga prosperidade, provocasse um maior sentido de justiça social e respondesse aos pedidos de uma nova democracia." Houve quem visse nas ideias de Roosevelt um perigo "vermelho", mas os rudimentos de socialização da sociedade eram apoiados até pela igreja. O próprio Papa Pio XI pedia uma mais forte participação católica na reconstrução da ordem social, e muitas outras religiões, populares nos EUA, associavam-se-lhe nas intenções. A II Guerra Mundial iria terminar com o esforço do New Deal, mas esta época de franca prosperidade e de uma maior justiça social ficaria para sempre marcada na história dos EUA com uma pedra branca, inclusive no campo literário e artístico. Muitos foram os escritores, de John dos Passos a Steinbeck e Hemingway, muitos foram os artistas, na música, na pintura, no teatro, no cinema, a sentirem o chamamento social, o apelo do povo para a reconstrução da sociedade em moldes mais justos e humanos. Capra foi apenas um entre muitos, mas no campo do cinema, e sobretudo na comédia, ele foi exemplar. Como exemplar foi também John Ford no drama social, desde “A Estrada do Tabaco” às “Vinhas da Ira”.
Durante a II Guerra Mundial, Frank Capra, mobilizado pelas forças armadas norte-americanas, supervisionou um conjunto admirável de documentários, subordinados ao título genérico “Why We Fight”, e que pretendiam precisamente mostrar aos americanos porque é que eles deveriam entrar na guerra e combater a ameaça nazi, mostrando quem eram os inimigos, e testemunhando algumas das mais famosas batalhas realmente vividas na carne, de Inglaterra à Tunisia ou à China. Sob as ordens de Capra estiveram cineastas como John Ford, Anatole Litvak ou Joris Ivens, e o conjunto destes filmes é o mais espantoso e brilhante documento que a II Guerra Mundial nos deixou como resposta ao "terrificante" Triunfo da Vontade, da alemã Leni Riefenstahl.
No pós-guerra, Capra ainda nos daria filmes extremamente interessantes, entre as quais mais uma obra-prima indiscutível, “Do Céu Caiu uma Estrela”, que data de 1946. Nas décadas de 50 e 60, “Tristezas não pagam Dívidas” e “Milagre por Um Dia”, "remake" de uma obra anteriormente realizada pelo próprio Capra, são ainda títulos a não menosprezar, bem assim como toda a sua actividade no campo do documentarismo científico e educacional, em encomendas da Bell System, actividade que o ocupou entre 1952 e 1957.
Capra, glória de Hollywood, faleceu a 3 de Setembro de 1991, com 94 anos de idade e uma vida cheia de histórias que ele descreveu parcialmente numa bem humorada e ágil autobiografia a que deu por título "The Name Above the Title".

*Ver filmografia de Frank Capra na folha de “Não o Levarás Contigo”.

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