O MUNDO È UM MANICÓMIO (1941,1944)
“O Mundo é Um Manicómio” foi dirigido
por Frank Capra em 1941, mas só seria estreado na América em 1944. Já iremos
saber porquê. Por isso mesmo, o melhor é começar por um pouco de história.
Frank Capra é seguramente um dos maiores
autores de comédias cinematográficas de sempre. Tenho para mim que “Uma Noite
Aconteceu”, “Doido com Juízo”, “Não o Levarás Contigo”, “Peço a Palavra”, “Um
João Ninguém”, “O Mundo é Um Manicómio” e “Do Céu Caiu uma Estrela”, para só
citar estas, constituem um conjunto de comédias verdadeiramente invulgar, todas
elas rodadas numa dúzia de anos, precisamente entre 1934 e 1946. Raros autores
conseguiram um tal volume de obra com uma tão grande coerência e consistência de
temas, com um tão notável grau de eficácia narrativa, de estilo, de humor e de
intransigente defesa de valores humanistas que os tempos impuseram e o talento
e o espírito de Capra captaram de forma admirável.
A América, e o mundo, atravessavam um
período particularmente conturbado. A crise económica era intensa. O
"crach" de 1929 deixara pesadas marcas na economia mundial. Roosevelt
tentava impor o seu plano de recuperação nacional através do "New
Deal" e Frank Capra foi, ao longo dos anos, o seu melhor instrumento.
Mas há que referir aqui um aspecto que
me parece absolutamente decisivo para o bom êxito deste empreendimento: Capra
não executava encomendas. Capra rodava filmes em que acreditava, que reflectiam
o seu tempo e se deixavam impregnar pelo espírito do "New Deal" de
uma forma absolutamente espontânea.
Este aspecto sente-se em todos os
títulos atrás mencionados e funciona como uma marca de autoria, de tal forma
que hoje em dia, quando se vêem filmes de certa forma utópicos e idealistas, se
diz serem "à maneira de Capra". Actualmente, a América tem recuperado
muito desse espírito, infelizmente talvez um pouco porque os tempos são
igualmente de forte crise económica e se impõe uma recuperação desse idealismo
e dessa vontade colectiva de vencer a crise solidariamente.
Pois bem, em 1941 Capra encontrava-se no
auge da sua carreira, sendo um dos mais bem sucedidos cineastas de Hollywood.
Teve à sua disposição contratos fabulosos propostos por David Selznick e pela
Fox, mas acabaria por ingressar nas forças armadas, convidado para dirigir um
departamento de cinema do Exército. Antes, porém, de ingressar nas fileiras,
teve direito a algum tempo que procurou ocupar dirigindo um filme que ele
considerava "alimentar, feito para suprir as necessidades alimentares da
família."
Capra tinha visto na Broadway uma peça
de grande sucesso nessa altura, "Arsenic and Old Lace", da autoria de
Joseph Kesselring, e procurou interessar Jack Warner neste projecto. Ele
comprometia-se a rodá-lo em quatro semanas, quase integralmente em estúdio, num
cenário único, com meia dúzia de actores, entre eles Cary Grant, o mais popular
comediante da América.
E assim se fez: o cenário era o interior
e parte do exterior da casa de duas bondosas velhinhas que se entretinham a
distribuir veneno por velhinhos que enterravam depois na cave, onde um lunático
que se fazia passar por Ted Roossevelt lançava as bases do canal do Panamá, nos
intervalos de vitoriosas cargas sobre o inimigo. Capra conseguiu que alguns dos
actores do elenco da Broadway utilizassem as semanas de férias para virem
filmar consigo em Hollywood, com uma excepção de peso: Boris Karloff que fazia
o papel de Jonhnathan no teatro e que os empresários não libertaram, foi
substituído por Raymond Massey, que aliás ostenta uma caracterização muito
semelhante à da figura de Frankenstein, o que permite deliciosos trocadilhos,
como poderão ver.
O filme fez-se nas quatro semanas
previstas, foi concluído depois em tempo "record", porque,
entretanto, ocorreu o ataque de Pearl Harbour e os EUA intensificaram a sua
intervenção no conflito, mas “Arsenic and Old Lace” só seria estreado
oficialmente em salas norte-americanas em 1944, porque assim o impunha o
contrato com a companhia teatral: só depois da peça ter terminado a sua
carreira normal nos palcos da Broadway, é que o filme poderia ser lançado.
Estreou e foi um sucesso fulgurante. Se
bem que afastando-se um pouco da temática usual de Capra, “O Mundo é Um
Manicómio” é uma fabulosa demonstração do talento deste cineasta, do seu
estilo, da sua direcção de actores, do seu humor.…Um humor que, passados 60
anos, mantem toda a frescura, toda a espontaneidade, toda a alegria de viver,
mesmo quando o humor é um humor negro como é o caso. E pronto é altura de
também nós gritarmos "À carga!" e passarmos rapidamente ao filme.
O MUNDO É UM MANICÓMIO
Título original: Arsenic and
Old Lace
Realização: Frank Capra (EUA, 1941, 1944);
Argumento: Julius J. Epstein, Philip G. Epstein, segundo peça de teatro de
Joseph Kesselring; Produção: Jack L. Warner, Frank Capra; Música: Max Steiner;
Fotografia (p/b): Sol Polito; Montagem: Daniel Mandell; Direcção artística: Max
Parker; Guarda-roupa: Orry-Kelly; Maquilhagem: Perc Westmore, George Bau, Anita
De Beltrand, John Wallace; Direcção de
Produção: Eric Stacey, Steve Trilling;
Assistentes de realização: Claude Archer, Russell Saunders; Departamento
de arte: Lucien Hafley, Keefe Maley, Alfred Williams, Levi C. Williams; Som:
C.A. Riggs, Everett Alton Brown; Efeitos especiais: Robert Burks, Byron Haskin;
Companhia de produção: A Warner Bros.-First National Picture; Intérpretes: Cary Grant (Mortimer
Brewster), Priscilla Lane (Elaine Harper), Raymond Massey (Jonathan Brewster),
Jack Carson (O'Hara), Edward Everett Horton (Mr. Witherspoon), Peter Lorre (Dr.
Einstein), James Gleason (LTenente. Rooney), Josephine Hull (Abby Brewster),
Jean Adair (Martha Brewster), John Alexander ('Teddy Roosevelt' Brewster),
Grant Mitchell (Reverendo Harper), Edward McNamara (Brophy), Garry Owen, John
Ridgely, Vaughan Glaser, Chester Clute, Charles Lane, Edward McWade, Spencer
Charters, Jimmy the Crow, Sol Gorss, Herbert Gunn, Roland Jones, Hank Mann,
Spec O'Donnell, Lee Phelps, Don Phillips, Raymond Walburn, Leo White, Jean
Wong, etc. Duração: 118 minutos;
Distribuição em Portugal: Warner
Home Video;
Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 3 de Fevereiro
de 1947.
FRANK
CAPRA (1897-1991)
Frank Capra foi considerado um dos
mestres da comédia social. “Uma Noite Aconteceu”, “Doido com Juízo”, “Não o
Levarás Contigo”, “Peço a Palavra”, “Um João Ninguém”, “O Mundo é Um
Manicómio”, “Do Céu Caiu uma Estrela” ou “Horizonte Perdido” são títulos
respeitantes às décadas de 30 e 40, a sua época de consagração e plenitude.
Frank Capra é de origem siciliana.
Nasceu a 18 de Maio de 1897, na localidade de Bisaquino, na tumultuosa ilha da
Sicília. A família emigrou para os EUA quando ele contava apenas seis anos de
idade, instalando-se em Los Angeles. Mas a sua educação leva-o para o campo das
ciências, formando-se em 1918, em Engenharia Química. Passa pelo exército, e,
ao sair, encontra a América à beira do colapso económico. É difícil arranjar
emprego, e por isso aproveita para viajar à boleia pelos estados do Arizona,
Nevada e Califórnia. Diz a lenda que, durante a "lei seca", recusou o
convite de um dirigente da mafia local para montar um fábrica clandestina,
cujos alambiques não deitassem cheiro. Em vez disso, respondeu a um anúncio que
pedia "realizador" para um novo estúdio. Quem colocara o anúncio no
jornal fora um actor shakespeareano de nome Walter Montague, que fundara as
"Productions Fireside", onde Frank Capra se estreia com uma curta
metragem sobre um poema de Rudyard Kipling. Pouco tempo depois, passa a
trabalhar num laboratório de cinema, onde assiste à rodagem de várias obras,
algumas delas dirigidas por cineastas como Eric Von Stroheim, o que lhe permite
ir aprendendo o ofício. Aparece no elenco técnico de diversos filmes, como
acessorista, montador, argumentista, inventor de gags. É nesta condição que é
contratado por Hal Roach e, posteriormente, por Mack Sennett para a sua fábrica
de comédias, onde começa a sua colaboração com o cómico Harry Langdon. Dois dos
mais célebres filmes de Langdon são realizados por Capra, em 1926, “Atleta à
Força” e “Calças Compridas”.
Mas o mau feitio do actor leva-o a
deixar Marc Sennett, e depois a despedir Capra. Em 1928, de novo sem emprego, é
contratado por um pequeno estúdio, a Columbia Pictures, nessa altura dirigida
por Harry Cohn. Aí irá permanecer durante uma dúzia de anos, ajudando a fazer
da Columbia um dos grandes estúdios de Hollywood. Roda filmes a uma velocidade
vertiginosa e quase todos se tornam êxitos de bilheteira. A América atravessa
um dos seus piores momentos de sempre e Capra é sensível ao estado de espírito
dos seus concidadãos. As suas obras, melodramas, como “A Grande Muralha”,
dramas como “Milionária por um Dia”, comédias como “Loucura Americana”, começam
a impor um estilo, a que mais tarde se chamará o "Capra Touch" (o
toque Capra), que o celebrizará.
Mas Frank Capra vive obcecado pela
conquista de um Oscar, prémio atribuído pela recém-criada Academia de
Hollywood. Faz parte da história das cerimónias de atribuição dessas invejadas
estatuetas um episódio protagonizado por ele. Em 1933, realiza “A Grande
Muralha”, que inaugura, com pompa e circunstância, o Radio City Music Hall, de
Nova Iorque. O êxito é grande, mas quanto a Oscars o filme ficou em branco. A
película seguinte, “Milagre por um Dia”, reservava-lhe finalmente uma nomeação
para o "melhor realizador". No dia da atribuição dos prémios, Capra
estava tão seguro de si que, quando o apresentador anuncia o Oscar ganho por
Frank..., Capra não espera por mais nada e dirige-se para o palco. O Oscar iria
para Frank, sim, mas para Frank Lloyd, que dirigira “Cavalgada”. Foi um mau
momento que, todavia, duraria pouco. Em 1934, com “It Happened One Night”,
Capra vê este seu trabalho arrebatar os 5 Oscars mais importantes: melhor
filme, melhor realização, melhor actor principal (Clark Gable), melhor actriz
principal (Claudette Colbert) e melhor argumento (atribuído a Robert Riskin,
colaborador regular de Capra e seguramente uma das bases do seu triunfo). Na
história de Hollywood só dois outros realizadores repetem a graça: em 1975,
Milos Forman, com “Voando Sobre um Ninho de Cucos”, e, posteriormente, em 1991,
Jonathan Demme, com “O Silêncio dos Inocentes”.
Com “Uma Noite Aconteceu” Frank Capra
ascendeu à gloria que ele tanto perseguia há já alguns anos. Os Oscars que
recebeu, as críticas que então se publicaram, os prémios que acumulou, as
honrarias que lhe encheram o ego, mas sobretudo a forma calorosa como o filme
foi recebido pelo público de todo o mundo, transportaram o cineasta "ao
Everest do cinema", como o próprio autor confessa na sua autobiografia
que, sintomaticamente, se chama, no original, “The Name Above the Title”. E é
precisamente essa biografia, extremamente curiosa e repleta de histórias
divertidas e pitorescas sobre Hollywood e o universo do cinema, que iremos
continuar a citar.
Capra sabe que o mundo do espectáculo
era, e é ainda hoje, implacável para com os perdedores. Sabia que homens que
tiveram o mundo na mão, como Griffith e Marc Sennett, viveram na penumbra do
esquecimento os últimos anos das suas vidas. Manter o êxito é difícil e
qualquer erro pode ser o último. Depois do triunfo de “It Happened One Night”,
Frank Capra ficou apavorado com o que fazer a seguir. E não quis mesmo fazer
mais nada. Mas, para que ninguém o perturbasse nesse retiro, resolveu inventar
uma doença. Diariamente se dizia muito cansado, e conseguia mesmo que o
termómetro fosse registando aqueles incómodos 37- 7 , 37- 9 que iam afligindo
os médicos e a família, e o afastavam dos estúdios da Columbia Pictures, onde o
produtor Harry Cohn afadigadamente lhe ia descobrindo projectos. A coisa foi de
tal ordem, que ao fim de algum tempo, os vários médicos que ia visitando, à
força de nada lhe encontrarem, lhe prognosticaram uma tuberculose. Mas Capra,
qual doente imaginário, sentia-se bem, mesmo com a tuberculose. O que ele não
queria mesmo era voltar aos estúdios e ter de responder publicamente pelas
responsabilidades assumidas com o seu último filme. Até que um dia...
Um dia, estava ele no quentinho da sua
sala, ouvindo pela rádio as ameaçadoras gabarolices de Hitler, quando um
admirador pediu para o ver. Não se sabe muito bem como tudo aconteceu, Capra
deixa o episódio envolto num certo mistério, daqueles de que se fazem os mitos,
mas a verdade, segundo o relato do cineasta, é que lhe apareceu um homenzinho
careca de fortes lunetas que o acusa de ser um cobarde. E mais do que isso, uma
ofensa a Deus. E prosseguiu na sua invectiva: "Está a ouvir essa voz
demoníaca, referia-se a Hitler, que tenta desesperadamente contaminar o mundo
com o seu ódio. A quantas pessoas se dirige ele? A quinze, vinte milhões. O
senhor, e agora dirigia-se a Capra, pode falar a centenas de milhões de pessoas
durante duas horas e na obscuridade. O talento que tem, não lhe pertence, não o
adquiriu por meios próprios. Foi Deus quem lho deu. Ele ofertou-lhe esse dom
para o colocar ao seu serviço. Quando se recusa a utilizá-lo, está a ofender a
Deus e à Humanidade. Adeus." E o homenzinho foi-se embora, ficando Capra
no mais profundo silêncio, diz ele que deixando escorregar pelo rosto umas
lágrimas de vergonha. E no dia seguinte estava a trabalhar no argumento de
"Opera Hat", donde resultaria “Mr. Deeds Goes To Town”.
Não se sabe se a história é verdadeira,
mas não deixa de ser reveladora. Reveladora é uma palavra que tem a ver com
Revelação. O cinema de Capra não mais deixaria de ser um cinema de Revelação,
mas de uma Revelação profundamente enraizada em questões sociais essenciais.
Logo a começar por “Doido com Juízo” que é bem o manifesto de um autor, e
talvez neste aspecto a sua obra mais perfeita, pelo menos a mais significativa.
Numa época de profunda crise económica e
social, num período de angústia e mesmo desespero, como foi o início da década
de 30 na América, Frank Capra criou um herói provinciano, ingénuo mas
intimamente forte e seguro de si e das suas convicções, que desafia a cidade
desumana, as instituições públicas e privadas, dominadas pela corrupção, e que,
mais do que tudo isso, consegue trazer consigo a revelação do amor e da solidariedade
social. É o herói individual que a América vai consagrar no rosto incorruptível
de Gary Cooper. Diz a lenda também que um actor amigo de Capra um dia lhe
disse: "Deixa de te preocupar com o que deves dizer às pessoas. Isso
fá-.las fugir. Limita-te a contar histórias simples de homens e mulheres e a
fazer rir. Este é o teu ponto forte. Inconscientemente farás deslizar nos teus
filmes uma mensagem, seja ela qual for. Não podes impedir-te disso." Capra
fez as suas histórias, e deixou-as viver com o seu coração. A mensagem era
sempre a mesma, porque era a sua forma de ver e sentir o mundo e os seus
problemas. A utopia dos bons sentimentos pode ser apenas isso, mas o retrato
que fica subjacente permanece intocável. E nada no filme é tão simples que se possa
dizer pueril. Mesmo a ingenuidade do herói que sai do “país real" para
afrontar a metrópole corrupta, acaba por sucumbir e ser salvo por uma outra
revelação, a do amor de uma mulher da cidade, diga-se que excelentemente
interpretada por Jean Arthur. Esta é a América dos anos de crise da década de
30.
O cinema de Capra expressa um populismo
voluntarista e utópico, exemplo típico de uma fé total na democracia, sobretudo
na democracia norte-americana dos primórdios que Lincoln e Jefferson
construíram. Capra e os seus heróis trazem consigo a reposição dos valores
esquecidos ou adulterados da democracia. Valores esquecidos ou adulterados na
América, valores totalmente subvertidos na Europa, onde, nesse final dos anos
30 e na década seguinte, os totalitarismos cresciam, com o nazismo, o fascismo,
o comunismo a instalarem-se um pouco por todo o lado.
Capra acredita no Homem, no seu
Humanismo, na sua possibilidade de reformar o sistema, de o transformar através
do amor e da dedicação a causas justas. Capra acredita que a integridade e a
honestidade de uns tantos irão impedir a perversão do sistema empreendida por
alguns em proveito próprio. Capra acredita, portanto, que o Mal não triunfa, se
o Bem se mantiver vigilante e for suficientemente corajoso para intervir e
lancetar a gangrena. E Capra diz tudo isto com fé e alegria, fazendo filmes
simples na sua aparência, lineares na sua estrutura, que irão galvanizar o povo
americano. Por isso Capra foi o melhor instrumento da política de Franklin
Roosevelt para o ressurgimento da América através do New Deal. E foi-o sobretudo
porque não fazia filmes de encomenda. Ninguém lhe dizia o que devia dizer. Ele
fazia os filmes que queria, que por uma feliz coincidência de propósitos se
integravam plenamente no espírito do New Deal, o projecto político da
reconstrução norte-americana, que procurava sobretudo devolver a voz ao cidadão
e esperar que fosse ele a tomar nas suas mãos o destino da América.
Mas, se a esperança da reconstrução
nacional se dirigia para o esforço do cidadão anónimo, a vontade política ia no
sentido de criar um rudimento do Estado providência que ofertasse ao cidadão as
ferramentas económicas, através do crédito, e lhe criasse zonas de segurança
social, para combater e vencer a grande Depressão. Com base no pensamento de
homens como Thomas Jefferson, Franklin Roosevelt esperava, disse ele,
"refazer a vida nacional segundo um modelo que, voltasse ou não a antiga
prosperidade, provocasse um maior sentido de justiça social e respondesse aos
pedidos de uma nova democracia." Houve quem visse nas ideias de Roosevelt
um perigo "vermelho", mas os rudimentos de socialização da sociedade
eram apoiados até pela igreja. O próprio Papa Pio XI pedia uma mais forte
participação católica na reconstrução da ordem social, e muitas outras
religiões, populares nos EUA, associavam-se-lhe nas intenções. A II Guerra
Mundial iria terminar com o esforço do New Deal, mas esta época de franca
prosperidade e de uma maior justiça social ficaria para sempre marcada na
história dos EUA com uma pedra branca, inclusive no campo literário e artístico.
Muitos foram os escritores, de John dos Passos a Steinbeck e Hemingway, muitos
foram os artistas, na música, na pintura, no teatro, no cinema, a sentirem o
chamamento social, o apelo do povo para a reconstrução da sociedade em moldes
mais justos e humanos. Capra foi apenas um entre muitos, mas no campo do
cinema, e sobretudo na comédia, ele foi exemplar. Como exemplar foi também John
Ford no drama social, desde “A Estrada do Tabaco” às “Vinhas da Ira”.
Durante a II Guerra Mundial, Frank
Capra, mobilizado pelas forças armadas norte-americanas, supervisionou um
conjunto admirável de documentários, subordinados ao título genérico “Why We
Fight”, e que pretendiam precisamente mostrar aos americanos porque é que eles
deveriam entrar na guerra e combater a ameaça nazi, mostrando quem eram os
inimigos, e testemunhando algumas das mais famosas batalhas realmente vividas
na carne, de Inglaterra à Tunisia ou à China. Sob as ordens de Capra estiveram
cineastas como John Ford, Anatole Litvak ou Joris Ivens, e o conjunto destes
filmes é o mais espantoso e brilhante documento que a II Guerra Mundial nos
deixou como resposta ao "terrificante" Triunfo da Vontade, da alemã
Leni Riefenstahl.
No pós-guerra, Capra ainda nos daria
filmes extremamente interessantes, entre as quais mais uma obra-prima
indiscutível, “Do Céu Caiu uma Estrela”, que data de 1946. Nas décadas de 50 e
60, “Tristezas não pagam Dívidas” e “Milagre por Um Dia”, "remake" de
uma obra anteriormente realizada pelo próprio Capra, são ainda títulos a não
menosprezar, bem assim como toda a sua actividade no campo do documentarismo
científico e educacional, em encomendas da Bell System, actividade que o ocupou
entre 1952 e 1957.
Capra, glória de Hollywood, faleceu a 3
de Setembro de 1991, com 94 anos de idade e uma vida cheia de histórias que ele
descreveu parcialmente numa bem humorada e ágil autobiografia a que deu por
título "The Name Above the Title".
*Ver filmografia de Frank Capra na folha
de “Não o Levarás Contigo”.
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