NÃO
O LEVARÁS CONTIGO (1938)
Com “Não o Levarás Contigo”
surpreendemos um outro fabuloso exemplo da época de ouro de Capra e da comédia
social. Parece ter ficado claro que este é um cineasta da minha particular
estima e admiração, como se pode ter percebido pelas palavras que lhe
enderecei, e sobretudo pelo calor com que, julgo, as ter envolvido. Na verdade,
admiro muito Frank Capra, sobretudo o Capra da década de 30, até meados da
década de 40, o Capra das comédias de forte componente social, o Capra da
utopia.
Falemos, agora, um pouco de “Não o
Levarás Contigo”, rodado em 1938, depois de Capra ter assistido entusiasmado a
uma representação da peça teatral homónima, da autoria de George S. Kaufman e
Moss Hart, que com ela ganhariam o Prémio Pulitzer. Como sempre seria o seu
argumentista de serviço, Robert Riskin, a adaptá-la primorosamente a cinema.
Mas a peça possuía já todos os elementos essenciais ao cinema de Capra. Na
verdade, apesar de se tratar de uma adaptação, esta é, indiscutivelmente, outra
das obras mais significativas do pensamento de Capra. Tudo o que é caro ao
universo do cineasta aí se encontra.
A acção central nasce do confronto de
dois estilos de vida: de um lado, um industrial de armamento, austero e egoísta,
que só pensa em monopólios e lucros; do outro, a alargada família da sua
secretária, generosa e caótica, onde cada um faz o que quer e o que muito bem
lhe passa pela cabeça, e onde alguns não pagam impostos, simplesmente
"porque não lhes apetece". O
industrial quer comprar a casa onde habita essa família de lunáticos, para aí
construir mais uma fábrica. Mas...
Este esquema permite a Capra acumular um
conjunto de referências absolutamente reveladoras do seu cinema e do seu
pensamento humanista e utópico. O amor e a solidariedade contra o dinheiro e a
febre de acumulação de capital, o ruralismo e a simplicidade de comportamento
contra a grande metrópole e o artificialismo, a exaltação de valores primordiais
como o patriotismo, a família, a beleza dos puros de coração, o amor e a
amizade, a solidariedade social, que se expressa na singeleza de um "ama o
teu próximo". E para Capra, se esse "próximo" for do sexo
contrário, ainda melhor, porque não há história que não esteja nimbada de um
secreto erotismo, desde “Uma Noite Aconteceu” até este “Não o Levarás Contigo”.
Por tudo o que acabámos de referir,
ainda que de forma extremamente sucinta, “You Can't Take It With You” não pode
estar longe de “Doido Com Juízo” ou “Peço a Palavra” e anda muito próximo de “O
Mundo é Um Manicómio” ou de “Do Céu Caiu um Estrela”. Toda a filosofia de uma
generosa utopia está contida neste grupo de filmes, aparentemente de uma grande
simplicidade, mas realmente exemplares na forma como Capra encenava o seu
cinema.
Para os mais interessados nestas questões,
muitos dos filmes de Capra eram filmados com mais do que uma câmara, para assim
as ligações, os chamados "raccords", serem as mais perfeitas
possíveis, e permitindo um jogo de campo /contra campo muito vivo e rigoroso.
Admirador dos actores, de quem era
visivelmente um amigo, além de director, Capra deixa-os respirar em planos de
uma duração um pouco mais longa do que o normal, para permitir o
desenvolvimento das suas capacidades, sempre que isso é benéfico para a
intensidade dramática da obra. Por isso o seu ritmo de montagem varia, ora
nervoso e ágil, ora mais lento e saboreado. E pode dizer-se que, com actores
como James Stewart, Jean Arthur, Lionel Barrymore, Misha Auer, Edward Arnold,
Ann Miller e tantos outros, Frank Capra se podia considerar um cineasta feliz.
NÃO
O LEVARÁS CONTIGO
Título
original: You Can't Take It With You
Realização: Frank Capra (EUA, 1938); Argumento: Robert Riskin, segundo peça de
George S. Kaufman e Moss Hart; Produção: Frank Capra; Música: Dimitri Tiomkin;
Fotografia (p/b): Joseph Walker; Montagem: Gene Havlick; Direcção artística:
Stephen Goosson; Maquilhagem: William Knight; Guarda-roupa: Irene, Bernard
Newman; Assistentes de realização: Arthur S. Black Jr.; Departamento de arte:
Lionel Banks; Som: Edward Bernds, Garry A. Harris; Companhias de produção:
Columbia Pictures Corporation; Intérpretes:
Jean Arthur (Alice Sycamore), Lionel Barrymore (Martin Vanderhof), James
Stewart (Tony Kirby), Edward Arnold (Anthony P. Kirby), Mischa Auer
(Kolenkhov), Ann Miller (Essie Carmichael), Spring Byington (Penny Sycamore),
Samuel S. Hinds (Paul Sycamore), Donald Meek (Poppins), H.B. Warner (Ramsey),
Halliwell Hobbes (DePinna), Dub Taylor (Ed Carmichael), Mary Forbes, Lillian
Yarbo, Eddie 'Rochester' Anderson, Clarence Wilson, Josef Swickard, Ann Doran,
Christian Rub, Bodil Rosing, Charles Lane, Harry Davenport, Ward Bond, etc. Duração: 126 minutos; Distribuição em Portugal: Warner
Home Video; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 21
de Dezembro de 1939.
OS FILMES DE FRANK
CAPRA
Filmografia
/ Como realizador:
1921: Fultah Fisher's
Boarding House (curta-metragem); 1926: The Strong Man (Atleta à força); 1927:
Long Pants (Calças Compidas); 1928: For the Love of Mike (Os Três Pais); That
Certain Thing; So This Is Love; The Way Of The Strong; The Matinee Idol; Say It
Whith Sables (O Preço do Amor); Submarine (O Mergulhador); The Power of the
Press; 1929: The Younger Generation (A Geração Moderna); The Donovan Affaire;
Fligth; 1930: Ladies of Leisure (na RTP: Damas do Prazer); Rain or Shine; 1931:
Dirigible (O Dirigível); The Miracle Woman; Platinum Blonde; Forbidden (O Seu
Grande Amor); 1932: American Madness (Loucura Americana); 1933: The Bitter Tea
of General Yen (A Grande Muralha); Lady For a Day (Milionária Por Um Dia);
1934: It Happened One Night (Uma Noite Aconteceu); Broadway Bill (Derradeira
Vitória); 1936: Mr. Deeds Goes To Town (Doido com Juízo); 1937: Lost Horizon
(Horizonte Perdido); 1938: You Can't Take It Whith You (Não o Levarás Contigo);
1939: Mr. Smith Goes To Washington (Peço a Palavra); 1941: Meet John Doe (Um
João Ninguêm); Arsenic And Old Laces (O Mundo é um Manicómio); 1942: Why We
Fight?: Prelude To War; 1943: Why We Fight?: The Nazis Strike; Why We Fight?:
Divide And Conquer; Da série Why We Fight?, Frank Capra produziu e
supervisionou a realização dos outros seguintes episódios: Britain (R: Anthony
Veiller); The Battle of Britain (R: Anthony Veiller); The Battle of Russia (R:
Anatole Litvak); The Battle of Chine (R: Frank Capra e Anatole Litvak); The
Negro Soldier in World War II (R: Stuart Heisler); Tunisian Victory (R: Hugh
Stewart); War Comes to America (R: Anatole Litvak); Know Your Enemy: Germany
(R: Gottfried Reinhardt e Ernest Lubitsch); Know Your Enemy: Japan (R: Frank Capra e Joris
Ivens); Your Job in Germany; Two Down
and One to Go; 1946: It's A Wonderful Life (Do Céu Caiu Uma Estrela); 1948:
State of the Union (Um Filho do Povo); 1950: Riding High (Desejo) segunda
versão de «Broadway Bill»; 1951: Here Comes the Groom (A Sorte Bate À Porta);
1956: Our Mr. Sun (doc.); 1957: Hemo The Magnificient (doc.); The Strange Case
Of The Cosmic Rays (doc.); 1958: The Unchainned Goddess (doc.); 1959: A Hole In
The Head (Tristezas Não Pagam Dívidas); 1961: Pocketful Of Miracles (Milagre
Por Um Dia) segunda versão de «Lady For A Day»; 1964: Rendez Vous In Space
(curta-metragem).
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